Traduzido por Julio Batista
Original de Mike McRae para o ScienceAlert
Não muita coisa pode ser feita em algumas centenas de milissegundos. No entanto, para as estrelas de nêutrons vistas no brilho de duas erupções de raios gama, é tempo mais do que suficiente para nos ensinar uma ou duas coisas sobre a vida, a morte e o nascimento de buracos negros.
Vasculhando um arquivo de flashes de alta energia no céu noturno, astrônomos descobriram recentemente padrões nas oscilações de luz deixadas por dois conjuntos diferentes de estrelas em colisão, indicando uma pausa em sua jornada de objeto superdenso a um poço infinito de escuridão.
Essa pausa – algo entre 10 e 300 milissegundos – tecnicamente equivale a duas estrelas de nêutrons recém-formadas e de tamanho gigante, que os pesquisadores suspeitam que estivessem girando rápido o suficiente para adiar brevemente seus inevitáveis destinos como buracos negros.
“Sabemos que erupções de raios gamas curtas se formam quando estrelas de nêutrons em órbita colidem, e sabemos que eventualmente colapsam em um buraco negro, mas a sequência precisa de eventos não é bem compreendida”, disse Cole Miller, astrônomo da Universidade de Maryland, College Park (UMCP), nos EUA.
“Encontramos esses padrões de raios gama em duas erupções observadas por Compton no início dos anos 1990”.
Por quase 30 anos, o Observatório de Raios Gama de Compton circulou a Terra e coletou o brilho de raios-X e raios gama que se espalharam de eventos cataclísmicos distantes. Esse arquivo de fótons de alta energia contém um tesouro de dados sobre coisas como estrelas de nêutrons em colisão, que liberam poderosos pulsos de radiação conhecidos como erupções de raios gama.
As estrelas de nêutrons são verdadeiros monstros do cosmos. Elas acumulam o dobro da massa do nosso Sol dentro de um volume de espaço aproximadamente do tamanho de uma pequena cidade. Isso não apenas faz coisas estranhas com a matéria, forçando elétrons sobre prótons para transformá-los em uma camada pesada de nêutrons, mas também pode gerar campos magnéticos diferentes de qualquer outra coisa no Universo.
Girados em alta rotação, esses campos podem acelerar partículas a velocidades ridiculamente altas, formando jatos polares que parecem ‘pulsar’ como faróis supercarregados.
Estrelas de nêutrons são formadas quando estrelas mais comuns (cerca de 8 a 30 vezes a massa do nosso Sol) queimam o que resta de seu combustível, deixando um núcleo de cerca de 1,1 a 2,3 massas solares, frio demais para resistir ao aperto de sua própria gravidade.
Adicione um pouco mais de massa – como amontoar duas estrelas de nêutrons juntas – e nem mesmo a agitação de seus próprios campos quânticos pode resistir ao impulso da gravidade de esmagar a vida física da estrela morta. De uma densa bolha de partículas obtemos, bem… qualquer que seja o monstro indescritível que seja o coração de um buraco negro.
A teoria básica do processo é bastante clara, estabelecendo limites gerais sobre o quão pesada uma estrela de nêutrons pode ficar antes de entrar em colapso. Para bolas de matéria frias e não rotativas, esse limite superior é pouco menos de três massas solares, mas isso também implica complicações que podem tornar a jornada da estrela de nêutrons ao buraco negro menos do que direta.
Por exemplo, no início do ano passado, físicos anunciaram a observação de uma erupção de raios gama apelidada de GRB 180618A, detectada em 2018. No brilho posterior da erupção, eles detectaram a assinatura de uma estrela de nêutrons magneticamente carregada chamada magnetar, uma com um massa próxima à das duas estrelas em colisão.
Apenas um dia depois, essa estrela de nêutrons pesada não existia mais, sem dúvida sucumbindo à sua massa extraordinária e se transformando em algo do qual nem mesmo a luz pode escapar.
Como conseguiu resistir à gravidade por tanto tempo é um mistério, embora seus campos magnéticos possam ter desempenhado um papel.
Essas duas novas descobertas também podem fornecer algumas pistas.
O termo mais preciso para o padrão observado nas erupções de raios gama registradas por Compton no início dos anos 1990 é uma oscilação quase periódica. A mistura de frequências que sobem e descem no sinal pode ser decifrada para descrever os momentos finais de objetos maciços enquanto eles circulam um ao outro e depois colidem.
Pelo que os pesquisadores podem dizer, cada uma das colisões produziu um objeto cerca de 20% maior do que a atual recordista peso pesado de estrelas de nêutrons – um pulsar calculado em 2,14 vezes a massa do nosso Sol. Eles também tinham o dobro do diâmetro de uma estrela de nêutrons típica.
Curiosamente, os objetos estavam girando a um ritmo extraordinário de quase 78.000 vezes por minuto, muito mais rápido do que o pulsar recordista J1748–2446ad, que consegue apenas 707 voltas por segundo.
As poucas rotações que cada estrela de nêutrons conseguiu realizar em sua breve vida útil de uma fração de segundo poderiam ter sido alimentadas por momento angular suficiente para frear sua implosão gravitacional.
Como isso pode se aplicar a outras fusões de estrelas de nêutrons, confundindo ainda mais os limites do colapso estelar e da geração de buracos negros, é uma questão para pesquisas futuras.
Esta pesquisa foi publicada na Nature.