Por Dyani Lewis
Publicado na Nature
O surgimento de variantes de coronavírus de rápida disseminação colocou mais uma vez os holofotes sobre o papel das crianças na pandemia de COVID-19. Os primeiros dados sobre uma nova variante sugeriram que ela estava se espalhando mais em crianças do que em adultos, em comparação com outras linhagens. Mas os pesquisadores agora sugerem que a variante está se espalhando com mais eficiência em todas as faixas etárias, aumentando esses temores.
Ainda assim, um ano após o início da pandemia, muito permanece desconhecido sobre a disseminação do SARS-CoV-2 em crianças, o que leva a pedidos de maior vigilância e testes para embasar as decisões sobre o fechamento de escolas. “Ainda não sabemos realmente quanto as escolas e crianças realmente contribuem para a disseminação”, diz Catherine Bennett, epidemiologista da Universidade Deakin em Melbourne, Austrália.
As crianças parecem ser menos suscetíveis ao SARS-CoV-2 do que os adultos, possivelmente por causa de diferenças biológicas inerentes, disse Calum Semple, um especialista em surtos do doenças da Universidade de Liverpool, Reino Unido. E estudos em escolas e faculdades em vários países no ano passado sugeriram que os campus não eram pontos críticos para a transmissão, desde que tomassem precauções como manutenção da higiene e distanciamento social. No entanto, os dados geralmente não são facilmente comparáveis entre países devido à variação nas práticas.
Mas se a nova variante está aumentando as taxas de infecção em crianças, a dinâmica de transmissão nas escolas deve ser reinvestigada, disse Bennett. Dados melhores são necessários porque os casos em crianças – que apresentam infecções assintomáticas com mais frequência – provavelmente não foram detectados. Os países geralmente testam apenas pessoas com sintomas.
Muitos pesquisadores alertam contra o fechamento de escolas antes de outros setores da sociedade, observando os danos às crianças decorrentes do aprendizado perdido. Outros cientistas acham que os governos devem agir rapidamente quando há um aumento nas infecções, incluindo o fechamento de escolas. George Milne, que lidera a modelagem da COVID-19 na Universidade da Austrália Ocidental em Perth, diz: “É melhor ir cedo com medidas rígidas e [depois] relaxar.”
Um cenário em mudança
A nova variante, agora chamada B.1.1.7, foi detectada pela primeira vez no Reino Unido em novembro. Os dados coletados entre o final de novembro e meados de dezembro sugeriram que as crianças estavam sendo infectadas com a B.1.1.7, em comparação com outras linhagens conhecidas, mais do que pessoas em outras faixas etárias. Isso levou a sugestões de que a variante estava se espalhando em crianças com mais facilidade do que em adultos.
Mas um relatório de janeiro da Public Health England, uma agência governamental de saúde pública, descobriu que a variante, que se espalhou por dezenas de países, é transmitida com mais facilidade em todas as faixas etárias. Ele também descobriu que as crianças – especialmente aquelas com menos de dez anos – têm cerca de metade da probabilidade de os adultos transmitirem a variante a outras pessoas.
Um cenário semelhante está surgindo sobre outra variante de rápida disseminação, que foi detectada pela primeira vez na África do Sul e é conhecida como 501Y.V2, disse Richard Lessells, um especialista em doenças infecciosas da Universidade de KwaZulu-Natal em Durban. “Não há nada que mostre para nós que há resultados diferentes nos grupos mais jovens”, disse ele.
Se as crianças são responsáveis por uma proporção maior de novas infecções por COVID-19 no Reino Unido, isso pode ser em parte porque as escolas permaneceram abertas quando os locais de trabalho e as lojas ficaram fechadas no final do ano passado, disse Semple.
Diferenças biológicas?
As estimativas sugerem que as crianças são quase 50% menos suscetíveis à infecção pela por SARS-CoV-2 do que os adultos – alguns pesquisadores sugerem que sua biologia pode ser uma das razões. Semple diz que isso pode ser devido às diferenças no número e na localização dos receptores ACE2 no trato respiratório; esses receptores são usados pelo vírus para se ligar às células hospedeiras. Acredita-se que as crianças tenham menos receptores ACE2 do que os adultos. E, enquanto os adultos têm esses receptores em todas as vias aéreas, as crianças podem tê-los apenas no trato respiratório superior, diz Semple. Isso poderia explicar por que o vírus parece não se alastrar em crianças pequenas.
Três variantes recentemente identificadas foram encontradas com mutações na proteína spike, que o vírus usa para se prender às células, tornando as variantes mais capazes de infectar as células respiratórias do hospedeiro. Mas Semple diz que as crianças podem sempre ser menos suscetíveis do que os adultos apenas nas infecções que usam o receptor ACE2, embora isso precise ser investigado.
Outros pesquisadores sugeriram que as crianças podem estar mais protegidas contra patógenos desconhecidos do que os adultos, porque elas têm um sistema imunológico inato mais responsivo e um maior número de células T imunológicas efetoras. Mas são necessárias mais evidências para estabelecer se esse é o caso.
Melhores dados
Diante do aumento de infecções em crianças, dados mais precisos sobre como elas transmitem o vírus são necessários, incluindo quantos contatos próximos as crianças infectam em comparação com os adultos, disse Bennett.
Pesquisas de soroprevalência também podem verificar evidências de infecção anterior, disse Kim Mulholland, pediatra do Instituto de Pesquisa Infantil Murdoch em Melbourne, Austrália. Houve pelo menos um relatório de crianças que desenvolveram anticorpos para SARS-CoV-2, apesar de não apresentarem resultado positivo em um teste diagnóstico padrão que detecta RNA viral. A descoberta sugere que as crianças desenvolveram uma resposta imunológica local rápida, mas que sua eliminação viral foi muito baixa para que os testes detectassem, disse Mulholland, co-autor do relatório.
Mas Mulholland alerta contra reações automáticas a informações precoces e incompletas sobre o aumento da transmissão de variantes recentes em crianças. O custo do fechamento de escolas – em termos de educação perdida, exposição potencial a abusos e, em alguns países, o fim prematuro da escolaridade que pode levar ao trabalho ou casamento infantil – pode ter impactos sociais devastadores que afetam uma geração de crianças. Um relatório da instituição de caridade Save the Children em outubro passado previu que, até o final de 2020, meio milhão de crianças a mais do que o normal no mundo teriam sido forçadas a se casar, e mais um milhão ficariam grávidas, como resultado indireto da COVID-19. “Esses problemas sociais vão persistir”, disse ele.
Bennett também diz que fechar escolas pode ter consequências indesejadas. Manter as crianças em casa pode aumentar a transmissão doméstica se os pais trouxerem babás para suas casas, disse ela.