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Laser gigante de ‘Jornada nas Estrelas’ será testado em experimento histórico de fusão nuclear

(Créditos: Pixabay/CC0 Domínio Público)

Traduzido por Julio Batista
Original de David R Baker e Will Wade para o Bloomberg News

O marco histórico ocorreu em uma fatia de tempo notavelmente pequena, menos do que um feixe de luz leva para se mover por 2 centímetros. Naquele pequeno momento, a fusão nuclear como fonte de energia passou de um sonho distante para a realidade. O mundo agora está lutando com as implicações do marco histórico. Para Arthur Pak e inúmeros outros cientistas que passaram décadas para chegar a esse ponto, o trabalho está apenas começando.

Pak e seus colegas do Laboratório Nacional Lawrence Livermore dos EUA agora se deparam com uma tarefa desafiadora: fazer de novo, mas melhor e maior.

Isso significa aperfeiçoar o uso do maior laser do mundo, localizado no National Ignition Facility do laboratório, que os fãs de ficção científica reconhecerão do filme “Além da Escuridão – Star Trek”, quando foi usado como cenário para o núcleo de dobra da nave estelar Enterprise. Pouco depois da 1h do dia 5 de dezembro, o laser disparou 192 feixes em três pulsos cuidadosamente modulados em um cilindro contendo uma minúscula cápsula de diamante cheia de hidrogênio, na tentativa de desencadear a primeira reação de fusão que produziu mais energia do que a necessária para criá-la. Ele conseguiu, iniciando o caminho em direção ao que os cientistas esperam que um dia seja uma nova fonte de energia livre de carbono que permitirá aos humanos aproveitar a mesma fonte de energia que ilumina as estrelas.

Pak, que ingressou no laboratório Lawrence Livermore nos arredores de San Francisco em 2010, acordou às 3 da manhã daquele dia, incapaz de resistir a verificar os resultados iniciais de sua casa em San Jose. Ele tentou ficar acordado para o experimento em si, finalmente desistindo quando os preparativos meticulosos do experimento se arrastaram até tarde da noite. “Se você ficasse acordado para cada experimento, todas as vezes por 10 anos, você enlouqueceria”, disse ele.

Nos últimos meses, ficou claro que sua equipe estava chegando perto e, na escuridão antes do amanhecer, ele verificou um número-chave que poderia mostrar se eles haviam conseguido – uma contagem de nêutrons produzidos pela fusão.

“Quando vi esse número, fiquei impressionado”, disse ele.

“Você pode trabalhar toda a sua carreira e nunca ver este momento. Você está fazendo isso porque acredita no destino e gosta do desafio”, disse Pak, líder de diagnóstico do experimento. “Quando os humanos se unem e trabalham coletivamente, podemos fazer coisas incríveis.”

A equipe do Lawrence Livermore – um laboratório de pesquisa financiado pelo governo – provavelmente fará seu próximo teste em fevereiro, com vários outros experimentos nos meses seguintes. O objetivo será continuar aumentando a quantidade de energia produzida na reação. Isso significa mais ajustes: usar mais energia do laser. Ajustar o disparo do laser. Gerar mais raios X dentro do alvo – uma etapa fundamental do processo – usando a mesma quantidade de energia. Talvez, eventualmente, atualizar a própria instalação, uma decisão que exigiria a adesão do Departamento de Energia e uma grande quantidade de financiamento.

Tudo isso levará anos, senão décadas, começando com os experimentos do laboratório Lawrence Livermore que duram apenas nanossegundos.

“Precisamos descobrir: podemos simplificar? Podemos tornar esse processo mais fácil e repetível? Podemos começar a fazê-lo mais de uma vez por dia?” disse Kim Budil, diretor do laboratório Lawrence Livermore. “Cada um deles é um incrível desafio científico e de engenharia para nós.”

A maioria dos especialistas prevê que o mundo ainda está pelo menos 20 a 30 anos longe da tecnologia de fusão se tornar viável em uma escala grande e acessível o suficiente para produzir energia comercial. Essa linha do tempo coloca a fusão além do escopo de ser significativamente usada para atingir as metas mundiais de emissões líquidas zero até 2050. Nesse sentido, a fusão pode ser a fonte de energia livre de carbono do futuro, mas não atual transição energética global com os obstáculos contínuos que enfrentamos.

A fusão capturou a imaginação científica por décadas. Já é usada para dar às armas nucleares modernas seu poder devastador, mas o sonho é domesticá-la para a demanda civil de energia. Se puder ser ampliada, levará a usinas que fornecem eletricidade abundante dia e noite sem emitir gases de efeito estufa. E ao contrário da energia nuclear de hoje, gerada por meio de um processo chamado fissão, ela não criaria resíduos radioativos de vida longa. Gerações inteiras de cientistas tentam alcançá-la. O principal conselheiro científico do presidente Joe Biden, Arati Prabhakar, passou um verão trabalhando no programa de fusão a laser do laboratório como um estudante universitário de 19 anos – em 1978.

