Por Felicity Nelson
Publicado no ScienceAlert
Vinte anos atrás, Kathleen Folbigg foi presa, tendo sido considerada culpada de matar seus quatro filhos. Alguns dias atrás, ela recebeu um perdão total e foi liberada.
Acredita -se que uma mutação no gene CALM, que afeta uma em cada 35 milhões de pessoas, tenha causado a morte de suas duas filhas por meio de uma síndrome rara chamada calmodulinopatia.
Apenas 135 pessoas em todo o mundo têm essa mutação, então a família de Folbigg provavelmente é o único caso na Austrália. Uma mutação diferente pode ser responsável pela morte de seus dois filhos.
Em 2003, um júri concluiu que Folbigg havia sufocado cada um de seus filhos até a morte ao longo de uma década; Caleb com 19 dias de idade, Patrick com 8 meses, Sarah com 10 meses e Laura com 18 meses.
Folbigg foi considerada culpada de três acusações de assassinato e uma acusação de homicídio culposo. Ela ficou conhecida como a “pior serial killer feminina” da Austrália.
Folbigg sempre defendeu sua inocência. Não houve evidência de sufocamento ou ferimentos nas crianças. O julgamento se concentrou em evidências circunstanciais, ou seja, o diário de Folbigg, no qual ela escreveu que “a culpa por todos eles me assombra” e onde detalhou suas lutas com a maternidade.
Naquela época, o genoma humano havia acabado de ser sequenciado pela primeira vez a um custo de US$ 300 milhões, então não foi possível examinar o DNA das crianças em busca de mutações que pudessem explicar suas mortes repentinas.
Em 2015, no entanto, o preço do sequenciamento do genoma humano caiu para US$ 1.500. E algumas pesquisas foram feitas sobre as mutações do gene CALM que poderiam ajudar a explicar o que aconteceu com as crianças de Folbigg.
Três genes CALM – CALM1, CALM2 e CALM3 – codificam exatamente a mesma proteína, calmodulina, que é essencial para a vida.
Os seres humanos precisam de todos os três genes CALM trabalhando para que o corpo possa fabricar o suficiente dessa proteína para controlar o movimento do cálcio ao redor das células.
A proteína calmodulina ajuda a controlar a contração rítmica do coração, abrindo e fechando os canais de cálcio nas células do músculo cardíaco.
Em 2012, os cientistas descobriram que uma mutação em um único aminoácido no gene CALM1 causou batimentos cardíacos irregulares e mortes cardíacas em uma grande família sueca.
Um estudo em 2013 descobriu que dois bebês sofreram várias paradas cardíacas devido a uma mutação nos genes CALM1 ou CALM2. Outro tipo de mutação no CALM2 causou parada cardíaca em duas crianças em um estudo de 2016.
Em um grupo de 74 crianças com uma mutação no gene CALM, 27% morreram de problemas cardíacos com uma idade média de 6 anos, segundo um estudo de 2019.
A essa altura, o recurso de Folbigg havia sido rejeitado, mas sua sentença havia sido ligeiramente reduzida.
Durante uma investigação sobre o caso dela em 2019, especialistas em genética apresentaram dados sobre mutações CALM e os vincularam a mortes súbitas de bebês.
Mas, enquanto as mutações CALM foram encontradas em dois dos genomas das crianças do sexo feminino, havia uma falta de dados mostrando que essas mutações específicas eram mortais, e Folbigg foi devolvida à prisão.
Um estudo publicado em 2020 descobriu que Laura e Sarah tinham duas novas mutações CALM2 que alteravam estruturalmente suas proteínas calmodulina. Em experimentos de laboratório, os pesquisadores mostraram que essas proteínas mutantes não podiam se ligar ou regular dois canais de íons de cálcio essenciais.
As duas meninas Folbigg tiveram problemas respiratórios antes de suas mortes, o que pode preceder a morte cardíaca súbita em crianças.
Os dois meninos, Caleb e Patrick, não tinham mutações CALM, segundo o estudo. No entanto, eles tinham uma cópia de um gene BSN mutante.
Cerca de metade dos camundongos com essa mutação morrem antes dos seis meses e todos têm convulsões recorrentes. Essa mutação pode explicar a cegueira e os ataques epiléticos de Patrick e pode explicar sua morte prematura.
Todas essas evidências culminaram em uma petição para o perdão de Folbigg. Esta petição foi assinada por 90 cientistas e foi enviada ao governador de New South Wales em 2021.
A petição dizia que a condenação de Folbigg foi “baseada na proposição de que a probabilidade de quatro crianças de uma família morrerem de causas naturais é tão improvável que é virtualmente impossível. Esse é um erro de raciocínio”.
Um segundo inquérito foi lançado no ano passado e Folbigg foi finalmente perdoada em 5 de junho de 2023. Folbigg não cumprirá os próximos 10 anos de sua sentença de 30 anos.
Se sua condenação for anulada no Tribunal de Apelações Criminais, o que pode levar até um ano, ela poderá processar o governo pedindo milhões em indenização.
“Hoje é uma vitória da ciência e principalmente da verdade”, disse Folbigg ao ser libertada da prisão.
“E nos últimos 20 anos estive na prisão, sempre e sempre pensarei em meus filhos, sofrerei por eles, sentirei falta deles e os amarei terrivelmente.”