Pular para o conteúdo

Mentes Alienígenas Parte III: O jardim do polvo e o mundo dos cegos

Por Paul Pattom
Publicado na Universe Today

A nossa galáxia, pode ter, no mínimo, dezenas de bilhões de planetas habitáveis, com condições favoráveis para carregar água liquida em sua superfícies. É possível que existam luas habitáveis também. Em um número desconhecido desses mundos, a vida pode ter surgido. Numa fração desconhecida desses mundos, a vida pode ter surgido de forma multicelular e sexualmente reprodutiva.

Durante seu período habitável, um mundo com vida complexa produz centenas de milhões de linhagens evolutivas. Alguns deles podem ter felizmente encontrado circunstancias que dispararam o desenvolvimento da inteligência. Esses poucos favorecidos, se existem, podem ter construído civilizações tecnológicas capazes de sinalizar sua presença ao longo de distancias interestelares, ou detectar e decifrar uma mensagem que nós enviamos em sua direção. Como esses alienígenas podem ser? Quais sentidos eles usam? Como nós nos comunicaríamos com eles?

As propostas do recentemente criado METI Internacional incluem o reforço da investigação multidisciplinar na concepção e transmissão de mensagens interestelares, e construir uma comunidade global de estudiosos das ciências naturais, ciências sociais, humanas, e artes envolvidos com a origem, distribuição, e o futuro da vida no universo.

No dia 18 de maio a organização patrocinou uma conferência que incluiu palestras de biólogos, psicólogos, cientistas cognitivos, e linguistas. Essa é a terceira e última publicação de uma série de artigos sobre a conferência.

Nas publicações anteriores, nós discutimos algumas ideias sobre a evolução da inteligência que foram propostas da conferência. Aqui vamos ver se a nossa experiência terrestre pode nos fornecer quaisquer pistas sobre como podemos nos comunicar com alienígenas.

A maior parte dos animais com que nós estamos familiarizados, como humanos, gatos, cachorros, pássaros, peixes e sapos são vertebrados -animais com coluna vertebral. Todos eles são descendentes de um ancestral em comum e compartilham de um sistema nervoso organizado de acordo com o mesmo plano básico.

Moluscos são outro grande grupo de animais que tem evoluído separadamente dos vertebrados há mais de 600 milhões de anos. Apesar da maioria dos moluscos, como lesmas e caracóis, terem sistemas nervosos bastante simples, um grupo; os cefalópodes, têm evoluído um muito mais sofisticado.

O grupo cefalópode inclui polvos, lulas e chocos. Suas habilidades cognitivas e perceptivas se rivalizam com as de nossos parentes próximos. Já de seu sistema nervoso tem um histórico evolutivo diferente dos vertebrados, ele é organizado de modo completamente diferente do nosso. Isso pode nos dar um vislumbre das semelhanças e diferenças que poderíamos esperar entre alienígenas e nós mesmos.

David Gire, um professor de psicologia da Universidade de Washington, e o pesquisador Dominic Sivitilli apresentaram uma palestra sobre cefalópodes na conferência de Porto Rico. Apesar desses animais terem um cérebro sofisticado, seu sistema nervoso é muito mais descentralizado que o dos outros animais. No polvo, os sentidos e o movimento são controlados nos tentáculos, que juntos contém tantas células nervosas, os neurônios, quanto no cérebro.

Os oito tentáculos do animal são extraordinariamente sensíveis. Cada um contendo centenas de ventosas, que contem centenas de receptores sensoriais cada uma. Para comparar, o dedo humano tem apenas 241 receptores sensoriais por centímetro quadrado. Muitos dos receptores dos polvos sentem químicos, o que corresponde aproximadamente aos sentidos de paladar e olfato. Grande parte dessa informação sensorial é processada nos próprios tentáculos. Quando um tentáculo é separado do corpo de um polvo, ele continua a mostrar comportamentos simples por conta própria, e pode até mesmo evitar ameaças. O cérebro do polvo simplesmente age para coordenar o comportamento dos seus tentáculos.

