Por Qazi Rahman
Publicado no The Guardian
Traduzido por Tiago Silva e José Geraldo Gouvêa
Em um artigo recente no The Guardian, Simon Copland argumentou que é muito improvável que as pessoas nascem gays (ou presumivelmente com qualquer outra orientação sexual). A evidência científica diz o contrário. Ela aponta fortemente para uma origem biológica para as nossas sexualidades. Encontrar evidências de uma base biológica não deve nos assustar ou prejudicar os direitos de gays, lésbicas e bissexuais (os estudos a que me refiro não incluem indivíduos transgêneros, por isso vou limitar meus comentários a lésbicas, gays e bissexuais). Eu diria que a compreensão de nossa natureza biológica fundamental deve nos tornar mais vigorosos na promoção dos direitos LGB.
Vamos pegar alguns fatos e perspectivas sobre o assunto. Evidências de grupos de pesquisa independentes que estudaram gêmeos mostram que fatores genéticos explicam cerca de 25-30% das diferenças entre as pessoas na orientação sexual (heterossexual, gay, lésbica, bissexual). Os estudos com gêmeos são um primeiro olhar sobre um traço genético a dizer-nos que existem coisas como “genes para a orientação sexual” (Eu odeio a frase “gene gay”). Três estudos de genes encontrados mostraram que irmãos gays compartilham marcadores genéticos no cromossomo X; o mais recente estudo também descobriu marcadores compartilhados no cromossomo 8. Essa mais recente pesquisa supera os problemas de três estudos anteriores que não encontraram os mesmos resultados.
Os esforços em desvendar o gene têm problemas, como Copland argumenta, mas esses são técnicos e não erros catastróficos na ciência. Por exemplo, traços psicológicos complexos têm muitos genes causais (não simplesmente “um gene gay”). Mas cada um desses genes tem um pequeno efeito sobre essa característica, assim sendo, não atingem níveis tradicionais de significância estatística. Em outras palavras, muitos genes que influenciam a orientação sexual podem não ser rastreados. Mas as técnicas científicas acabarão por apanhá-los. Na verdade, existem problemas mais urgentes que eu gostaria de ver abordados, tais como a investigação inadequada sobre a sexualidade feminina. Talvez isso se deva ao estereótipo de que a sexualidade feminina é “muito complexa” ou que as lésbicas são mais raras do que os homens gays.
Genes estão longe de ser toda a história. Os hormônios sexuais na vida pré-natal desempenham um papel. Por exemplo, as meninas nascidas com hiperplasia adrenal congênita (HAC), o que resulta em aumento natural dos níveis de hormônios sexuais masculinos, mostram índices relativamente altos de atração pelo mesmo sexo, já adultas. Outra evidência vem de machos genéticos que, através de acidentes, ou nascidos sem pênis, foram submetidos à “mudança de sexo” e criados como meninas. Já adultos, esses homens eram, tipicamente, atraídos por mulheres. O fato de que você não poder fazer um macho genético ser sexualmente atraído por outro homem quando “transformado” em uma menina, faz qualquer teoria social da sexualidade um fracasso. Genes podem se deslocar em direção a uma determinada orientação sexual ou os genes podem, simplesmente, interagir com outros fatores ambientais (tais como hormônios sexuais no ambiente do útero) para influenciar a orientação sexual, posteriormente.
Os cérebros de pessoas gays e heterossexuais também parecem estar organizados de forma diferente. Por exemplo, padrões de organização do cérebro parecem semelhantes entre homens gays e mulheres heterossexuais e entre mulheres lésbicas e os homens heterossexuais. Os homens gays parecem, em média, ter respostas-padrão nos cérebros, “tipicamente femininas”, e as lésbicas, um pouco mais “tipicamente masculinas”. As diferenças na organização do cérebro significam diferenças de psicologia e estudo após estudo mostra diferenças na cognição entre pessoas heterossexuais e homossexuais. Assim, as diferenças gays não são apenas sobre quem você gosta. Eles estão refletidos em nossa psicologia e nas formas como nos relacionamos com os outros. A influência da biologia é executada ao longo de nossas vidas sexuais e de gênero, e essas diferenças, essa diversidade, sem dúvida, devem ser comemoradas.
