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Em Teoria: Por que os teóricos têm sede de viajar?

Artigo traduzido de CERN. Autor: Corinne Pralavorio.

Uma grande lata com dezenas de chaves repousa no escritório da Secretaria da Teoria. Cada uma abre um escritório em um corredor da Teoria. Nanie Perrin as entrega e as recolhe, num constante jogo de cadeiras – ou melhor, de escritórios. Na Secretaria, no único quadro no corredor, as idas estão listadas em vermelho e as chegadas em verde.

A Secretaria tem as chaves, as informações e os computadores necessários para assegurar que os teóricos possam se concentrar exclusivamente – bem, quase – em seu trabalho. Crédito: Sophia Bennett / CERN.

Quando um teórico vai embora, ele deixa seu escritório para outro, e assim por diante. Várias dezenas de novos cérebros passam pela porta da Secretaria a cada mês, chegando para visitas que duram um dia, um mês ou vários anos. Eles vêm para participar de seminários e workshops, para começar contratos como estudantes de pós-doutoramento, bolsistas e membros de equipe (embora este seja mais raro), ou simplesmente para discutir com seus colegas.

A Secretaria é o seu refúgio, um lugar de informação, achados e perdidos e teóricos perdidos. As assistentes, Nanie Perrin, Michelle Connor e Jeanne Rostant, os ajudam a organizar suas reuniões e seminários. Nos bastidores, Elena Gianolio fornece suporte de TI. Tudo é organizado de modo que os teóricos possam se concentrar exclusivamente no pensamento, resolução de problemas, cálculos, e escrita.

“Temos cerca de 800 visitantes por ano”, explica Nanie Perrin. “Há mais durante o verão, porque muitos teóricos trabalham em universidades e vêm para o CERN durante as suas férias.”

A viagem é uma parte integrante da vida de um teórico, acumulando quilômetros e fuso horários. “Eu faço cerca de duas viagens intercontinentais por ano, além de seis ou menos na Europa”, explica Wolfgang Lerche, teórico do CERN. “No ano passado, eu passei 300 horas em aviões e viajei cerca de 200.000 km”, diz seu colega Michelangelo Mangano.

Teóricos experientes viajam principalmente para dar aulas e fazer apresentações, para participar de conferências e sentar-se em júris e mesas de teses.

Numa época em que MOOCs, Skype e videoconferências estão por toda parte, viajar para falar aos estudantes pode parecer tão antiquado quanto escrever em um quadro negro com giz. No entanto, todos os teóricos concordam que realmente conhecer pessoas é indispensável para o seu trabalho.

“O Skype é usado cada vez mais para o trabalho colaborativo. Mas nada pode superar uma reunião em pessoa. Se você encontrar um colaborador, você pode falar por 10 horas seguidas ou mais. Não há maneiras de fazer isso eletronicamente”, diz Michelangelo Mangano.

“É a interação humana que produz a faísca. A troca de ideias é essencial em uma disciplina como a nossa, que está em constante evolução. Os projetos muitas vezes nascem das discussões improvisadas. Nós vemos as conferências não somente como meio para apresentar o nosso próprio trabalho, mas também para desenvolver novos projetos. As conferências são incubadoras de projetos!”, explica Christophe Grojean, teórico no laboratório DESY e ex-residente do corredor da Teoria do CERN.

“Você tem que estar no mesmo espaço para ideias brilharem”, diz Slava Rychkov, teórico do CERN. “O Simons Foundation, que financia um programa de colaboração em ciências matemáticas e físicas, requer que 25% do seu orçamento seja gasto na organização de reuniões e conferências cara-a-cara.”

Michelangelo Mangano faz uma pausa em seu escritório. Crédito: Maximillien Brice / CERN.

Gian Giudice, chefe do departamento de Teoria do CERN, estabeleceu uma reunião diária na pequena sala de reuniões do corredor da Teoria. Durante a pausa para o café da tarde, as discussões prosperam. É uma maneira de incentivar os cientistas a se afastar de seus cálculos solitários e passar um tempo com seus colegas. Trabalhar com teoria é um paradoxo, ao mesmo tempo solitário e colaborativo, favorecendo tanto a solidariedade quanto a competição.

Enquanto a física experimental atrai cientistas com seus grandes instrumentos, como o LHC e seus experimentos, a física teórica requer apenas quadros negros, giz, computadores e, claro, o cérebro. E uma vez que o talento científico é raro, mas distribuído uniformemente em todo o mundo, esta pequena comunidade está dispersa e seus membros são obrigados a viajar constantemente.

