A rede neural relacionada à fala está localizada principalmente no hemisfério cerebral esquerdo, enquanto o canto tem sido associado principalmente às estruturas de ambos os hemisférios. No entanto, um novo estudo indica que o hemisfério esquerdo tem um significado maior, inclusive em termos de canto, do que se pensava anteriormente.
“De acordo com uma noção que prevaleceu por mais de 50 anos, a preservação potencial da capacidade de cantar na afasia é baseada no fato de que o hemisfério direito do cérebro oferece, por assim dizer, um desvio para expressar palavras cantadas”, diz a pesquisadora de doutorado Anni Pitkäniemi da Universidade de Helsinque.
Essa teoria também serviu de base para o desenvolvimento de estratégias de reabilitação baseadas no canto para pacientes com afasia ou dificuldade de produção de fala devido a doença cerebrovascular.
No entanto, um estudo publicado recentemente na Communications Biology e realizado pela Unidade de Pesquisa do Cérebro Cognitivo da Universidade de Helsinki descobriu que, ao contrário das expectativas dos pesquisadores, a capacidade de produzir palavras cantando não estava associada às estruturas do hemisfério direito, mas, como acontece com a fala, com a rede de linguagem do hemisfério esquerdo.
Conexões neurais compartilhadas e distintas
Outra descoberta importante do estudo foi que, embora os resultados indiquem que a produção da fala e do canto estão centralmente ligados à rede de linguagem do cérebro, eles estão parcialmente dispersos em circuitos distintos sob essa rede.
De fato, constatou-se que a produção de palavras cantadas estava ligada a uma parte específica da rede da linguagem, o fluxo ventral associado à compreensão da fala.
Em contraste, a fala fluente foi conectada em pacientes com afasia não apenas com o que é conhecido como fluxo dorsal do hemisfério esquerdo, associado à produção da fala, mas também com outras conexões. Isso inclui o fluxo ventral mencionado acima, bem como caminhos totalmente fora da rede de linguagem, que são mais comumente associados ao processamento de informações e funções motoras no cérebro.
“A escala da rede demonstra a complexidade da fala em nível de conversação”, aponta Pitkäniemi.
“A observação agora também explica por que a capacidade de produzir letras familiares é preservada apenas em alguns pacientes”, acrescenta ela. A extensão do dano dentro da rede linguística, ela observa ainda, tem o maior efeito sobre isso.
De acordo com Pitkäniemi, as estruturas do hemisfério direito consideradas centrais para o canto provavelmente desempenham um papel mais importante em outros fatores significativos associados ao canto, incluindo a produção de melodia e ritmo.
Rumo a uma reabilitação cada vez mais personalizada
Durante séculos, os pesquisadores se interessaram pela relação entre música e linguagem.
“Há casos na literatura de pesquisa que datam do século XVIII de pessoas com derrame que perderam a capacidade de falar devido à afasia, enquanto inesperadamente retinham a capacidade de cantar fluentemente as palavras de canções familiares”, diz Pitkäniemi.
A seguir, os pesquisadores da Universidade de Helsinque pretendem investigar quais redes cerebrais estão conectadas, por exemplo, para aprender novas músicas ou produzir melodia e ritmo. O objetivo é encontrar métodos baseados no canto para a reabilitação de pessoas com afasia, que possam ser aplicados de forma cada vez mais personalizada e eficaz.
“As descobertas do estudo publicado recentemente já podem ajudar a definir marcadores biológicos que podem ser úteis, por exemplo, na avaliação da eficácia do tratamento ou reabilitação”, pondera Pitkäniemi.
“As descobertas também fornecem indicações do desenvolvimento pelo menos parcialmente paralelo da fala e do canto, o que é interessante do ponto de vista da neurociência evolutiva”, acrescenta ela.
Traduzido por Mateus Lynniker de MedicalXpress