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Molécula ‘estranha’ detectada em Titã nunca foi encontrada em nenhuma outra atmosfera

Por Michelle Starr
Publicado na ScienceAlert

Titã, a lua de Saturno que já era muito estranha, ficou um pouco mais estranha. Astrônomos detectaram ciclopropenilideno (C3H2) em sua atmosfera – uma molécula extremamente rara à base de carbono que é tão reativa que só pode existir na Terra em condições de laboratório.

Na verdade, é tão rara que nunca antes foi detectada em uma atmosfera, seja no Sistema Solar ou em qualquer outro lugar. O único outro lugar em que ela pode permanecer estável é no vazio frio do espaço interestelar. Mas pode ser um bloco de construção para moléculas orgânicas mais complexas que podem um dia levar à vida.

“Nós pensamos em Titã como um laboratório da vida real, onde podemos ver uma química semelhante à da Terra antiga quando a vida estava se formando aqui”, disse a astrobióloga Melissa Trainer do Centro de Voos Espaciais Goddard da NASA, uma das principais cientistas encarregadas de investigar o satélite na próxima missão Dragonfly com lançamento marcado para 2027.

“Estaremos procurando por moléculas maiores do que o C3H2, mas precisamos saber o que está acontecendo na atmosfera para entender as reações químicas que levam à formação de moléculas orgânicas complexas e à chuva para a superfície”.

O ciclopropenilideno – que até os pesquisadores da NASA descrevem como uma “pequena molécula muito estranha” – não tende a durar muito em condições atmosféricas, porque reage muito rapidamente e facilmente com outras moléculas, formando outros compostos.

Depois de fazer isso, não é mais ciclopropenilideno. No espaço interestelar, qualquer gás ou poeira geralmente é muito frio e muito difuso, o que significa que os compostos não estão interagindo muito e o ciclopropenilideno pode ficar vagando por lá.

Titã é muito diferente do espaço interestelar. É bastante úmido, com lagos de hidrocarbonetosnuvens de hidrocarbonetos e uma atmosfera predominantemente de nitrogênio, com um pouco de metano. A atmosfera é quatro vezes mais espessa que a atmosfera da Terra (que também é dominada por nitrogênio). Sob a superfície, os cientistas acham que existe um enorme oceano de água salgada.

Em 2016, uma equipe liderada pelo cientista planetário Conor Nixon do Centro de Voos Espaciais Goddard da NASA usou o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), no Chile, para sondar a atmosfera do satélite em busca de moléculas orgânicas.

Foi na tênue atmosfera superior, bem acima da superfície, onde eles detectaram uma assinatura química desconhecida. Comparando-o com um banco de dados de perfis químicos, a equipe identificou a molécula como ciclopropenilideno. É provável que a espessura fina da atmosfera naquela altitude contribua para a sobrevivência da molécula, mas o porquê ela aparece em Titã e em nenhum outro mundo é um mistério.

“Quando percebi que estava olhando para o ciclopropenilideno, meu primeiro pensamento foi: ‘Bem, isso é realmente inesperado'”, disse Nixon. “Titã é um lugar único em nosso Sistema Solar. Ele provou ser um tesouro de novas moléculas”.

O ciclopropenilideno é de particular interesse porque é o que é conhecido como uma molécula cíclica; seus três átomos de carbono estão ligados em um anel (bem, um triângulo, mas o princípio é o mesmo). Embora o ciclopropenilideno em si não seja conhecido por desempenhar um papel biológico, as nucleobases de DNA e RNA são baseadas em tais anéis moleculares.

“A natureza cíclica deles abre caminho para esse ramo extra da química que permite construir essas moléculas biologicamente importantes”, disse o astrobiólogo Alexander Thelen, do Centro de Voos Espaciais Goddard da NASA.

Quanto menor a molécula, mais potencial ela tem – reações envolvendo moléculas menores com menos ligações devem acontecer mais rapidamente do que reações envolvendo moléculas maiores e mais complexas. Isso significa que as reações que envolvem moléculas menores, puramente por meio de números, devem resultar em uma gama mais diversificada de resultados.

Anteriormente, o benzeno (C6H6) era considerado a menor molécula de anel de hidrocarboneto encontrada em qualquer atmosfera (incluindo a de Titã). Ciclopropenilideno o destronou.

Titã já é uma colmeia de atividade química orgânica. O nitrogênio e o metano se dissolvem à luz do Sol, desencadeando uma cascata de reações químicas. Se essas reações podem resultar em vida, é uma questão que os cientistas estão morrendo de vontade de responder.

“Estamos tentando descobrir se Titã é habitável”, disse a geóloga brasileira Rosaly Lopes, do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA. “Queremos saber quais compostos da atmosfera chegam à superfície e, em seguida, saber se esse material pode passar pela crosta de gelo até o oceano abaixo, porque pensamos que o oceano é onde estão as condições habitáveis”.

Descobrir quais compostos estão presentes na atmosfera é uma etapa muito importante nesse processo de pesquisa. O ciclopropenilideno pode ser pequeno e estranho, mas essa molécula extremamente rara pode ser uma peça-chave do quebra-cabeça químico de Titã. Agora só temos que descobrir como essa peça se encaixa.

A pesquisa foi publicada no The Astronomical Journal.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.