Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert
Estamos chegando perto de resolver o estranho mistério apresentado por centenas de enormes filamentos pendurados no coração da Via Láctea.
Pela primeira vez, esses longos filamentos magnetizados brilhando em ondas de rádio foram observados emergindo de outras galáxias. Não apenas eles não são mais exclusivos da Via Láctea, como a variedade de ambientes em que podem ser encontrados está permitindo que os cientistas restrinjam os mecanismos que os criam.
O astrofísico Farhad Yusuf-Zadeh, da Universidade do Noroeste, nos Estados Unidos, descobriu pela primeira vez os filamentos da Via Láctea na década de 1980, e desde então tem se intrigado com eles.
Segundo Yusuf-Zadeh, há duas explicações possíveis. A primeira é uma interação entre ventos galácticos e grandes nuvens; a segunda é a turbulência dentro de campos magnéticos fracos provocados pelo movimento das galáxias.
“Sabemos muito sobre os filamentos em nosso próprio Centro Galáctico, e agora filamentos em galáxias externas estão começando a aparecer como uma nova população de filamentos extragalácticos”, disse Yusuf-Zadeh.
“Os mecanismos físicos subjacentes para ambas as populações de filamentos são semelhantes, apesar dos ambientes muito diferentes. Os objetos fazem parte da mesma família, mas os filamentos fora da Via Láctea são primos mais velhos e distantes – e quero dizer primos muito distantes (no tempo e no espaço).”
Cerca de 1.000 dos filamentos, medindo até 150 anos-luz de comprimento e pendurados em arranjos estranhamente simples e ordenados como cordas de harpa, foram descobertos na Via Láctea até o momento, mais recentemente graças ao radiotelescópio MeerKAT na África do Sul.
As observações sensíveis do telescópio do centro galáctico – penetrando através da espessa poeira e gás que obscurece muito do que está dentro – expandiu o número de filamentos conhecidos anteriormente por um fator de dez. Essas observações de rádio também revelaram que os filamentos contêm elétrons de raios cósmicos girando em campos magnéticos próximos à velocidade da luz, e que os campos magnéticos são amplificados ao longo de todo o comprimento de todos os filamentos.
Sem mais informações, descobrir por que eles estão lá, apenas vagando silenciosamente no centro galáctico, seria complicado. A descoberta de mais filamentos, em quatro aglomerados de galáxias diferentes, variando entre 163 milhões e 652 milhões de anos-luz de distância, é um grande avanço.
“Depois de estudar os filamentos em nosso próprio Centro Galáctico por todos esses anos, fiquei extremamente empolgado ao ver essas estruturas tremendamente bonitas”, disse Yusuf-Zadeh. “Como encontramos esses filamentos em outras partes do Universo, isso indica que algo universal está acontecendo.”
Os filamentos recém-descobertos fora da Via Láctea são diferentes das estruturas semelhantes a fios da nossa galáxia de várias maneiras bastante importantes. Eles estão associados a jatos e lóbulos de radiogaláxias – enormes estruturas que irrompem do centro galáctico, estendendo-se por vastas distâncias em ambos os lados do plano galáctico. Os filamentos que se estendem desses jatos e lóbulos também são muito maiores do que as estruturas vistas no centro da Via Láctea – entre 100 e 1.000 vezes maiores.
“Alguns deles têm comprimento incrível, com até 200 kiloparsecs”, disse Yusuf-Zadeh.
“Isso é cerca de quatro ou cinco vezes maior que o tamanho de toda a nossa Via Láctea. O que é notável é que seus elétrons permanecem juntos em uma escala tão longa. Se um elétron viajasse na velocidade da luz ao longo do comprimento do filamento, levaria 700.000 anos. E eles não viajam na velocidade da luz.”
Eles também são mais velhos e seus campos magnéticos são mais fracos. E, claro, eles se estendem para o espaço intergaláctico, muitas vezes em ângulos retos com os jatos. Os filamentos da Via Láctea parecem estar centrados no disco galáctico.
Por outro lado, as semelhanças são fortes. Os filamentos galácticos e extragalácticos têm a mesma relação comprimento-largura, e o mecanismo de transporte de raios cósmicos é o mesmo. Se o mesmo mecanismo produz todos os filamentos, precisa ser algo que funcione em escalas diferentes.
Os ventos podem ser um desses mecanismos. Buracos negros supermassivos ativos e formação estelar desenfreada podem gerar ventos galácticos que se espalham pelo espaço intergaláctico. Esses ventos poderiam empurrar as tênues nuvens de gás e poeira que flutuam pelo espaço interestelar e intergaláctico, empurrando o material para criar estruturas filamentosas.
Simulações sugeriram outra possibilidade: turbulência no meio espacial, gerada por distúrbios gravitacionais. Essa turbulência pode criar redemoinhos no meio intergaláctico, em torno dos quais campos magnéticos fracos ficam juntos, dobrados e, finalmente, esticados em filamentos com campos magnéticos fortes.
Não é uma resposta definitiva – ainda. Nem sabemos ao certo se o mesmo mecanismo é responsável por ambos os tipos de filamentos, ou se fenômenos muito diferentes criam estruturas estranhamente parecidas.
“Todos esses filamentos fora de nossa galáxia são muito antigos”, disse Yusuf-Zadeh.
“Eles são quase de uma era diferente do nosso Universo e ainda sinalizam aos habitantes da Via Láctea que existe uma origem comum para a formação dos filamentos. Acho isso notável.”
A pesquisa foi publicada no The Astrophysical Journal Letters.