Cefalópodes têm uma visão aguda. Apesar de seus olhos terem evoluído separadamente dos vertebrados, eles ainda ostentam de uma estranha semelhança. Esse grupo também têm uma capacidade única de mudar o padrão e cor de sua pele usando células de pigmento que estão sob o controle direto dos seus sistemas nervosos. Isto os fornece o sistema de camuflagem mais sofisticado de qualquer animal na Terra, que também é usado para sinalização social.

Apesar de suas sofisticadas habilidades cognitivas que ele exibe no laboratório, o polvo é extremamente solitário.

O grupo cefalópode é capaz de trocar informações úteis observando a si mesmo, mas por outro lado, exibem a habilidade de cooperação social limitada. Muitas das teorias atuais sobre a evolução da inteligência sofisticada, como a hipótese sapiosexual de Miller, que foi apresentado na segunda parcela, apontam que a cooperação e a concorrência social desempenham um papel central na evolução dos cérebros complexos. Já que os cefalópodes evoluíram habilidades cognitivas muito mais impressionantes que as de outros moluscos, o seu comportamento social limitado é surpreendente.

Talvez o comportamento social limitado dos cefalópodes pode realmente ter estabelecido limites para sua inteligência. No entanto, Gire e Sivitilli especulam que talvez “uma inteligência capaz de desenvolvimento tecnológico possa existir com a mínima acuidade social”, e a capacidade social cefalópode para compartilhar informações é suficiente. Os indivíduos de um grupo tão estranho, eles supõem, podem não possuir senso de conhecimento intrapessoal e interpessoal.

Além Gire e Sivitilli, Anna Dornhaus, que teve suas ideias apresentados no primeiro artigo, acha que as criaturas alienígenas possam juntas funcionar como uma mente coletiva. Como os insetos sociais, em alguns aspectos, realmente fazem. Ela duvida, porém, que essas civilizações possam evoluir inteligência tecnológica semelhante à humana sem algo como a sapiosexualidade de Miller para desencadear uma explosão de inteligência.

Mas se civilizações não-sapiosexuais de fato existirem, nós podemos um dia as considerar impossíveis de compreender. Devido a este possível abismo de compreensão, Gire e Stivitilli supõem que o máximo que pode aspirar a realizar em termos de comunicação interestelar é uma troca de informações astronômicas mutuamente úteis e compreensíveis.

O palestrante Alfred Kracher, um cientista aposentado do Laboratório Ames da Universidade de Iowa, supõe que “os gigantes mentais da Via Láctea são provavelmente máquinas inteligentes (…) Seria interessante encontrar evidencias deles, se é que eles existem”, ele escreveu, “mas depois disso, o que?” Kracher acredita que se eles se desenvolveram longe de seus criadores, “eles não terão nada em comum com as formas de vida orgânica, humana ou extraterrestre. Não há nenhuma chance de entendimento mutuo”. Nós seremos capazes de entender os alienígenas, ele completa, somente se “a evolução da vida extraterrestre for altamente parecida com a nossa”.

Para Peter Todd, um professor de psicologia da Universidade de Indiana, essa semelhança pode realmente ocorrer. Animais terrestres devem resolver vários tipos de problemas que são apresentados no mundo físico e biológico em que habitam.

Eles devem peregrinar efetivamente pelas plataformas, barreiras e objetos terrestres, encontrar comida e abrigo, e evitar predadores, parasitas e toxinas. Se os organismos extraterrestres se desenvolverem em ambientes similares ao terrestre, enfrentariam um conjunto parecido de problemas. Eles podem muito bem chegar a soluções semelhantes, assim como o polvo evoluiu olhos semelhantes aos nossos.

Na evolução da vida terrestre, Todd nota, os sistemas cerebrais originalmente se desenvolveram para resolver esses problemas físicos e biológicos básicos, mas essas estruturas parecem terem sido reajustadas para solucionar problemas novos e complexos. Alguns animais evoluíram para resolver os problemas de seus companheiros e para encontrar parceiros membros de suas sociedades, e depois como uma espécie de macaco continuou a evoluir raciocínio conceitual e linguagem. Por exemplo, desgosto a comida ruim, útil para evitar doenças, pode ter baseado o comportamento sexual para evitar maus companheiros, a repugnância moral para evitar maus companheiros de clã, e repugnância intelectual para evitar ideias duvidosas.

