Traduzido por Julio Batista
Original de Tessa Koumondouros para o ScienceAlert
A desconfiança da ciência é um problema enorme. Em nosso ambiente atual, está levando diretamente à morte de pessoas. Grande parte da desinformação que enfrentamos é intencional e organizada e, pior ainda, pesquisas descobriram que mentiras parecem se espalhar mais rapidamente online e geralmente são mais convenientes do que a verdade.
Assim, a psicóloga Aviva Philipp-Muller, agora trabalhando na Universidade de Simon Fraser, Colúmbia Britânica, Canadá, e seus colegas cavaram a literatura científica em busca de conteúdo sobre persuasão e comunicação, para tentar delinear uma visão geral atualizada e coesa sobre como lidar com esse problema perverso.
Um dos maiores mitos sobre a comunicação da ciência é que apenas apresentar às pessoas o conhecimento fará com que elas ajam de acordo com a lógica. Isso é conhecido como o modelo de déficit de informação e o modo de comunicação que estamos usando aqui e, estando em meio a pandemia global e a crise climática, agora temos inúmeros exemplos de como isso muitas vezes não funciona.
“As vacinas costumavam ser uma coisa padrão que todos aceitavam”, disse o psicólogo da Universidade Estadual de Ohio (EUA) Richard Petty. “Mas houve alguns desenvolvimentos nos últimos anos que tornaram mais fácil persuadir as pessoas contra o consenso científico sobre vacinas e outras questões”.
Embora isso possa ser difícil para muitos de nós engolir, as pessoas têm muitas razões legítimas para sua desconfiança.
Para começar, as indústrias estão degradando a confiança na ciência ao sequestrar credenciais científicas, usando alegações que soam como “ciência” para reforçar sua influência nos lucros; as empresas farmacêuticas certamente nos deram muitas razões para não confiarmos nelas. Além disso, a ciência nem sempre acerta as coisas, e grandes setores da mídia estão alimentando sentimentos contra especialistas “elitistas” e reforçando visões anticientíficas.
Toda essa dúvida, conflito e sobrecarga de informações estão corroendo a confiança das pessoas nos cientistas, e aqueles de nós frequentemente responsáveis por transmitir informações científicas ao público, como a mídia e os funcionários do governo, estão se saindo ainda pior nas escalas de confiança.
Essa desconfiança da fonte de informação é uma das quatro principais barreiras para aceitar a ciência que Philipp-Muller e colegas identificam em sua revisão.
Quando a informação desafia as crenças centrais de uma pessoa, desafia o grupo com o qual ela se identifica ou não combina com seu estilo de aprendizagem são as outras principais barreiras destacadas pela equipe.
“O que todas essas quatro bases têm em comum é que elas revelam o que acontece quando a informação científica entra em conflito com o que as pessoas já pensam ou seu estilo de pensamento”, explicou Petty.
1. Desconfiança na fonte de informação
Como mencionado acima, a falta de confiança na fonte de informação surge uma ou outra vez como uma das principais razões pelas quais as pessoas não aceitam informações científicas.
O debate científico legítimo e robusto também pode confundir as pessoas que não estão familiarizadas com o processo científico, prejudicando ainda mais a confiança quando ela se espalha para o domínio público.
Para combater esses problemas de confiança, os pesquisadores sugerem destacar a natureza comunal da ciência e enfatizar os objetivos mais amplos e pró-sociais da pesquisa. Reconhecer honestamente as posições de outras pessoas e quaisquer desvantagens na sua, em vez de ignorá-las, também pode ajudar muito a estabelecer melhor a confiança, explica a equipe.
“As mensagens pró-ciência podem reconhecer que há preocupações válidas do outro lado, mas explicariam por que a posição científica é preferível”, disse Philipp-Muller.
2. Lealdade tribal
A maneira como nosso pensamento está conectado como uma espécie obrigatoriamente social nos torna muito vulneráveis a acreditar cegamente naqueles com quem nos identificamos como parte de nosso próprio grupo cultural – não importa quanta educação tenhamos. Esse fenômeno é chamado de cognição cultural.
“O trabalho sobre cognição cultural destacou como as pessoas contorcem descobertas científicas para se adequarem a valores que importam para suas identidades culturais”, escreveram Philipp-Muller e colegas.
A polarização política e as mídias sociais só aumentaram isso. Por exemplo, nos EUA, os conservadores são mais propensos a acreditar nos cientistas que aparecem na Fox News, e os liberais são mais propensos a confiar nos da CNN.
“Plataformas de mídia social como o Facebook fornecem feeds de notícias personalizados, o que significa que conservadores e liberais podem obter informações muito variadas”, explicou Philipp-Muller.
Para combater isso, precisamos encontrar um terreno comum, criar informações direcionadas a públicos-alvo específicos e colaborar com comunidades que têm visões anticientíficas, incluindo pessoas tradicionalmente marginalizadas pela ciência.
3. A informação vai contra as crenças pessoais
Os conflitos internos criados por informações que desafiam nossas crenças sociais ou pessoais, como moral e religião, levam a falácias lógicas e vieses cognitivos, como dissonância cognitiva.
“Informações científicas podem ser difíceis de engolir, e muitos indivíduos preferem rejeitar as evidências do que aceitar informações que sugerem que eles podem estar errados”, escreveu a equipe em seu paper. “Essa inclinação é totalmente compreensível, e os cientistas devem estar preparados para ter empatia.”
Portanto, as principais estratégias para combater isso incluem mostrar uma compreensão do ponto de vista da outra pessoa.
“As pessoas acionam um mecanismo de defesa se acham que estão sendo atacadas ou que você é tão diferente delas que não pode ser confiável”, disse Petty. “Encontre alguns lugares onde você concorda e trabalhe a partir daí.”
Contraintuitivamente, aumentar a alfabetização científica geral de alguém pode realmente sair pela culatra, porque fornece a habilidade para reforçar melhor suas crenças pré-existentes. Em vez disso, é aconselhável aumentar o raciocínio científico e as habilidades de alfabetização midiática, prebunking ou inocular as pessoas contra a desinformação, assim como enquadrar as informações de acordo com o que importa para o seu público e usar experiências pessoais relacionáveis.
4. As informações não estão sendo apresentadas no estilo de aprendizagem correto
Esse problema é o mais direto das quatro bases – uma simples incompatibilidade na forma como a informação está sendo apresentada e o estilo mais adequado ao receptor. Isso inclui coisas como preferir informações abstratas em comparação com informações concretas, ou ser focada em promoção ou prevenção.
Aqui, Philipp-Muller e sua equipe sugerem o uso de algumas das mesmas táticas que as forças anticientíficas vêm usando. Por exemplo, como a indústria de tecnologia e publicidade, os pesquisadores devem usar metadados para direcionar melhor as mensagens com base nos perfis das pessoas de acordo com os hábitos pessoais online.
Embora o nível atual de aceitação pública da pesquisa possa ser decepcionante, a boa notícia é que a confiança nos cientistas caiu, mas ainda é relativamente alta em comparação com outras autoridades de informação.
Por mais que nos orgulhemos de ser seres lógicos, na realidade, nós humanos somos animais com mentes confusas que são tão governadas por nossas alianças sociais, emoções e instintos quanto por nossa lógica. Aqueles de nós envolvidos com a ciência, seja como apoiadores ou praticantes, devem entender e explicar isso.
A revisão foi publicada na PNAS.