Publicado em The Guardian
Autora: Nicola Davis
Traduzido por Elan Marinho
Eles possuíam corpos similares aos dos humanos modernos, podiam criar ferramentas e foram possivelmente os primeiros a cozinhar. Agora, um especialista está defendendo que o Homo erectus pode ter sido um marinheiro – completo e com linguagem de navegação.
O Homo erectus foi o primeiro a aparecer na África há mais de 1,8 milhões de anos atrás e é considerado o primeiro humano arcaico a deixar o continente.
Os fósseis do H. erectus apareceram não só na Europa Meridional, mas também em lugares distantes como a China e a Indonésia. Alguns argumentam que o misterioso hominídeo Homo floresiensis, descoberto na ilha de Flores, poderia ser descendente do H. erectus – embora outros discordem.
“Os oceanos nunca foram uma barreira para as viagens do Erectus. Ele viajou por todo o mundo, viajou para a ilha das Flores através de uma das maiores correntes oceânicas de todo o mundo”, diz Daniel Everett, professor de estudos globais na Universidade de Bentley, e autor de How Language Began. “Eles navegaram para a ilha de Creta e para várias outras ilhas. Isso foi intencional: eles precisavam de embarcações e de grupos de vinte ou mais pelo menos para chegar a esses lugares.
Apesar de Everett não ser o primeiro a levantar a controversa possibilidade de que o H. erectus possa ter adaptado algum tipo de embarcação marítima, ele acredita que tais capacidades demonstram que o H. erectus deve também ter tido outra habilidade: a linguagem.
“Os Erectus precisavam da linguagem quando foram navegar para a ilha das Flores. Eles não poderiam ter, simplesmente, pego uma carona em um tronco flutuando; porque, assim sendo, eles seriam lavados pelo mar quando atingissem a corrente”, diz Everett, apresentando sua tese na reunião da Associação Americana para o Avanço da Ciência em Austin. “Eles precisavam ser capazes de remar. E, se eles remavam, precisavam ser capazes de dizer ‘remem para lá’ ou ‘não remem’. Você precisa de comunicação com símbolos e não apenas de grunhidos”.
Não se sabe quando a linguagem emergiu entre os hominídeos; alguns defendem que é uma característica apenas da nossa própria espécie, Homo sapiens, o que sugere um período de não mais do que 200.000 anos atrás. Mas Everett acredita que ela surgiu muito antes disso.
Everett diz que o H. erectus teria sido incapaz de fazer a mesma gama de sons que nós fazemos, porque lhes faltava uma versão de um gene necessário para a fala e para o desenvolvimento da linguagem – conhecimento como FOXP2 – encontrado em humanos modernos e em Neandertais, apesar de não ser claro se Neandertais possuíam linguagem. Mas ele defende que só dois sons já são suficientes para a linguagem, e que é provável que o H. erectus pudesse fazer mais do que isso.
“Eles tinham o que era preciso para inventar a linguagem – e a linguagem não é tão exigente quanto muitos linguistas têm nos levado a acreditar. Se você tem símbolos em uma ordem linear, então você tem uma gramática”, diz Everett. “O Homo erectus falou e inventou o Ford Modelo T da linguagem. Nós falamos com a forma de um Tesla, mas a forma de Ford Modelo T que ele possuía não era uma ‘proto-linguagem’, e sim uma linguagem real”.
“Todos falam sobre o Homo erectus como uma estúpida criatura semelhante a um primata, o que, claro, nos descreve muito bem, mas o que eu quero enfatizar é que o Erectus já foi a criatura mais inteligente que andou sobre a Terra”, diz ele.
A teoria recebeu diversas reações dos demais. Kevin Laland, professor de biologia comportamental e evolucionária na Universidade de St. Andrews, disse que concorda com Everett. “A coisa importante de se reconhecer é que a linguagem não aparece com sua forma moderna de uma só vez, mas que gradualmente evolui de uma ‘proto-cultura’ contemplando apenas um punhado de palavras, com pouca estrutura gramatical. Certamente, é altamente plausível que o Homo erectus tivesse uma capacidade ‘proto-linguística’”, diz ele, acrescentando que o trabalho de sua própria equipe indicou que isso era possível. “Nosso experimento sugere que teria sido muito difícil saber como manufaturar as acheulenses ferramentas de pedra do Homo erectus de modo a se difundirem sem que houvesse uma forma simples de linguagem. O estudo também demonstrou que a fabricação de ferramentas de pedra teria criado uma pressão seletiva que favoreceria a melhoria das capacidades linguísticas”, diz ele.
Mas outros dizem que há pouca evidência de que o H. erectus foi um marinheiro sofisticado, e menos ainda de que tinha uma linguagem. “Eu não aceito que, por exemplo, o [Homo] erectus deve ter usado barcos para chegar à Flores”, diz Chris Stringer, chefe de origens humanas no Museu de História Natural em Londres.
Dito isso, Stringer reconhece que o Homo heidelbergensis, um outro aparentado nosso que viveu entre 700.000 e 300.000 anos atrás, pode ter sido capaz de algum tipo de conversação. “Eu acho que o [Homo] heidelbergensis tinha uma vida complexa o suficiente para requirir a fala, embora não ao nível da linguagem dos humanos modernos. Quanto ao [Homo] erectus, não tenho tanta certeza”, diz Stringer, acrescentando que a capacidade do H. erectus de fazer e utilizar ferramentas não é, como alguns têm defendido, uma evidência convincente. “Chimpanzés e corvos fazem e utilizam ferramentas sem nenhum tipo de linguagem humana”, diz ele.