Traduzido por Julio Batista
Original de Carly Cassella para o ScienceAlert
Uma inscrição recentemente descoberta em um antigo pente de marfim é considerada o primeiro exemplo de uma frase escrita usando um alfabeto que eventualmente evoluiria para o conjunto de 26 letras que você está lendo agora.
O instrumento de dentes finos foi desenterrado há vários anos em Laquis, uma antiga cidade cananeia na encosta do centro de Israel, mas os cientistas só recentemente notaram que o instrumento estava gravado com 17 letras minúsculas.
Juntas, as marcas pouco discerníveis formam sete palavras separadas, “ytš ḥṭ ḏ lqml śʿ[rw]zqt”, que se traduz aproximadamente em “que estes dentes arranquem os piolhos do cabelo e da barba”.
A mensagem esperançosa, que se acredita ter sido escrita por volta de 1700 a.C., é a primeira frase confiável que os arqueólogos encontraram em um dialeto cananeu.
Isso é incrível porque a escrita cananeia (também conhecida como alfabeto fenício) é o exemplo mais antigo conhecido de um alfabeto, que seria adaptado e adotado por culturas de todo o mundo.
A maioria dos alfabetos modernos agora deriva dessas letras antigas e originais, incluindo árabe, grego, hebraico, latim e russo.
Embora os pictogramas que formam a base da escrita chinesa moderna remontem a cerca de 5.000 anos, o sistema de radicais e símbolos que compõem seus caracteres não contribuem necessariamente para uma base fonética das palavras da mesma maneira.
E embora existam vários outros exemplos de letras isoladas representando essa escrita cananeia primitiva, nenhuma foi compilada em algo legível e significativo.
“Esta é a primeira frase encontrada na língua cananeia em Israel”, explicou o arqueólogo Yosef Garfinkel, da Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel.
“Há cananeus em Ugarite na Síria, mas eles escrevem em uma escrita diferente, não no alfabeto que é usado até hoje… A inscrição no pente é uma evidência direta do uso do alfabeto nas atividades diárias cerca de 3.700 anos atrás. Isso é um marco na história da capacidade humana de escrever.”
O pente em si é feito de marfim de presa de elefante e tem apenas 3,66 centímetros de comprimento e 2,51 centímetros de largura.
A inscrição superficial em seu corpo é ainda menor. Algumas letras não são maiores que um único milímetro. Outras desapareceram a ponto de serem praticamente ilegíveis, tornando-as difíceis de interpretar sem suas letras vizinhas para contextualizar.
Um lado do pente contém os restos de seis dentes grandes, provavelmente para escovar os cabelos, enquanto o outro lado mostra restos de 14 dentes finos, provavelmente para remover piolhos e suas lêndeas.
No lado mais fino do pente, descobriu-se que um dente continha o exterior de um piolho de muito, muito tempo atrás (abaixo). Esta não é a evidência mais antiga de piolhos já encontrada – algumas amostras encontradas em cabelos humanos datam de pelo menos 10.000 anos – mas sugere que mesmo os cananeus ricos ficaram irritados com esses seres rastejantes inconvenientes.
O marfim usado para fazer o pente provavelmente foi importado de elefantes no Egito, sugerindo que o material era destinado a alguém rico o suficiente para pagar por um artigo de luxo estrangeiro. As descobertas sugerem que os piolhos atormentavam até as classes ricas da antiga Jerusalém – tanto que um pente especial foi criado para sua erradicação.
Feitiços e maldições já foram encontrados escritos no alfabeto cananeu antes, mas a maioria das maldições são direcionadas a humanos e outras inscrições cananeias encontradas em uma jarra no mesmo sítio arqueológico datam de 1200 ou 1400 a.C.
Outros exemplos de maldições e feitiços escritos em cartas cananeias foram encontrados adornando artefatos mais recentes que datam entre 1200 e 1400 a.C. De fato, inscrições com feitiços semelhantes foram encontradas em um jarro do mesmo local de escavação do pente, também datado de um período mais recente.
A inscrição no pente é direcionada a um pequeno parasita e provavelmente foi escrita vários séculos antes de outros exemplos.
A datação radiométrica do antigo pente não teve sucesso, mas com base em outros artefatos encontrados anteriormente na mesma área, os pesquisadores suspeitam que a ferramenta tenha sido inscrita na Idade do Bronze, cerca de 3.700 anos atrás.
E a julgar pelo estilo das letras arcaicas, os especialistas acham que as palavras reais foram escritas no “estágio muito inicial do desenvolvimento do alfabeto”, não muito tempo depois que o alfabeto cananeu surgiu.
Uma vez que os humanos tinham uma linguagem escrita, não demorou muito para começarmos a amaldiçoar qualquer coisa que nos incomodasse.
O estudo foi publicado no Jerusalem Journal of Archaeology.