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Mulher passou 500 dias isolada em uma caverna e isso acabou com seu senso de tempo

Traduzido por Julio Batista
Original de Ruth Ogden para o The Conversation

Um ano e meio sozinha em uma caverna pode soar como um pesadelo para muita gente, mas a atleta espanhola Beatriz Flamini surgiu com um sorriso alegre e disse que achava que tinha mais tempo para terminar seu livro.

Ela quase não teve contato com o mundo exterior durante sua impressionante façanha de resistência humana. Por 500 dias, ela documentou suas experiências para ajudar os cientistas a entender os efeitos do isolamento extremo.

Uma das primeiras coisas que se tornou aparente em 12 de abril de 2023, quando ela emergiu da caverna, foi como o tempo é fluido, moldado mais por seus traços de personalidade e pelas pessoas ao seu redor do que por um relógio.

Ao falar com repórteres sobre suas experiências, Flamini explicou que perdeu rapidamente a noção do tempo. A perda de tempo foi tão profunda que, quando sua equipe de apoio veio buscá-la, ela ficou surpresa ao ver que seu tempo havia acabado, acreditando que ela estava lá há apenas 160-170 dias.

Beatriz Flamini emerge da caverna Los Gauchos, perto de Motril, em 14 de abril de 2023. (Créditos: Jorge Guerrero/AFP)

Por que ela perdeu a noção do tempo?

Nossas ações, emoções e mudanças em nosso ambiente podem ter efeitos poderosos na maneira como nossas mentes processam o tempo.

Para a maioria das pessoas, o nascer e o pôr do sol marcam o passar dos dias, e as rotinas de trabalho e sociais marcam o passar das horas. Na escuridão de uma caverna subterrânea, sem a companhia de outras pessoas, muitos sinais da passagem do tempo não são nítidos.

Portanto, Flamini pode ter se tornado mais dependente de processos psicológicos para monitorar o tempo.

Uma maneira pela qual acompanhamos a passagem do tempo é a memória. Se não sabemos há quanto tempo estamos fazendo algo, usamos o número de memórias formadas durante o evento como um índice da quantidade de tempo que passou. Quanto mais memórias formamos em um evento ou era, mais percebemos o quanto durou.

Dias e semanas ocupados, cheios de eventos novos e emocionantes, são normalmente lembrados como mais longos do que os mais monótonos, onde nada digno de nota acontece.

Para Flamini, a ausência de interação social combinada com a falta de informações sobre família e assuntos atuais (a guerra na Ucrânia, a reabertura da sociedade após as restrições contra a COVID) pode ter reduzido significativamente o número de memórias que ela formou durante o isolamento.

A própria Flamini observou: “Ainda estou presa em 21 de novembro de 2021. Não sei nada sobre o mundo.”

A perda da noção de tempo também pode refletir a importância reduzida do tempo na vida das cavernas. No mundo exterior, a agitação da vida moderna e a pressão social para evitar o desperdício de tempo significam que muitos de nós vivemos em um estado perpétuo de estresse causado pelo tempo. Para nós, o relógio é um medidor de quão produtivos e bem-sucedidos somos como adultos.

Beatriz Flamini (à direita) abraça um parente após passar 500 dias em uma caverna, 14 de abril de 2023. (Créditos: Jorge Guerrero/AFP)

Um experimento comum

Flamini não é a primeira a experimentar uma mudança em sua experiência de tempo após uma mudança de ambiente. Experiências semelhantes foram relatadas pelo cientista francês Michel Siffre durante suas expedições em cavernas de dois a seis meses nas décadas de 1960 e 1970.

A perda da noção do tempo foi consistentemente relatada por adultos e crianças que passaram períodos prolongados isolados em bunkers nucleares (para fins de pesquisa) no auge da Guerra Fria. Também é frequentemente relatado por pessoas que cumprem penas de prisão e foi amplamente vivenciado pelo público em geral durante as restrições contra a COVID-19.

Cavernas, bunkers nucleares, prisões e pandemias globais compartilham duas características que parecem criar uma sensação de tempo alterada. Eles nos isolam do mundo mais amplo e envolvem espaços confinados.

Flamini, no entanto, vivia com uma agenda vazia. Sem reuniões de trabalho para as quais se preparar, sem compromissos para os quais se apressar e sem agenda social para gerenciar.

Ela levava uma existência independente, onde podia comer, dormir e ler como e quando quisesse. Ela se ocupou pintando, exercitando e documentando suas experiências. Isso pode ter tornado a passagem do tempo irrelevante.

À medida que os ritmos biológicos de sono, sede e digestão assumiram o controle dos ponteiros do relógio, Flamini pode simplesmente ter prestado cada vez menos atenção à passagem do tempo, fazendo com que ela eventualmente perdesse tal noção.

A capacidade de Flamini de aproveitar o tempo livre pode ter sido aprimorada por seu forte desejo de atingir sua meta de 500 dias. Afinal, ela decidiu entrar na caverna e poderia sair se quisesse.

Para as pessoas que ficam confinadas contra sua vontade, o tempo pode se tornar uma prisão. Prisioneiros de guerra e pessoas que cumprem penas de prisão costumam relatar que monitorar a passagem do tempo pode se tornar uma obsessão. Parece que só somos capazes de realmente aproveitar o tempo livre quando o controlamos.

A liberdade de Flamini pode fazer com que deixar a civilização para trás e ir para as cavernas pareça uma perspectiva atraente. No entanto, a vida no subsolo não é para os fracos. A sobrevivência depende de sua capacidade de manter um alto nível de resiliência mental.

Se você tem a capacidade de permanecer calmo e composto quando as coisas ficam difíceis, uma forte crença de que você está no controle de seus próprios comportamentos, conhecido como um locus interno de controle, e consegue facilmente se organizar e lidar com seus próprios pensamentos, você pode até ter sucesso. No entanto, você pode achar mais simples desligar suas notificações, limpar o calendário e ter mais tempo de lidar com o ‘eu’.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.