Nos últimos anos, cientistas da computação desenvolveram técnicas computacionais cada vez mais avançadas capazes de resolver tarefas do mundo real com precisão comparável à humana. Apesar dos resultados impressionantes, esses modelos de inteligência artificial (IA) frequentemente não replicam exatamente os processos computacionais realizados pelo cérebro humano. Com o objetivo de abordar essa lacuna, pesquisadores de diversas instituições, incluindo o Broad Institute da Harvard Medical School e a Australian National University, buscaram imitar um tipo específico de processamento cerebral conhecido como “winner-take-all” (WTA) ou “vencedor leva tudo” em tradução.
O mecanismo WTA ocorre quando um ou poucos neurônios, dentre um conjunto, com os níveis mais altos de ativação, suprimem a atividade dos demais, tornando-se os únicos a influenciar o resultado de uma computação. Inspirados por essa dinâmica, os pesquisadores utilizaram hardware neuromórfico, como o chip TrueNorth da IBM, projetado para simular a organização do cérebro, a fim de reproduzir realisticamente esse processo biológico e aplicá-lo para melhorar modelos de aprendizado de máquina, especialmente em tarefas de classificação de imagens.
O modelo desenvolvido pela equipe busca capturar aspectos essenciais dos circuitos neocorticais, particularmente as interações entre neurônios excitatórios e quatro tipos principais de neurônios inibitórios, baseando-se em propriedades medidas experimentalmente no córtex visual. O diferencial do modelo está na implementação de um WTA “suave”, que amplifica os sinais mais fortes enquanto suprime os mais fracos. Isso permite destacar informações relevantes ao mesmo tempo que filtra ruídos, contribuindo para um processamento de informações visuais mais eficiente.
Uma conquista notável foi a implementação bem-sucedida dessas computações inspiradas no cérebro no chip neuromórfico TrueNorth. Além disso, a incorporação do mecanismo WTA em modelos de aprendizado profundo, como os Vision Transformers, levou a melhorias significativas em sua capacidade de generalização. Por exemplo, esses modelos apresentaram melhor desempenho em dados completamente novos, um desafio crítico na área de IA, demonstrando o potencial de traduzir princípios da neurociência para sistemas computacionais.
Ao combinar o WTA com modelos baseados em transformers de visão, os pesquisadores observaram resultados promissores em tarefas de aprendizado de zero-shot, ou seja, classificação de dados para os quais o modelo não havia sido previamente treinado. Esse avanço sugere que a abordagem inspirada no cérebro pode ser aplicada a uma variedade de sistemas de IA em áreas como visão computacional, análise de imagens médicas e veículos autônomos, ampliando sua aplicabilidade em desafios do mundo real.
No futuro, a equipe planeja explorar o uso de princípios inspirados no cérebro em tarefas cognitivas mais complexas, como memória de trabalho e tomada de decisões. Além disso, pretendem investigar como incorporar mecanismos de aprendizado biológico em IA, possibilitando sistemas mais adaptáveis e eficientes. A equipe também almeja testar essa abordagem em outras plataformas de hardware neuromórfico emergentes, fortalecendo a integração entre neurociência e inteligência artificial.
O estudo foi publicado no servidor de pré-impressão bioRxiv.