Traduzido por Julio Batista
Original de JPL – NASA
Observações recentes de um buraco negro devorando uma estrela errante podem ajudar os cientistas a entender os comportamentos alimentares mais complexos dos buracos negros.
Vários telescópios da NASA observaram recentemente um enorme buraco negro destroçando uma estrela azarada que se aproximou demais. Localizado a cerca de 250 milhões de anos-luz da Terra, no centro de outra galáxia, foi o quinto exemplo mais próximo de um buraco negro destroçando uma estrela já observado.
Depois que a estrela foi completamente perturbada pela gravidade do buraco negro, os astrônomos viram um aumento dramático na luz de raios-X de alta energia ao redor do buraco negro. Isso indicou que, à medida que o material estelar foi puxado em direção ao seu destino, formou uma estrutura extremamente quente acima do buraco negro chamada corona.
O satélite NuSTAR (Nuclear Spectroscopic Telescopic Array) da NASA é o telescópio espacial mais sensível capaz de observar esses comprimentos de onda de luz, e a proximidade do evento forneceu uma visão sem precedentes da formação e evolução da corona, de acordo com um novo estudo publicado no Astrophysical Journal.
O trabalho demonstra como a destruição de uma estrela por um buraco negro – um processo formalmente conhecido como evento de perturbação de maré – pode ser usado para entender melhor o que acontece com o material capturado por um desses gigantes antes de ser totalmente devorado.
A maioria dos buracos negros que os cientistas podem estudar é cercada por gás quente que se acumulou ao longo de muitos anos, às vezes milênios, e formou discos com bilhões de quilômetros de largura. Em alguns casos, esses discos brilham mais do que galáxias inteiras. Mesmo em torno dessas fontes brilhantes, mas especialmente em torno de buracos negros muito menos ativos, uma única estrela sendo dilacerada e consumida se destaca.
E do início ao fim, o processo geralmente leva apenas semanas ou meses. A observabilidade e a curta duração dos eventos de perturbação de maré os tornam especialmente atraentes para os astrônomos, que podem analisar como a gravidade do buraco negro manipula o material ao seu redor, criando shows de luz incríveis e novas assinaturas físicas.
“Os eventos de pertubação das marés são uma espécie de laboratório cósmico”, disse o co-autor do estudo Suvi Gezari, astrônomo do Space Telescope Science Institute em Baltimore, EUA. “Eles são nossa melhor visão para a alimentação em tempo real de um enorme buraco negro à espreita no centro de uma galáxia”.
Um sinal surpreendente
O foco do novo estudo é um evento chamado AT2021ehb, que ocorreu em uma galáxia com um buraco negro central com cerca de 10 milhões de vezes a massa do nosso Sol (aproximadamente a diferença entre uma bola de boliche e o Titanic). Durante esse evento de perturbação de maré, o lado da estrela mais próximo do buraco negro foi puxado com mais força do que o outro lado da estrela, esticando tudo e deixando nada além de um longo espaguete de gás quente.
Os cientistas acham que o fluxo de gás gira em torno de um buraco negro durante esses eventos, colidindo consigo mesmo. Acredita-se que isso crie ondas de choque e fluxos externos de gás que geram luz visível, bem como comprimentos de onda não visíveis ao olho humano, como luz ultravioleta e raios-X. O material então começa a se acomodar em um disco girando em torno do buraco negro como água circulando em um ralo, com atrito gerando raios-X de baixa energia. No caso do AT2021ehb, essa série de eventos ocorreu em apenas 100 dias.
O evento foi detectado pela primeira vez em 1º de março de 2021, pela Zwicky Transient Facility (ZTF), localizada no Observatório Palomar, no sul da Califórnia, EUA. Posteriormente, foi estudado pelo Observatório Neil Gehrels Swift da NASA e pelo telescópio Neutron Star Interior Composition Explorer (NICER) (que observa comprimentos de onda de raios-X mais longos do que o Swift).
Então, cerca de 300 dias após o evento ter sido detectado pela primeira vez, o NuSTAR da NASA começou a observar o sistema. Os cientistas ficaram surpresos quando o NuSTAR detectou uma corona – uma nuvem de plasma quente, ou átomos de gás com seus elétrons arrancados – já que as coroas geralmente aparecem com jatos de gás que fluem em direções opostas de um buraco negro.
No entanto, com o evento de perturbação de maré AT2021ehb, não houve jatos, o que tornou a observação da corona inesperada. A corona emite raios-X de maior energia do que qualquer outra parte de um buraco negro, mas os cientistas não sabem de onde vem o plasma ou exatamente como ele fica tão quente.
“Nunca vimos um evento de perturbação de maré com emissão de raios-X como este sem a presença de um jato, e isso é realmente espetacular porque significa que podemos potencialmente separar o que causa jatos e o que causa a corona”, disse Yuhan Yao, um estudante de pós-graduação em Caltech em Pasadena, Califórnia, e principal autor do novo estudo. “Nossas observações do AT2021ehb estão de acordo com a ideia de que os campos magnéticos têm algo a ver com a forma como a corona se forma, e queremos saber o que está fazendo esse campo magnético ficar tão forte”.
Yao também está liderando um esforço para procurar mais eventos de perturbação de maré identificados pela ZTF e depois observá-los com telescópios como Swift, NICER e NuSTAR. Cada nova observação oferece o potencial para novas perspectivas ou oportunidades para confirmar o que foi observado no AT2021ehb e outros eventos de perturbação de maré. “Queremos encontrar o máximo possível”, disse Yao.