Por Nikk Ogasa
Publicado na Science
Em um dia bom, o ar costuma sair pelo ânus. Mas em roedores e porcos com problemas respiratórios, o oxigênio pode ser absorvido pelos tecidos do reto, ajudando os animais a se recuperarem, sugere um novo estudo. Os cientistas por trás da pesquisa propõem que o fluxo de oxigênio no reto pode um dia ajudar a salvar vidas humanas se os métodos convencionais de ventilação não estiverem disponíveis.
“Parece uma ideia maluca”, disse Sean Colgan, gastroenterologista da Universidade do Colorado, em Boulder (EUA), que não participou do estudo. “Mas se você olhar para os dados, é realmente uma história muito convincente”.
A maioria dos mamíferos respira pela boca e pelo nariz e envia oxigênio para o corpo através dos pulmões. Alguns animais aquáticos, incluindo pepinos-do-mar e bagres, respiram pelos intestinos, e os tecidos intestinais dos humanos podem absorver produtos farmacêuticos prontamente. Mas ninguém sabia se o oxigênio poderia entrar na corrente sanguínea através dos intestinos dos mamíferos.
Para descobrir isso, Takanori Takebe, gastroenterologista do Hospital Infantil de Cincinnati, e seus colegas testaram várias abordagens para ventilar os intestinos de camundongos e porcos que foram privados brevemente de oxigênio. Em um grupo de 11 camundongos, quatro tiveram seus intestinos esfoliados para afinar o revestimento da mucosa e melhorar a absorção de oxigênio. Em seguida, os pesquisadores injetaram oxigênio puro pressurizado no reto dos camundongos esfoliados e em quatro dos sete camundongos não esfoliados.
Em seguida, os pesquisadores retiraram oxigênio dos animais, tornando-os “hipóxicos”. Os três camundongos não esfoliados que não receberam oxigênio intestinal sobreviveram por uma média de 11 minutos. Camundongos com intestinos não esfoliados que receberam oxigênio pelo ânus sobreviveram por 18 minutos. Apenas os camundongos ventilados com intestinos esfoliados sobreviveram ao experimento de uma hora, com uma taxa de sobrevivência de 75%, os pesquisadores relatam hoje dia 14 na Med.
Mas Takebe e seus colegas queriam se livrar do oneroso – e perigoso – processo de esfoliação intestinal. Então, eles substituíram o oxigênio pressurizado por fluidos conhecidos como perfluorcarbonos, que podem transportar grandes quantidades de oxigênio e costumam ser usados como substitutos do sangue durante cirurgias. Por serem altamente densos, os perfluorocarbonos também podem ajudar a eliminar o muco do intestino. Os pesquisadores injetaram perfluorocarbonos ricos em oxigênio no ânus de três camundongos hipóxicos e sete porcos hipóxicos; como controle, eles injetaram solução salina nos intestinos de dois camundongos hipóxicos e cinco porcos hipóxicos.
Enquanto os níveis de oxigênio no sangue nos grupos de controle despencaram, os níveis de oxigênio nos camundongos ventilados voltaram aos níveis normais. Nos porcos tratados, a saturação de oxigênio no sangue aumentou cerca de 15%, aliviando-os dos sintomas de hipóxia. A cor e o calor voltaram ao normal à pele e às extremidades em minutos.
As duas descobertas, disse Takabe, são a prova de que os mamíferos podem absorver oxigênio através de seus intestinos – e que sua nova “abordagem estranha” é segura. O novo método precisará passar por testes de segurança em pessoas, mas Takebe diz que pode imaginar a injeção de fluidos carregados de oxigênio através do ânus como um meio de ajudar a salvar vidas humanas quando os métodos de ventilação padrão não estiverem disponíveis, como por exemplo, durante a recente pandemia de coronavírus.
Mesmo que se prove segura, a ventilação com oxigênio pelo ânus pode não ser particularmente eficaz, disse Markus Bosmann, pneumologista da Faculdade de Medicina da Universidade de Boston (EUA) que não participou do estudo. Ele gostaria de ver os cientistas comparando a técnica com tratamentos respiratórios convencionais, como ventilação mecânica. Colgan concorda que mais testes são necessários e observa que, se a ventilação anal fosse usada com os pacientes, provavelmente teria vida curta. Introduzir oxigênio nos intestinos provavelmente mataria os micróbios envolvidos na digestão, disse ele.
Teoricamente, porém, não deveria haver efeitos duradouros da ventilação enteral, disse Caleb Kelly, gastroenterologista da Faculdade de Medicina de Yale (EUA) que revisou o estudo. Claro, isso precisará ser demonstrado com experimentos, disse ele. “[Mas] eles podem ser capazes de mostrar que, no ambiente certo, é eficaz”.