Por Michelle Starr
Publicado na ScienceAlert
Em 2015, paleontólogos anunciaram uma descoberta impressionante. Preservado em uma rocha do Cretáceo do Brasil estava o esqueleto completo de um bicho semelhante a uma cobra, mas com um acréscimo significativo: quatro patas minúsculas, quase vestigiais.
Isso marcou uma espécie de ‘Santo Graal’ paleontológico. O bicho, que eles chamaram de Tetrapodophis amplectus, era o elo que faltava entre as cobras e os lagartos.
Só existe um problema. De acordo com uma nova análise dos restos mortais, Tetrapodophis (do grego, que significa “cobra de quatro patas”) não é uma cobra, mas uma espécie de lagarto marinho extinto que viveu há mais de 110 milhões de anos.
“Existem muitas questões evolutivas que poderiam ser respondidas ao encontrar um fóssil de cobra de quatro patas, mas apenas se for real”, disse o paleontólogo Michael Caldwell, da Universidade de Alberta, no Canadá. “A principal conclusão de nossa equipe é que Tetrapodophis amplectus não é de fato uma cobra e foi mal classificada. Em vez disso, todos os aspectos de sua anatomia são consistentes com a anatomia observada em um grupo de lagartos marinhos extintos do período Cretáceo conhecido como dolicossaurídeos“.
Há muito tempo é aceito que as cobras nem sempre foram as rastejantes sem membros que são hoje. Temos até outros fósseis que atestam isso, como Najash rionegrina, uma serpente de cerca de 95 milhões de anos atrás com dois membros posteriores, descoberta em 2006.
O registro fóssil, esperavam os paleontólogos, deveria conter uma cobra de quatro membros em algum lugar dos corredores sombrios do tempo.
Tetrapodophis amplectus parecia um candidato muito promissor. O estudo de 2015 examinou e analisou minuciosamente os ossos da criatura, mas muito rapidamente Caldwell achou que algo estava errado. Ele e seus colegas apresentaram uma réplica ao estudo em outubro de 2016 na reunião da Society of Vertebrate Paleontology.
Depois de examinar o esqueleto, eles descobriram que os dentes não eram em forma de gancho ou orientados como os dentes de uma cobra, e seu crânio e esqueleto não eram como os de uma cobra. A equipe também não conseguiu ver as grandes escamas ventrais que teriam ajudado a classificá-lo como uma cobra.
Além do mais, em sua barriga estavam os restos de uma de suas últimas refeições, parecendo ser espinhas de peixe – consistente com uma criatura aquática.
A nova pesquisa vai ainda mais fundo, pegando algo que o estudo original de 2015 perdeu completamente: a pedra na qual o esqueleto foi fossilizado.
“Quando a rocha contendo o espécime foi separada e descoberta, o esqueleto e o crânio acabaram em lados opostos da placa, com um molde natural preservando a forma de cada um no lado oposto”, disse Caldwell. “O estudo original apenas descreveu o crânio e negligenciou o molde natural, que preservou várias características que deixam claro que os tetrapodophis não tinham o crânio de uma cobra – nem mesmo de uma primitiva”.
Os paleontólogos por trás das alegações originais de que o espécime era membro do gênero Tetraphodis mantiveram suas observações após as críticas de 2016. Agora que os dois estudos fazem parte da literatura, caberá a futuros pesquisadores se posicionar em ambos os lados do debate.
Mesmo que não seja uma cobra, no entanto, o talvez agora erroneamente denominado Tetrapodophis ainda tem muito a nos ensinar. O minúsculo esqueleto está primorosamente preservado, o que é um presente incrível para estudos em dolicossauros. Mas apenas se o acesso a ele puder ser obtido. Atualmente, o espécime está em mãos privadas, em violação à legislação brasileira.
“Não houve autorizações cabíveis para a retirada original do espécime do Brasil e, desde a sua publicação original, ele está abrigado em um acervo particular com acesso limitado aos pesquisadores. A situação foi enfrentada com grande repercussão da comunidade científica”, disse o paleontólogo Tiago Simões, da Universidade Harvard. “Em nossa redescrição de Tetrapodophis, destacamos a importante situação jurídica do espécime e enfatizamos a necessidade de sua repatriação para o Brasil, de acordo não só com a legislação brasileira, mas também com os tratados internacionais e o crescente esforço internacional para reduzir o impacto das práticas colonialistas em ciência”.
A pesquisa da equipe foi publicada no Journal of Systematic Palaeontology.