Se os cérebros alienígenas desenvolveram soluções semelhantes as como as presentes em nossos cérebros para negociar o mundo físico e biológico, eles podem também terem sido organizados de modo semelhante. A mente alienígena pode não ser totalmente diferente da nossa, e, assim, existe esperança para um grau de compreensão mútua.

No início dos anos 1970, as sondas Pioneer 10 e 11 foram lançadas nas primeiras missões exploratórias para o planeta Júpiter e além. Quando as suas missões foram concluídas, estas duas sondas se tornaram os primeiros objetos feitos pelo homem capazes de escapar da força gravitacional do sol e arremessados para o espaço interestelar.

Por conta da remota possibilidade de que a nave espacial possa um dia ser encontrada por extraterrestres, uma equipe de cientistas e estudiosos liderados por Carl Sagan colocou uma mensagem no veículo, gravada em uma placa de metal. A mensagem foi composta, em parte, de um desenho a lápis de um homem e uma mulher. Mais tarde, a Voyager 1 e 2 carregou uma mensagem que consistia, em parte, de uma série de 116 imagens digitais codificados em um registro fonográfico.

A possibilidade de que os alienígenas veriam e entenderiam imagens parece razoável, uma vez que o polvo evoluiu um olho tão semelhante ao nosso. E isso não é tudo. Os biólogos evolucionistas Luitfried Von Salvini-Plawen e Ernst Mayr mostraram que os olhos, de vários tipos, evoluíram quarenta vezes separadas na Terra, e a visão é tipicamente um sentido dominante em grande parte dos animais. Ainda assim, há animais que vivem sem ela, e os nossos primeiros ancestrais dos mamíferos eram noturnos. Será que existem alienígenas que carecem de visão, e não conseguiriam entender uma mensagem com base em imagens?

Em seu conto, A Terra dos Cegos, o grande escritor de ficção científica HG Wells imagina uma aldeia em uma montanha isolada, cujos habitantes têm sido cegos durante quinze gerações depois que uma doença destruiu a sua visão

Um alpinista perdido, ao encontrar a aldeia, imagina que com o seu poder de visão, ele pode facilmente tornar-se rei. Mas os moradores se adaptaram bem a uma vida baseada em tato, audição e olfato. Em vez de ficarem impressionados com a afirmação de seu visitante sobre sua visão, eles acham que esta é incompreensível. Eles começam a acreditar que ele é insano. E quando procuram ‘cura’ dele, que implicava remover dois crescimentos globulares estranhos a partir da frente da cabeça, o alpinista foge.

Poderia existir um mundo alienígena cujos habitantes vivem sem a visão? A palestrante Dra. Sheri Wells-Jensen, professora de Linguística na Bowling Green State University, não precisa imaginar um mundo dos cegos, porque, em certo sentido, ela vive lá. Ela é cega, e acredita que criaturas sem visão podem alcançar um nível de tecnologia suficiente para enviar mensagens interestelares. “Pessoas que enxergam”, escreve ela, “tendem a superestimar a quantidade e a qualidade da informação recolhida pela visão sozinha”.

Morcegos e golfinhos projetam uma imagem de seus ambientes mal iluminados com uma espécie de sonar natural chamado de ecolocalização. Seres humanos cegos também podem aprender a se ecolocalizarem, usando cliques língua ou palmas como sinais emitidos e analisar os ecos através da audição. Alguns podem fazê-lo bem o suficiente para andar de bicicleta a um ritmo moderado em um bairro desconhecido. Um ser humano pode desenvolver a sensibilidade ao toque necessária para ler braille em quatro meses. Um biólogo marinho cego pode eficientemente distinguir as espécies de conchas de moluscos pelo toque.

Wells-Jensen apresenta uma civilização hipotética que ela chama de Krikkits, que carecem de visão, mas possuem habilidades sensoriais de modo semelhante ao dos seres humanos. Poderiam tais seres construir uma sociedade tecnológica? Baseando-se em seu conhecimento da comunidade de cegos e de uma série de experimentos, ela acredita que sim.

