Por Maria Fernanda Ziegler
Publicado na Agência FAPESP
Um inventário que será divulgado na revista Biota Neotropica no dia 8 de maio reúne informações sobre 219 patógenos capazes de infectar plantas no Brasil, inclusive muitas espécies de relevância agrícola. Trata-se da maior compilação sobre vírus de planta já feita no país e, além da descrição dos microrganismos, reúne dados sobre as doenças por eles causadas e sua ocorrência em vegetações nativas, cultivadas, ornamentais e até em ervas daninhas.
“Desde o começo da minha carreira criei o hábito de reunir publicações sobre vírus de planta no Brasil. É um trabalho de décadas, com cerca de 8 mil referências registradas até agora. O problema é que, se alguém me perguntasse quantos vírus registrados existem no Brasil, eu não saberia responder. Por isso, resolvi organizar uma lista, em ordem alfabética, das diferentes espécies de plantas e dos vírus capazes de infectar cada uma delas naturalmente. Também foi elaborada uma listagem reversa, com a relação dos vírus e viroides [pequenos fragmentos de RNA sem capa proteica que se autorreplicam no interior das células vegetais podendo causar doenças] e a indicação das plantas que cada um deles infecta”, conta Elliot Watanabe Kitajima, pesquisador do Departamento de Fitopatologia e Nematologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).
Engenheiro agrônomo formado na Esalq em 1958, Kitajima concluiu o doutorado em 1967, na mesma instituição. Foi pesquisador no Instituto Agronômico (IAC), professor na Universidade de Brasília (UnB) e voltou para a Esalq como professor visitante. Lá se aposentou (2006) e, atualmente, atua como pesquisador colaborador. O inventário é resultado de projetos desenvolvidos no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP.
“A revisão de registros de vírus, que vai de 1926 até 2018, resume basicamente tudo o que se conhece sobre vírus de plantas no Brasil, tanto de vegetação espontânea quanto cultivada. Trata-se, portanto, de um banco de dados importantíssimo, que será útil tanto para os pesquisadores quanto para a formulação de políticas de prevenção de pragas”, avalia Carlos Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Programa BIOTA-FAPESP.
Joly destaca também a importância do novo inventário para a atividade econômica. “A lista inclui 346 espécies de plantas, pertencentes a 74 famílias diferentes, que são naturalmente infectadas por vírus. Plantas cultivadas, como as do grupo citros, por exemplo, têm vários tipos de vírus relacionados. Muitos deles são conhecidos e outros não. De qualquer forma, a ocorrência desses patógenos afeta a produção ou a qualidade do fruto. Conhecê-los e saber identificá-los rapidamente pode evitar prejuízos”, diz.
A maioria dos vírus e viroides que integram o inventário é reconhecida pelo International Committee on Taxonomy of Viruses (ICTV) – entidade que regulariza e organiza a classificação taxonômica dos vírus. Alguns dos microrganismos listados ainda aguardam a oficialização. A análise dessa listagem permite acompanhar a história de ocorrência de patógenos na agricultura brasileira e a evolução da virologia vegetal no Brasil, bem como mapear os principais centros de pesquisa na área.
Um dos exemplos é a tristeza da laranjeira, virose que, na década de 1940, destruiu cerca de 10 milhões de laranjeiras e provocou sérios prejuízos econômicos. O problema foi resolvido com base em pesquisas científicas e o Estado de São Paulo tornou-se o maior produtor de suco de laranja industrializado do mundo.
Outra virose importante, que emergiu na década de 1970, ficou conhecida como mosaico dourado do feijoeiro. Nesse período, o Brasil era um dos maiores produtores de feijão do mundo e teve sua produção seriamente afetada, precisando inclusive importar grãos do México. Há ainda o mosaico do mamoeiro, que dizimou plantações da fruta em quase todo o país. O controle dessa praga, por meio da erradicação sistemática das plantas afetadas, foi tão eficiente e importante que propiciou ao Estado do Espírito Santo, pioneiro na implantação da medida, se tornar um grande polo exportador de mamão.
“Não se pode afirmar que um vírus seja mais importante que os demais. Isso vai depender de vários fatores, como o temporal, o geográfico, o climático, a cultura [espécie ou variedade], o vetor de transmissão e as práticas culturais. Em uma monocultura, com uniformidade genética, uma virose pode se disseminar muito rapidamente em condições epidemiológicas favoráveis, causando perdas significativas. É um risco sempre presente ao produtor e cabe a nós, pesquisadores, estarmos preparados para solucionar o problema. Para tal precisamos ter informações apropriadas”, diz Kitajima.