Por Igor Zolnerkevic
Publicado na Sociedade Brasileira de Física
Um resultado inexplicável pelo Modelo Padrão, a teoria que melhor descreve o comportamento de todas as partículas elementares conhecidas, foi confirmado em junho do ano passado pela equipe do experimento MiniBooNE. Instalado no Fermilab, em Illinois, Estados Unidos, o MiniBooNE produz um feixe de partículas conhecidas como neutrinos do múon. Após 15 anos de medições, a equipe do experimento concluiu que alguns de seus neutrinos do múon se transformam em neutrinos do elétron de maneira inesperada. Uma nova teoria proposta por físicos brasileiros pode explicar o resultado.
Neutrinos são partículas elementares que interagem muito pouco com as demais, apenas por meio das forças gravitacional e nuclear fraca. “Os neutrinos são produzidos pelas interações fracas, sempre associados com um lépton carregado – um elétron, um múon ou um tau”, explica Pedro Machado, físico brasileiro no Fermilab e um dos autores da nova proposta. Junto com Sudip Jana, também do Fermilab, Machado e os físicos Enrico Bertuzzo e Renata Zukanovich, da Universidade de São Paulo (USP) detalham sua teoria em dois artigos, um publicado em dezembro passado na revista Physical Review Letters, o outro em abril deste ano, na Physics Letters B.
Depois de produzido, um neutrino de um tipo pode se transformar em outro, por meio de um fenômeno chamado de oscilação. De acordo com o Modelo Padrão, a oscilação faria com que alguns neutrinos do múon produzidos pelo MiniBooNE pudessem se transformar em neutrinos do tau ou neutrinos do elétron, à medida de viajassem uma certa distância de sua fonte, como é o caso de outro experimento com neutrinos do Fermilab, o NOvA. Os detectores do MiniBooNE, porém, ficam a uma distância da fonte bem menor que a necessária. Muitos pesquisadores sugerem explicar esse excesso de neutrinos do elétron propondo um tipo extra de neutrino. Uma das teorias mais populares é a do chamado neutrino estéril, que propõe um neutrino extra que não interagiria por força fraca, apenas por força gravitacional. “O neutrino estéril não interage pela força fraca, contudo participa nas oscilações de neutrinos e poderia, em princípio, induzir transições de neutrinos do múon para neutrinos do elétron em distâncias curtas”, Machado explica. “Mas outros experimentos não observam o impacto desse neutrino estéril”.
Para resolver esse conflito, a nova teoria de Bertuzzo e seus colegas propõe que o quarto neutrino, chamado de neutrino escuro, não interagiria por força fraca como o neutrino estéril, mas sentiria uma nova força, mediada por um nova partícula, um bóson vetorial. De acordo com essa teoria, alguns neutrinos do muon do MiniBooNE se transformariam momentaneamente em neutrinos escuros quando interagissem com os núcleos atômicos do óleo mineral que constitui o detector de partículas do experimento. Esse neutrino escuro, mais pesado que os outros três tipos de neutrino, logo decairia produzindo em seu lugar um pósitron e um elétron, que por sua vez gerariam uma luz do tipo Cherenkov no óleo mineral. Os detectores do MinibooNE não conseguiriam distinguir essa luz daquela que identifica a passagem de um elétron (produzido pela interação de um neutrino do elétron com o detector) pelo óleo mineral. A equipe também discute nos artigos como futuros experimentos podem refutar ou comprovar suas hipóteses.
A mesma teoria também explicaria como os neutrinos são capazes de oscilar, quando obtém suas massas ao misturarem seus estados quânticos com os dos neutrinos escuros. “É a parte mais interessante do trabalho”, diz Machado, “uma conexão entre um modelo que gera as massas dos neutrinos com anomalias experimentais observadas em experimentos”.
O trabalho teve apoio financeiro da FAPESP e do CNPq.
Referências:
- Bertuzzo, E., Jana, S., Machado, P. A., & Funchal, R. Z. (2018). Dark neutrino portal to explain MiniBooNE excess. Physical review letters, 121(24), 241801.
- Bertuzzo, E., Jana, S., Machado, P. A., & Funchal, R. Z. (2019). Neutrino masses and mixings dynamically generated by a light dark sector. Physics Letters B, 791, 210-214.