A busca pela comida iria apresentar poucas dificuldades especiais, uma vez que os naturalistas cegos são capazes de identificar muitas espécies de plantas pelo toque. A agricultura poderia ser estruturada como os jardineiros modernos a fazem, marcando culturas utilizando estacas e pilhas de pedras, com isso, eles podem colher através do tato. A combinação de uma vara usada como uma bengala para sondar o caminho em frente e ecolocalização tornar a viagem a pé eficaz e segura. Uma bússola magnética poderia ainda ajudar habilidades de navegação. Os Krikkits poderiam usar armadilhas ao invés de lanças ou setas para capturar animais, produzindo ferramentas pelo toque.

A matemática é vital para construir uma sociedade tecnológica. Para a maior parte dos seres humanos, com nossa memória limitada, uma caneta, um papel ou uma lousa são essenciais para realizar cálculos. Krikkits precisariam encontrar outros meios, tais como símbolos táteis em tábuas de argila, objetos como ábaco, ou padrões de costura sobre couros ou tecido.

Matemáticos cegos bem sucedidos, muitas vezes têm memórias extraordinárias, e podem executar cálculos complexos em suas cabeças. Um dos maiores matemáticos da história, Leonard Euler, esteve cego durante os últimos 17 anos de sua vida, mas manteve-se matematicamente produtivo através do uso de sua memória.

Os obstáculos para uma tecnologia de desenvolvimento em uma sociedade cega não podem ser insuperáveis. As pessoas cegas são capazes de lidar com fogo e até mesmo trabalhar com vidro fundido. Os Krikkits poderiam, portanto, usar o fogo para cozinhar, o calor para assar vasos de barro, e alguns minérios metálicos com cheiro. Inicialmente o conhecimento astronômico apenas apontaria para o Sol como único objeto a sua volta. Experiências com carvão e metais os levariam a um conhecimento sobre a eletricidade.

Eventualmente, os Krikkits poderiam imitar o seu sonar com ondas de rádio, inventando o radar. Se seu planeta possuísse uma ou mais luas, reflexões de radar a partir deles poderiam fornecer conhecimento de outros objetos astronômicos além do Sol. Um radar também capacitária-los a aprender pela primeira vez que seu planeta é redondo.

Os Krikkits poderiam aprender a detectar outras formas de radiação, como raios-X e a ‘luz’. A capacidade de detectar esta segunda misteriosa forma de radiação poderia permitir-lhes descobrir a existência das estrelas e desenvolver um interesse em comunicação interestelar.

Que tipo de mensagem eles enviariam ou entenderiam? Wells-Jensen acredita que desenhos de linha, como o desenho do homem e da mulher na placa Pioneer, e outras representações com pinturas poderiam ser um mistério para eles. Por outro lado, ela especula que os Krikkits poderiam representar grandes conjuntos de dados através do som, e que sua abordagem para tabelas e gráficos poderia ser igualmente incompreensível para nós.

Imagens poderiam representar um desafio para os Krikkits, mas talvez, Wells-Jensen admite, sua solução não seria impossível. Há evidências de que morcegos projetam imagens de seu mundo utilizando a ecolocalização. Os Kikkits podem ser susceptíveis a evoluir habilidades similares, embora Wells-Jensen acredite que isso não seria essencial para fazer ferramentas ou manusear objetos.

Talvez algum dia os seres humanos e Krikkits encontrem um terreno comum, através da transmissão de informações por meio de objetos tridimensionais e táteis. Wells-Jensen acha que eles também possam entender linguagens matemáticas ou lógicas propostas para comunicação interestelar.

A diversidade de cognição e percepção de que encontramos aqui na Terra nos ensina que, se existe inteligência extraterrestre, é provável que esta seja muito mais estranha do que a encontrada em ficções científicas. Durante nossa tentativa de se comunicar com os alienígenas, o abismo de incompreensão mútua pode ser tão grande como o golfo do espaço interestelar. No entanto, este é um abismo que pode de alguma forma se contornar, se quisermos algum dia nos tornarmos cidadãos da galáxia.

Referências:

Débora Queiroz

Débora Queiroz

Ama quebra-cabeças e acredita que o cérebro é a figura mais complexa, e por isso seu maior prazer é monta-la. Aspirante a neurocientista, e atualmente aluna de iniciação cientifica da UNESP- Assis em psicologia ambiental com ênfase em neuroplasticidade.