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Humanos antigos criavam as aves mais perigosas do mundo

Por Tessa Koumoundouros
Publicado na ScienceAlert

Com pernas poderosas e garras em forma de adaga, capazes de eviscerar você com um único chute, os casuares são as aves que mais fazem jus ao apelido de dinossauro moderno.

Porém, surpreendentemente, essas aves surpreendentemente únicas podem ter sido as “galinhas” de humanos antigos – muito antes de criarmos galinhas de verdade.

Restos de cascas de ovo sugerem que, já em 18.000 anos atrás, os humanos pareciam estar coletando ovos de casuar para algo diferente de apenas uma refeição saborosa.

“Esta não é uma ave pequena, é uma ave enorme, traiçoeira, que não voa, que pode eviscerar você”, explicou a antropóloga Kristina Douglass, da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos EUA.

Essas grandes comedoras de frutas mantêm seus lares na floresta tropical na Austrália e em Papua-Nova Guiné, com muitas plantas contando com elas para a germinação, dispersão e fertilização de suas sementes.

Alguns, como a ameixa-casuar (Cerbera floribunda), não podem se propagar sem essas aves, e esse papel de jardineira é tão crítico que o declínio dos casuares está contribuindo para o encolhimento das florestas tropicais australianas.

Pesquisadores que estudam como os humanos do final do Pleistoceno ao início do Holoceno gerenciavam seus recursos nas florestas montanhosas da Papua Nova Guiné (PNG), descobriram que essas pessoas cuidavam dos ovos de casuar muito mais do que as aves adultas. Estes eram provavelmente ovos do casuar-anão, que pesam 20 quilos quando adultos.

Os casuares usam as patas como armas. Créditos: Dezidor / Wikimedia Commons.

Douglass e seus colegas construíram um modelo de desenvolvimento de casca de ovo usando microscopia 3D de ovos de avestruz, para identificar características-chave ao longo do tempo. Depois de testes bem-sucedidos com outras espécies de pássaros, eles foram capazes de aplicar este modelo a mais de 1.000 fragmentos de casca de ovo de casuar do Museu Nacional e Galeria de Arte de PNG, coletados pela arqueóloga neozelandesa Susan Bulmer.

“A grande maioria das cascas de ovos foi colhida durante os estágios finais”, disse Douglass, concluindo com sua equipe que essas pessoas estavam colhendo ovos intencionalmente no estágio em que os embriões já tinham membros, bicos, garras e penas totalmente formados. “As cascas dos ovos parecem muito com àquelas nos estágio finais; o padrão não é aleatório. Eles queriam comer baluts ou estavam incubando filhotes”.

Baluts são uma comida popular na Ásia –  embriões de aves que são cozidos e comidos com a casca. Embora houvesse sinais de que alguns dos ovos realmente haviam sido cozidos e comidos, eles eram ovos em estágio de desenvolvimento anterior – suas cascas mantinham os padrões de queimaduras. Os fragmentos de casca de ovos que estavam mais perto da eclosão, no entanto, eram muito menos propensos a conter vestígios de cozimento.

“Existem amostras suficientes de cascas de ovo em estágio avançado que não mostram queimaduras para que possamos dizer que eles os incubaram e não os comeram”, disse Douglass. “Esse comportamento que estamos vendo vem milhares de anos antes da domesticação da galinha”.

As galinhas foram domesticadas há cerca de 9.500 anos, de acordo com evidências genéticas. Portanto, embora seja altamente improvável que os humanos tenham domesticado casuares, este é agora o primeiro exemplo conhecido de humanos criando aves.

“Essas descobertas podem alterar radicalmente as nossas cronologias e geografias de domesticação que tendem a ser mais amplamente compreendidas e ensinadas”, disse a arqueóloga Megan Hicks do Hunter College, nos EUA, que não esteve envolvida no estudo, ao The New York Times. “Vemos os mamíferos como os primeiros casos mais conhecidos (cães e bezoares), mas agora sabemos que precisamos prestar mais atenção às interações humanas com as espécies aviárias”.

Os casuares são geralmente muito tímidos e preferem evitar os humanos, mas são territoriais e muito perigosos se se sentirem ameaçados. Apesar disso, as pessoas na PNG ainda hoje criam e comercializam as aves, aproveitando sua carne, ossos, penas e ovos. Há também um longo registro histórico dessas aves sendo comercializadas.

“Os filhotes de casuar se acomodam rapidamente aos humanos e são fáceis de manter e criar até o tamanho adulto”, escreveu a equipe em seu estudo.

Um filhote de casuar moderno na PNG. Créditos: Andy Mack / Universidade Estadual da Pensilvânia.

Os humanos chegaram a esta parte do mundo há cerca de 42.000 anos; em comparação com os impactos posteriores da agricultura, acredita-se que os caçadores-coletores tenham um impacto relativamente mínimo em seu meio ambiente. Mas este estudo sugere que as comunidades de coletores de alimentos moldaram seu ambiente de maneiras inesperadas.

“Conhecimento intergeracional de muitos povos indígenas, o que indica que os proprietários de terras tradicionais e seus ancestrais cultivaram intencionalmente e intensamente paisagens extensas, em alguns casos por milênios”, escreve a equipe.

Em todo o mundo, a maioria das ratites – o grupo de grandes aves que não voam que também inclui avestruzes e pássaros-elefantes (Aepyornis maximus) – foi extinta logo depois que os humanos chegaram às suas regiões. Os casuares são uma rara exceção.

A análise da casca do ovo usada aqui tem o potencial de nos ajudar a entender por que muitas outras grandes aves que não voam não sobreviveram, disse a equipe.

Por enquanto, pelo menos, os casuares ainda estão se banqueteando com frutas nas florestas tropicais da Australásia, fazendo barulhos estranhos enquanto caminham.

Esta pesquisa foi publicada no PNAS.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.