A dispersão geográfica da comunidade também é um grande trunfo. Em primeiro lugar, isso significa que os institutos podem desenvolver as suas próprias especialidades. Por exemplo, graças à sua proximidade com os experimentos, o CERN é o reino da fenomenologia. A fenomenologia forma uma ponte entre os modelos teóricos e a física experimental. Os fenomenologistas propõem quantidades que são mensuráveis através das experiências, a partir dos modelos teóricos, ou pelo contrário, revelam modelos teóricos a partir de observações.

O corredor da Teoria recebe centenas de visitantes todos os anos, os quais precisam de escritórios. As tiras de papel brancas presas a esta porta são como placas de nome. Não há nenhuma necessidade de reimprimi-las toda vez: quando alguém se move para o escritório, seu nome é colocado no espaço fornecido, e quando eles saem, ele é removido e preso atrás da porta. Crédito: Sophia Bennett / CERN.

Além disso, diferentes culturas inspiram diferentes formas de pensar. “Nós muitas vezes subestimamos o quão grande uma cultura tem efeito sobre o pensamento científico”, diz Christophe Grojean. “Equações pode ser universais, mas a nossa forma de compreendê-las e combiná-las com outros resultados é muito pessoal.”

Enquanto os físicos experientes viajam para difundir seu conhecimento, os jovens vão de país em país para assumir contratos temporários de pós-doutoramento. Leva vários anos para conseguir um emprego permanente. Seus currículos acabam ficando enormes.

“É impossível obter um emprego permanente sem antes trabalhar em vários institutos diferentes”, diz Camille Bonvin, bolsista no departamento de Teoria do CERN. “Eu trabalhei em quatro institutos até agora, e eu vou para outro em junho. O trabalho não é permanente, então é altamente provável que eu vá para outro instituto novamente mais tarde.”

Esta falta de segurança no emprego desencoraja muitos jovens licenciados, que muitas vezes acabam deixando o campo. Alguns passam a trabalhar em computação ou finanças, onde as suas habilidades analíticas são altamente valorizadas.

“Um famoso e atípico exemplo é Yuri Milner, que deixou a física de partículas para se aventurar no mundo financeiro. Ele agora é um bilionário e filantropo da ciência. Como ele mesmo brincou: “Eu sair [do campo] foi um ganho líquido para a física” – Slava Rychov.

A instabilidade dos primeiros anos é, no entanto, vista como parte essencial do treinamento. “Na minha opinião, é muito benéfico. Trabalhar em diferentes institutos permite explorar diferentes ambientes e ampliar seus campos de pesquisa e seus interesses”, acrescenta Camille Bonvin.

“Todos os teóricos tem que passar por isso”, diz Gian Giudice. “É essencial, porque se mudar é uma experiência enriquecedora. Você não pode gastar toda a sua vida no mesmo lugar e esperar fazer avanços.”

Camille Bonvin, bolsista no departamento de Teoria do CERN, em seu escritório, rodeado por outros jovens teóricos. Jovens teóricos viajam de contrato para contrato antes de encontrar um emprego permanente. Crédito: Sophia Bennett / CERN.

“É difícil julgar os jovens logo após o seu PhD. Eles têm que sair de debaixo da asa de seu orientador, mostrar independência e produzir resultados importantes, então eles estarão prontos para um trabalho fixo”, explica Slava Rychkov.

A mudança constante permite que jovens físicos construam uma rede de colegas e, às vezes, encontrem um novo rumo para a sua pesquisa.

A vida viajando de país para país pode soar divertida, mas combina-la com uma vida familiar é difícil. No entanto, é precisamente entre as idades de 25 e 35 anos que os teóricos estão ocupados viajando constantemente de um instituto para outro.

“Um certo talento é necessário para conciliar ciência e vida pessoal”, diz Slava Rychkov.

Mas muitos teóricos conseguem fazer isso. Seus filhos crescem em vários países. “É complicado às vezes, mas é benéfico para toda a família”, explica Christophe Grojean, que tem três filhos com outra teórica. Camille Bonvin, uma jovem mãe, espera ter sucesso da mesma forma: “Minha supervisora tem uma carreira maravilhosa e três filhos fantásticos. Ela é um grande exemplo que prova que isso é possível”.

Jessica Nunes

Jessica Nunes

Um universo inteiro a ser descoberto por ele mesmo. Apaixonada por astronomia desde pequena e fascinada por exatas desde o berço.