“Este é um tremendo exemplo do que a perseverança pode alcançar”, disse ela em entrevista coletiva na semana passada. “É assim que você faz coisas realmente grandes e difíceis.”

Mesclando átomos

O disparo a laser bem-sucedido produziu reações de fusão gerando 3,15 megajoules de energia, superando os 2,05 megajoules transmitidos pelo laser. Foi um limiar importante, a primeira vez que saiu mais energia do que entrou do laser. Mas a equação precisa se inclinar muito mais na direção de quanto deve sair para se tornar comercialmente viável.

Enquanto as usinas nucleares de hoje empregam a fissão, separando os átomos, a fusão une os átomos. Pesquisadores de fusão seguiram dois caminhos principais. O Lawrence Livermore, usando um processo chamado confinamento inercial, atinge alvos com feixes de laser, implodindo uma pequena quantidade de hidrogênio até que se funda em hélio. Uma usina comercial que usasse essa abordagem precisaria repetir o processo várias vezes, com extrema rapidez, para gerar energia suficiente para alimentar a rede elétrica.

Várias empresas estão desenvolvendo sistemas de confinamento inercial, embora existam diferenças significativas. Alguns estão procurando materiais diferentes para o alvo, enquanto outros usam aceleradores de partículas em vez de lasers, desencadeando a reação de fusão ao colidir os átomos.

A principal ideia concorrente chama-se confinamento magnético, com sistemas que criam uma nuvem de plasma, superaquecido a centenas de milhões de graus, que pode desencadear uma reação de fusão. Ímãs poderosos controlam o plasma e sustentam a reação. Essa abordagem ainda não alcançou um ganho de energia líquida e enfrenta desafios, incluindo o desenvolvimento de ímãs melhores e a criação de materiais que possam suportar temperaturas superaquecidas e serem usados ​​no recipiente para conter o plasma.

Até o momento, cerca de US$ 5 bilhões em financiamento foram destinados a empresas de fusão, com a grande maioria voltada para tecnologias de confinamento magnético, de acordo com o grupo comercial Fusion Industry Association.

O confinamento inercial pode ser mais adequado para provar que a fusão pode funcionar, disse Adam Stein, diretor de inovação em energia nuclear do The Breakthrough Institute, um grupo de pesquisa com sede em Oakland, Califórnia, EUA. Mas, a longo prazo, quando se trata de comercialização, “o confinamento magnético de plasma tem mais chances de sucesso”, disse ele.

‘Seja um otimista’

Anos foram gastos refinando cada parte do processo no laboratório Lawrence Livermore.

Muito do sucesso se resumiu à precisão. Todas as cápsulas de combustível contêm pequenas imperfeições que podem fazer uma diferença significativa em como a reação ocorre. Assim como o hidrogênio congelado dentro, uma mistura dos isótopos de deutério e trítio. A equipe costumava produzir o gelo de hidrogênio, derretê-lo e tentar novamente várias vezes antes de um disparo, na esperança de obter o melhor alvo possível e aumentar as chances de sucesso.

Todo mundo que trabalha com fusão “tem que ser otimista”, disse Denise Hinkel, uma física que se concentra em melhorar a capacidade preditiva das simulações de computador do programa e que trabalha na Lawerence Livermore há 30 anos. “Caso contrário, você não estaria nessa área.”

Neste verão do hemisfério norte, o laser gigante será capaz de fornecer cerca de 8% a mais de energia do que durante o experimento deste mês passado, de acordo com Jean-Michel Di Nicola, engenheiro-chefe do laser da National Ignition Facility. Michael Stadermann, o gerente do programa de fabricação de alvos, disse que o laboratório também está desenvolvendo um programa de computador que pode examinar os invólucros das cápsulas de combustível em busca de falhas muito mais rápido do que os humanos. Eles também estão trabalhando com o fabricante de cápsulas para melhorar o processo de fabricação.

É possível que a descoberta de Lawrence Livermore permaneça sendo apenas um momento da história científica e não marque o início de uma nova indústria de fusão que abastecerá o mundo. Preencher a lacuna entre o experimento e a comercialização pode levar décadas, se é que isso acontecerá. E o confinamento magnético pode eventualmente ser o método de fusão que irá vencer, fornecendo ao mundo energia limpa abundante. Pak, um homem de fala mansa com cabelos castanhos e raciocínio rápido, disse que o resultado não o desapontaria.

“Eles podem aprender conosco – podemos aprender com eles”, disse Pak, aos 40 anos de idade. “Quando eu for velho, ficarei muito satisfeito com minhas contribuições.”

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.