A exposição de uma estrutura enigmática da Idade do Bronze numa praia em Norfolk, Inglaterra, devido à erosão das marés, despertou o interesse de arqueólogos e pagãos, que perceberam o potencial significado espiritual do local. Conhecido coloquialmente como ‘Seahenge’ e formalmente como Holme I, este monumento pré-histórico é composto por um toco de carvalho invertido, cercado por 55 troncos divididos da mesma madeira.
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Pesquisas recentes corroboram a ideia do ritual, indicando que o monumento e uma estrutura semelhante nas proximidades foram erguidos para rituais climáticos numa época marcada por invernos rigorosos na região.
Construído no final da primavera de 2049 a.C., Seahenge originalmente estava a salvo da erosão das marés. Foi edificado em um pântano salgado, distante da costa e protegido por dunas de areia e lodaçais. No ambiente pantanoso, as madeiras eram preservadas pela turfa que as envolvia, impedindo a decomposição.
Durante milhares de anos, lodo e areia se acumularam, ocultando eventualmente o círculo místico.
A recente exposição de Seahenge representa uma narrativa climática própria, sendo um dos muitos sinais arqueológicos revelados pelas marés, indicando que os níveis do mar estão subindo mais em terra do que há milênios.
John Lorimer, um arqueólogo amador, foi o responsável pela descoberta do local. Ele avistou inicialmente uma cabeça de machado da Idade do Bronze na areia e, ao longo de várias visitas, observou a revelação gradual do toco de árvore invertido e do anel de madeira.
Em 1999, os arqueólogos iniciaram a escavação do monumento com o objetivo de preservá-lo e realocá-lo. Embora a mídia tenha apelidado o local de ‘Seahenge’, atraindo atenção e levando grupos pagãos e da Nova Era, juntamente com moradores locais, a protestarem contra a escavação, exigindo que o local fosse mantido in situ, os arqueólogos continuaram seus esforços. Agora, Seahenge está em exibição no Museu Lynn, preservado com cera em vez de água do mar.
Parte de Seahenge (Holme I) está em exibição temporária no Museu Britânico. Descoberto na mesma época, Holme II, localizado a cerca de 100 metros de distância, foi deixado no local para evitar novos conflitos, mas a exposição às marés já destruiu grande parte dele.
O arqueólogo David Nance, da Universidade de Aberdeen, sugere que tanto Seahenge quanto Holme II foram construídos para mitigar as adversidades de uma mudança climática passada. Ele argumenta que esses monumentos, criados há 4.000 anos durante um período de temperaturas atmosféricas em declínio e invernos rigorosos, serviam para lidar com o estresse dessas primeiras sociedades costeiras. A pesquisa foi publicada no GeoJournal.
Nance observa que as madeiras foram derrubadas na primavera e dispostas para se alinharem com o nascer do sol no solstício de verão. Segundo o folclore, o solstício de verão marcava o momento em que o cuco, símbolo de fertilidade, parava de cantar, retornando ao Outro Mundo e levando o verão consigo. Nance acredita que os monumentos foram concebidos para “capturar” o cuco e, assim, prolongar o verão, uma estratégia crucial para essas sociedades enfrentarem invernos longos e rigorosos.
A forma do monumento parece imitar as habitações de inverno do cuco mencionadas no folclore: uma árvore oca ou os “caramanchões do Outro Mundo”, representados pelo toco de carvalho invertido no centro do monumento. Este ritual é lembrado no “mito do cuco reprimido”, onde um cuco ainda não desenvolvido era colocado em um arbusto espinhoso e “emparedado” para prolongar o verão, mas sempre acabava voando para longe.
Nance sugere que Holme II, que pode conter um corpo humano, foi construído para abrigar o corpo ritualmente sacrificado de uma consorte mortal da divindade de Vênus, encarregada de garantir o bem-estar e a fertilidade da comunidade, mas considerada falha nessa responsabilidade. As evidências sugerem que elas eram sacrificadas ritualmente a cada oito anos no Samhain (agora Halloween), coincidente com o ciclo de oito anos de Vênus. As luminárias em Holme II, que se pensava conterem um caixão, estão orientadas para o nascer do sol no Samhain em 2049 a.C., quando Vênus ainda era visível.
Embora os monumentos tivessem funções e rituais diferentes, Nance afirma que a intenção comum era acabar com o clima extremamente frio, uma ideia que pode ter sido eficaz demais.