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Microfóssil de 635 milhões de anos pode ter ajudado a descongelar a ‘Terra Bola de Neve’

Por Carly Cassella
Publicado na ScienceAlert

Uma equipe internacional de cientistas no sul da China descobriu acidentalmente o fóssil terrestre mais antigo já encontrado, cerca de três vezes mais antigo que o mais antigo dinossauro conhecido.

As investigações ainda estão em andamento e as observações precisarão ser verificadas de forma independente, mas a equipe internacional argumenta que os longos filamentos desse organismo antigo se parecem muito com os de fungos.

Seja o que for, o eucarionte parece ter se fossilizado em terra há cerca de 635 milhões de anos, exatamente quando a Terra estava se recuperando de uma era glacial global.

Durante este evento de glaciação massiva, nosso planeta parecia uma grande bola de neve, com seus oceanos selados do Sol por mais de um quilômetro de gelo sólido. E então, em um ‘vapt vupt’ geológico, nosso mundo começou a derreter inexplicavelmente, permitindo que a vida prosperasse na terra pela primeira vez.

Os fungos podem ter sido uma das primeiras formas de vida a colonizar aquele novo espaço. A datação deste novo microfóssil certamente sustenta a ideia emergente de que alguns organismos semelhantes a fungos trocaram os oceanos por uma vida na terra antes mesmo das plantas.

Na verdade, essa transição pode ter sido o que ajudou nosso planeta a se recuperar de uma era do gelo catastrófica.

“Se nossa interpretação estiver correta, será útil para compreender a mudança do paleoclima e a evolução da vida inicial”, disse o geobiólogo Tian Gan, da Faculdade de Ciências da Virginia Tech (EUA).

Hoje, a evolução inicial dos fungos permanece um grande mistério, em grande parte porque, sem ossos ou conchas, esses organismos não se fossilizam facilmente. Não muito tempo atrás, muitos cientistas nem pensavam que era possível que os fungos durassem tanto.

O genoma dos fungos modernos sugere que seu ancestral comum viveu há mais de um bilhão de anos, ramificando-se dos animais daquela época, mas, infelizmente, pode haver um intervalo de 600 milhões de anos antes que o primeiro fóssil de fungo evidente apareça em nossos registros.

Nos últimos anos, uma série de descobertas intrigantes e controversas ajudaram a preencher essa lacuna.

Em 2019, os cientistas relataram a descoberta de um fóssil semelhante a um fungo no Canadá, que se fossilizou há um bilhão de anos em um estuário. As implicações foram enormes – o ancestral comum dos fungos poderia ter existido muito antes do ancestral comum das plantas.

Em 2020, um fóssil com uma semelhança com fungos foi encontrado na República Democrática do Congo e foi fossilizado em uma lagoa ou lago entre 810 e 715 milhões de anos atrás.

Ainda existe controvérsia sobre se esses organismos antigos eram ou não fungos, e o novo microfóssil encontrado na China sem dúvida estimulará um debate semelhante. Após comparar cuidadosamente as características do organismo com outros fósseis e formas de vida atualmente vivas, os autores identificam que é um eucarionte e “provável fungo”.

“Gostaríamos de deixar as coisas abertas para outras possibilidades, como parte de nossa investigação científica”, disse o geocientista Shuhai Xiao, da Virginia Tech.

“A melhor maneira de dizer é que talvez não dê para descartar que sejam fungos, mas são a melhor interpretação que temos no momento.”

Dito isso, a nova descoberta fornece mais evidências de que organismos semelhantes aos fungos podem ter predado plantas terrestres.

“A questão costumava ser: ‘Haviam fungos no reino terrestre antes do surgimento das plantas terrestres?'”, explica Xiao.

“E eu acho que nosso estudo sugere que sim.”

A próxima pergunta é: como esse fungo sobreviveu?

Hoje, muitas espécies de fungos terrestres são incapazes de fotossíntese. Como tal, eles contam com uma relação mutualística com as raízes das plantas, trocando água e nutrientes das rochas e outras matérias orgânicas duras por carboidratos.

Por causa dessa relação, pensava-se que as plantas e os fungos surgiram juntos para ajudar a povoar a terra. Mas o fóssil de planta terrestre mais antigo data apenas de 470 milhões de anos atrás.

O microfóssil semelhante a um fungo recentemente descoberto é muito mais antigo do que isso e foi encontrado escondido dentro de pequenas cavidades de rochas calcárias de dolomito, localizadas na Formação Doushantuo, no sul da China.

A rocha na qual o fóssil foi encontrado parece ter sido depositada há cerca de 635 milhões de anos, depois que nossa Terra Bola de Neve derreteu. Uma vez exposto aos elementos, os autores suspeitam que o cimento carbonático começou a preencher as cavidades entre as camadas de calcário, possivelmente sepultando os microorganismos que viviam dentro dessas bolhas.

Essas formas de vida semelhantes a fungos podem até mesmo ter se aliado a outros microrganismos terrestres, que também eram comuns na época, como cianobactérias ou algas verdes.

Se animais semelhantes a fungos fossem igualmente onipresentes, então é possível que essas formas de vida ajudassem a acelerar o desgaste químico, distribuindo fósforo para os mares e desencadeando uma onda de bioprodutividade no ambiente marinho.

Em terra, eles podem até ter ajudado a desenterrar minerais de argila para o sequestro de carbono no solo da Terra, criando um ambiente fértil para plantas e animais e possivelmente mudando a própria atmosfera de nosso planeta.

“Assim”, concluem os autores, “os microrganismos semelhantes ao fungo de Doushantuo, por mais enigmáticos que sejam, podem ter desempenhado um papel na catalisação da oxigenação atmosférica e da evolução biosférica após a glaciação global criogeniana terminal.”

O estudo foi publicado na Nature Communications.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.