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Esquecemos os horrores potenciais de como seria um inverno nuclear

Traduzido por Julio Batista
Original de David Nield para o ScienceAlert

No cenário da Guerra Fria, muitos no mundo temiam a perspectiva iminente de um inverno nuclear. De acordo com um novo relatório, nosso foco desde então se desviou de seus horrores, deixando-nos com uma falta geral de consciência que pode ser perigosa para o futuro da humanidade.

Nem é preciso dizer que a ameaça de uma explosão nuclear não é um evento trivial. Décadas de conteúdos na cultura pop deixaram na sociedade uma associação relativamente forte entre calamidade global e armas atômicas.

Mas os detalhes exatos sobre exatamente o que podemos esperar de um conflito tão crescente tornaram-se nebulosos nas últimas décadas.

Os próprios fatos são bastante claros. Além dos muitos milhões que seriam mortos diretamente pelas explosões, os modelos climáticos preveem que as cinzas resultantes da guerra nuclear bloqueariam grande parte de nossa luz solar por até uma década. As consequências para os sobreviventes seriam devastadoras: um declínio na temperatura global, seguido por uma quebra generalizada de safras e fome em massa.

Apesar dessa ameaça sombria, apenas uma pequena porcentagem da população de hoje afirma estar bem informada sobre as consequências precisas de uma guerra nuclear – e muitas dessas pessoas estão contando com informações desatualizadas espalhadas em meio às tensões políticas entre as superpotências na década de 1980.

“Em 2023, enfrentamos um risco de conflito nuclear maior do que vimos desde o início dos anos 80”, disse Paul Ingram, pesquisador de risco global e especialista em diplomacia do Centro de Estudos de Risco Existencial (CSER, na sigla em inglês), administrado pelo Universidade de Cambridge no Reino Unido. Ingram é o único autor do relatório, que não foi revisado por pares.

“No entanto, há pouco conhecimento público ou debate sobre as consequências inimaginavelmente terríveis de longo prazo da guerra nuclear para o planeta e as populações globais.”

Uma pesquisa online com 1.500 pessoas no Reino Unido e 1.500 pessoas nos Estados Unidos foi usada para preparar o novo relatório. Os participantes foram questionados sobre o quanto eles sabem sobre um possível inverno nuclear e de onde obtiveram suas informações. A pesquisa permitiu que várias fontes fossem escolhidas, então elas não são mutuamente exclusivas.

Os resultados revelaram que 3,2% dos entrevistados do Reino Unido e 7,5% dos entrevistados dos EUA já ouviram falar das consequências de uma guerra nuclear na mídia ou na cultura contemporânea. Uma fração maior de pessoas disse que suas lembranças de informações divulgadas na década de 1980, durante um período de crescente hostilidade na Guerra Fria entre EUA e União Soviética, informaram suas opiniões sobre o risco de um inverno nuclear. Sem surpresa, poucas pessoas se depararam com trabalhos acadêmicos recentes.

Usando notícias hipotéticas como alerta, Ingram também analisou como as pessoas gostariam que seus governos respondessem no caso de um ataque nuclear. Metade dos entrevistados viu infográficos sobre os efeitos do inverno nuclear antes de responder, enquanto a outra metade não.

No caso de um ataque nuclear da Rússia à Ucrânia, quase uma em cada cinco pessoas envolvidas no estudo apoiaram a retaliação com armas nucleares. Para quem viu os infográficos com antecedência, esse número caiu 13% no Reino Unido e 16% nos Estados Unidos – mostrando como a educação faz diferença na opinião pública.

“Existe uma necessidade urgente de educação pública em todos os Estados com armas nucleares, informada pelas pesquisas mais recentes”, disse Ingram. “Precisamos reduzir coletivamente a tentação que os líderes de nações com armas nucleares possam ter de ameaçar ou mesmo usar tais armas em apoio a operações militares”.

Os infográficos do inverno nuclear usados ​​pelos pesquisadores foram publicados em um estudo revisado por pares de 2022. A menor guerra nuclear teorizada envolveu 100 ogivas de 15 quilotons cada (aproximadamente o mesmo tamanho usado em Hiroshima), o que representa apenas 0,1% do total do arsenal nuclear combinado da Rússia e dos EUA.

Essa ‘pequena’ guerra levaria a 27 milhões de mortes diretas e 225 milhões de mortes adicionais por fome, calcularam os cientistas. No topo da escala, de guerra nuclear total, estaríamos vendo 400 milhões de mortes diretas e mais de 5 bilhões de pessoas morrendo de fome por causa das consequências da guerra nuclear.

Com tantos fatores a serem considerados, as estimativas diferem quando se trata do impacto de uma guerra nuclear – mas mesmo os melhores cenários serão inimaginavelmente terríveis. O que este relatório mostra é que grande parte do esforço de evitar a autodestruição de nossa espécie é aumentar a conscientização sobre o que podemos estar prestes a fazer a nós mesmos.

“Ideias de inverno nuclear são predominantemente uma memória cultural persistente, como se fossem coisas da história, em vez de um risco horrivelmente contemporâneo”, disse Ingram.

O relatório está disponível para leitura integral online no Centro de Estudos do Risco Existencial.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.