Artigo traduzido de Brookhaven National Laboratory.
Olhando para os restos das colisões entre partículas que recriam as condições iniciais do universo, os cientistas mediram pela primeira vez a força de interação entre pares de antiprótons. Assim como a força que mantém os prótons comuns unidos dentro dos núcleos dos átomos, a força entre antiprótons é atrativa e forte.
Os experimentos foram realizados no Colisor Relativístico de Íons Pesados (RHIC), uma Instalação do Escritório de Ciências do Departamento de Energia dos Estados Unidos para a pesquisa de física nuclear no Brookhaven National Laboratory do DOE. Os resultados, publicados na revista Nature, podem oferecer uma visão sobre porções maiores de antimatéria, incluindo núcleos de antimatéria detectados anteriormente no RHIC, e também pode ajudar os cientistas a explorar uma das maiores questões da ciência: por que o universo hoje consiste principalmente de matéria comum com praticamente nenhuma antimatéria?
“O Big Bang – o início do universo – produziu matéria e antimatéria em quantidade igual. Mas isso não é o que vemos hoje. A antimatéria é extremamente rara. Esse é um enorme mistério!” disse Aihong Tang, físico de Bookhaven envolvido na análise, que usou os dados coletados pelo detector STAR do RHIC. “Embora esse quebra-cabeça seja conhecido há décadas e pequenas pistas tenham aparecido, esse continua a ser um dos maiores desafios da ciência. Qualquer coisa que aprendermos sobre a natureza da antimatéria pode potencialmente contribuir para a solução desse quebra-cabeça”.
O RHIC é o lugar perfeito para estudar a antimatéria, porque é um dos poucos lugares na Terra que é capaz de criar o material evasivo em quantidades abundantes. Ele faz isso colidindo os núcleos dos átomos pesados, como o ouro, quase à velocidade da luz. Essas colisões produzem condições muito semelhantes às que enchiam os microssegundos do universo após o Big Bang – com temperaturas 250 mil vezes mais quentes que o centro do sol em uma mancha do tamanho de um único núcleo atômico. Toda essa energia contida em um espaço tão pequeno cria um plasma de blocos de construção fundamentais da matéria, quarks e glúons, e milhares de nova partículas – matéria e antimatéria em quantidades iguais.
Estamos aproveitando a capacidade de produzir grandes quantidades de antimatéria para realizar este estudo”, disse Tang.
A colaboração STAR tem experiência anterior detectando e estudando formas raras de antimatéria – incluindo partículas anti-alfa, os maiores núcleos de antimatéria já criados em um laboratório, cada um constituído por dois antiprótons e dois antinêutrons. Esses experimentos deu-lhes alguns insights sobre como os antiprótons interagem dentro desses grandes objetos compostos. Mas, nesse caso, “a força entre os antiprótons é uma convolução das interações com todas as outras partículas”, disse Tang. “Queríamos estudar a simples interação de antiprótons não ligados para obter uma visão ‘mais limpa’ desta força”.
Para fazer isso, eles procuraram os dados da STAR sobre colisões de entre átomos de ouro para pares de antiprótons que estavam perto o suficiente para interagir à medida que emergiram da colisão inicial.
“Nós vemos um monte de prótons, os blocos de construção básicos dos átomos convencionais, surgirem, e nós vemos um número quase igual de antiprótons”, disse Zhengqiao Zhang, um estudante graduado do grupo do professor Yu-Gang Ma, do Instituto de Física Aplicada de Shanghai da Academia Chinesa de Ciências, que trabalha sob a orientação de Tang quando está em Brookhaven. “Os antiprótons são parecidos com os prótons comuns, mas por serem antimatéria, que têm carga negativa em vez de positiva, ele curva no sentido oposto do campo magnético do detector”.
“Olhando aquelas colisões no detector, nós podemos medir a correlação em certas propriedades que nos dão um insight na força entre pares de antiprótons, incluindo sua força e a faixa sobre a qual ele age”, ele adicionou.
Os cientistas descobriram que a força entre os pares de antiprótons é atrativa, assim como a força nuclear forte, que mantém os átomos comuns juntos. Considerando que já haviam descoberto estados ligados de antiprótons e antinêutrons – aqueles núcleos de antimatéria – isto não foi tão surpreendente. Quando os antiprótons estão próximos uns dos outros, a interação da força forte ultrapassa a tendência das partículas carregadas(negativamente) repelirem umas às outras da mesma forma que permite prótons carregados positivamente se ligarem uns aos outros dentro dos núcleos dos átomos comuns.
Na verdade, as medições não mostram diferença entre matéria e antimatéria na maneira em que a força forte se comporta. Ou seja, dentro da precisão dessas medições, matéria e antimatéria parecem ser perfeitamente simétricas. Isso significa que, pelo menos com a precisão que os cientistas foram capazes de alcançar, não parece haver alguma peculiaridade assimétrica da força forte que pode explicar a existência contínua de matéria no universo e a escassez de antimatéria hoje.
Mas os cientistas mostram que nós não saberíamos disso se eles não tivessem feito esses experimentos.
“Há muitas formas de testar a assimetria entre matéria/antimatéria, e isso exige mais testes precisos, mas além da precisão, é importante testá-la de maneiras qualitativamente diferentes. Este experimento foi qualitativamente novo”, disse Richard Lednický, um cientista da STAR do Instituto Joint para Pesquisa Nuclear, em Dubna, e do Instituto de Física da Academia Tcheca de Ciências, em Praga.
“A implementação bem sucedida da técnica utilizada nesta análise abre uma possibilidade empolgante para explorar detalhes da forte interação entre outras espécies de partículas abundantemente produzidas”, disse ele, observando que o RHIC e o Large Hadron Collider (LHC) são ideais para estas medições, que são difíceis de avaliar por outros meios.