Alguns escritores reviram os olhos para evidência científica, exortando-nos a olhar para a história da sexualidade ou afirmam que a homossexualidade é uma construção social (sugerido por Michel Foucault e semelhantes). Mas essas explicações são meras descrições, no melhor das hipóteses, e não teorias científicas. Explicações construtivistas sociais não geram hipóteses sobre orientação sexual e não estão sujeitos a testes sistemáticos. Então, por que devemos tomar a sério as suas reivindicações? Em primeiro lugar, construtivismo social e a teoria pós-moderna questionam a própria validade da ciência empírica. Isso não torna melhor que a negação à ciência climática.
Alguns argumentarão que as nossas experiências do senso comum estão cheias de pessoas que são “fluidas” em sua orientação sexual ou mudam suas sexualidades. Isso não procede, porque a nossa experiência nos engana o tempo todo. A mudança (de comportamento sexual) é amplamente citada para argumentar contra explicações biológicas. Críticos dirão que, se o comportamento muda, ou é “fluido”, então certamente não pode haver uma base biológica. Isso é falso porque é a nossa biologia que nos permite aprender, responder à socialização e nos ajuda a gerar nossa cultura. Então, mostrar evidências de mudança (de comportamento sexual) não é um argumento contra a biologia. Há, de fato, certa fluidez na sexualidade ao longo do tempo, principalmente entre as mulheres. Mas não há uma “curva em forma de sino” para a orientação sexual. As pessoas podem mudar os rótulos de identidade que usam e com quem faz sexo, mas as atrações sexuais se apresentam estáveis ao longo do tempo.
Lembre-se, a orientação sexual é um padrão de desejo, não de comportamento ou atos sexuais em si. Não é um simples ato de vontade ou uma atuação. Apaixonamo-nos por homens ou por mulheres porque temos orientação homo, hétero ou bissexual e não porque escolhemos. Então vamos parar de fingir que existe escolha na orientação sexual. Quem, aliás, “escolhe” na vida algo de substancial? Certamente nossas escolhas são o resultado de coisas que não escolhemos (nossos genes, personalidades, criação e cultura).
As pessoas se preocupam que a pesquisa científica nos conduza a “curas” para a homossexualidade (o que é uma preocupação estranha de se ter se você não crê no argumento “nasci assim”). Elas se preocupam mais com isso do que com as consequências de explicações ambientais ou de escolha, que não estão sem ausência de riscos. Mas claramente nenhuma das mais assustadoras predições se materializaram. Identidades sexuais minoritárias não foram medicadas nem tem havido qualquer teste genético. Testes genéticos nunca resultariam em uma identificação 100% segura de indivíduos LGB porque, como dito, genes são menos de um terço da história. No campo legal e das políticas sociais temos ido à direção de mais direitos e mais liberdades para as pessoas LGB (pelo menos no Ocidente) e não por menos.
Então as causas da sexualidade deveriam influenciar como nós encaramos as minorias identitárias? Não. As causas de uma característica não deveriam influenciar como a vemos. Mas a ciência nos mostra que a sexualidade tem uma base biológica, isso é simplesmente o que a ciência descobriu. Não há porque negá-lo. Então vamos usar isso para suplementar, mas não para substituir, a discussão sobre os direitos e as políticas sociais para os LGB. A biologia da diversidade sexual ensina o mundo a lidar com ela. Somos quem somos, e nossas sexualidades são parte da natureza humana.
Minha preocupação com as propostas de construção social, escolha e tais é que elas jogam a favor da ideologia homofóbica, a favor dos “terapeutas de aversão” e a favor de uma crescente cultura que tenta minimizar as particularidades dos gays.
Lembra-me algo a que Noam Chomsky aludiu: se os humanos fossem criaturas totalmente desestruturadas, nós estaríamos sujeitos aos caprichos totalitários das forças externas.
Dr. Qazi Rahman é um acadêmico do Instituto de Psiquiatria do Kings College London. Ele estuda a biologia da orientação sexual e as implicações para a saúde mental e é o coautor de “Born Gay? The Psychobiology of Sex Orientation”.