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Neandertais podem ter sido os primeiros a inventar esta substância crucial

Por Carly Cassela
Publicado na ScienceAlert

A primeira substância sintética já produzida no planeta Terra pode não ter sido um produto da nossa própria espécie, mas sim elaborada por um parente próximo cerca de 200.000 anos atrás.

Pesquisadores da Universidade de Tübingen, do Museu Estadual de Pré-História da Alemanha e da Universidade de Estrasburgo, na França, realizaram recentemente uma análise química complexa em artefatos neandertais feitos com alcatrão de bétula, concluindo que sua extração não foi acidental.

O alcatrão de bétula é uma substância pegajosa e negra usada desde tempos antigos por suas diversas propriedades adesivas, repelentes de água e até mesmo antimicrobianas. Alguns dos primeiros seres humanos que viveram na Europa o utilizavam para unir partes de suas ferramentas.

O material pode ser extraído da casca de bétula por meio do calor, mas há divergências entre os cientistas quanto à intenção dos neandertais ao produzirem o alcatrão, ou se isso ocorria meramente como uma consequência do uso de uma fogueira.

Alguns consideram o alcatrão negro como uma ocorrência fortuita em que os neandertais simplesmente o raspavam das rochas ao redor após queimarem a casca de bétula. Outros acreditam que o material pegajoso e resistente à água era cuidadosamente fabricado em um forno subterrâneo muito antes de nossa espécie aprender a técnica.

Isso pode parecer uma questão insignificante, mas a habilidade de produzir intencionalmente substâncias úteis a partir de matérias-primas é amplamente reconhecida como uma atividade que distingue a inteligência humana das demais espécies.

Com base na análise de duas peças de alcatrão de bétula encontradas em um sítio arqueológico na Alemanha, este estudo mais recente argumenta que “o alcatrão de bétula pode documentar tecnologia avançada, planejamento futuro e capacidade cultural nos neandertais”.

Uma análise da química dos artefatos sugere que eles foram privados de oxigênio durante sua formação. Esse perfil de baixo oxigênio poderia, teoricamente, ser alcançado de várias maneiras, então os pesquisadores testaram os diversos métodos.

Dois dos métodos queimavam a casca de bétula acima do solo, enquanto três envolviam um tipo de forno subterrâneo.

Queimar a casca de bétula acima do solo permitia que o alcatrão se condensasse no topo das pedras ao ar livre ou em uma cúpula de gravetos. Os métodos subterrâneos basicamente significavam enterrar a casca de bétula enrolada sob uma fogueira.

As duas peças de alcatrão de bétula (a) e os cinco métodos (b-f) testados para extrair alcatrão de bétula. Créditos: Schmidt et al., Archaeological and Anthropological Sciences, 2023.

No fim das contas, apenas o alcatrão de bétula produzido abaixo do solo apresentava a mesma assinatura química dos artefatos antigos encontrados na Alemanha.

As descobertas sugerem que o alcatrão neandertal não é o “resultado fortuito de processos não intencionais em fogueiras ao ar livre”, mas sim uma técnica subterrânea complexa que precisava ser cuidadosamente planejada, já que não podia ser monitorada depois de ser enterrada.

Uma configuração tão complexa exigiria uma receita específica a ser seguida com precisão. Os pesquisadores afirmam que a prática provavelmente foi inventada por tentativa e erro, com melhorias graduais acumuladas ao longo do tempo.

Se os neandertais realmente estavam produzindo alcatrão cerca de 200.000 anos atrás, isso supera qualquer evidência de Homo sapiens produzindo alcatrão em 100.000 anos.

“Nesse sentido, o que demonstramos pela primeira vez é que os neandertais inventaram e aperfeiçoaram uma técnica transformadora, provavelmente de forma independente, sem influência do Homo sapiens“, afirmam os pesquisadores.

Descobertas anteriores mostraram que os neandertais tinham dietas complexas que envolviam vários passos de preparação de alimentos. No entanto, o uso do fogo por eles pode não ter se limitado ao aquecimento ou cozimento.

A inteligência de nossos primos antigos não deve mais ser subestimada.

O estudo foi publicado em Archaeological and Anthropological Sciences.

Heitor Rodrigues

Heitor Rodrigues

Graduando em Engenharia Elétrica pela UFPA. Possuo interesse em assuntos concernentes à teoria eletromagnética, computação quântica e desenvolvimento de softwares.