A classe de antidepressivos mais amplamente prescrita demonstrou â finalmente â aumentar as conexĂ”es no cĂ©rebro humano.
A descoberta oferece uma explicação biolĂłgica plausĂvel para a resposta retardada do medicamento ao tratamento e pode ajudar a desenvolver novos tratamentos direcionados.
NĂŁo estĂĄ claro por que leva tanto tempo â geralmente algumas semanas â para que os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) alcancem benefĂcios visĂveis. Compreender o atraso poderia ajudar os profissionais mĂ©dicos a encorajar os pacientes a continuar o tratamento e a dar esperança aos milhĂ”es de pessoas afetadas pela doença devastadora.
No primeiro estudo humano deste tipo, uma equipe global mediu as alteraçÔes fĂsicas nas conexĂ”es neuronais (sinapses) apĂłs o tratamento com ISRS em adultos saudĂĄveis.
âDescobrimos que, com aqueles que tomaram antidepressivos da classe ISRS, ao longo do tempo houve um aumento gradual nas sinapses no neocĂłrtex e no hipocampo do cĂ©rebroâ, diz a neurocientista Gitte Knudsen, do Hospital UniversitĂĄrio de Copenhague, na Dinamarca.
Um aumento nos nĂveis cerebrais do neurotransmissor serotonina Ă© responsĂĄvel pelos efeitos de melhoria do humor dos ISRS. Infelizmente, eles nĂŁo funcionam para todos e os cientistas ainda nĂŁo conhecem seu mecanismo preciso de ação.
Foi levantada a hipótese de que os ISRS aumentam a plasticidade sinåptica no cérebro humano. Acredita-se que essa capacidade das sinapses de se fortalecerem ou enfraquecerem ao longo do tempo seja importante para o aprendizado, a memória e a regulação do humor.
Para testar a hipĂłtese, um ensaio clĂnico duplo-cego, semi-randomizado e controlado foi realizado em 32 adultos sem histĂłrico de depressĂŁo. Os participantes foram designados aleatoriamente para tomar doses diĂĄrias de 20 miligramas de escitalopram (um ISRS) ou placebo por atĂ© 5 semanas.
Os pesquisadores usaram tomografia por emissĂŁo de pĂłsitrons (PET) para medir os nĂveis cerebrais de uma proteĂna chamada glicoproteĂna 2A da vesĂcula sinĂĄptica (SV2A). O nĂvel da proteĂna SV2A no cĂ©rebro indica a presença de sinapses. NĂveis mais elevados numa ĂĄrea especĂfica significam uma maior densidade de sinapses naquela regiĂŁo.
As varreduras revelaram diferenças significativas entre os grupos na progressĂŁo da densidade sinĂĄptica. Pessoas que tomaram escitalopram apresentaram nĂveis mais elevados de SV2A no neocĂłrtex e no hipocampo em comparação com aquelas que tomaram placebo.
O neocĂłrtex, que ocupa cerca de metade do volume do nosso cĂ©rebro, Ă© uma estrutura intrincada responsĂĄvel por processos mentais de nĂvel superior, como emoção, percepção sensorial e cognição. Aqueles que tomaram escitalopram apresentaram aumentos menores nos nĂveis de SV2A no hipocampo, uma ĂĄrea profunda do cĂ©rebro que nos ajuda a lembrar e aprender.
âIsso indica que os ISRS aumentam a densidade sinĂĄptica nas ĂĄreas cerebrais criticamente envolvidas na depressĂŁoâ, diz Knudsen.
âIsso indicaria de alguma forma que a densidade sinĂĄptica no cĂ©rebro pode estar envolvida no funcionamento desses antidepressivos, o que nos daria um alvo para o desenvolvimento de novos medicamentos contra a depressĂŁoâ.
à importante ressaltar que demorou algum tempo para que essas diferenças aparecessem. Para contextualizar, não houve diferenças significativas na densidade de SV2A entre os grupos escitalopram e placebo após uma média de 29 dias.
E a anĂĄlise mostrou que o aumento na densidade sinĂĄptica foi maior em pessoas que tomaram escitalopram por longos perĂodos.
âNossos dados sugerem que as sinapses se acumulam ao longo de semanas, o que explicaria por que os efeitos dessas drogas demoram para fazer efeitoâ, explica Knudsen. âNĂŁo observamos nenhum efeito naqueles que tomaram placeboâ.
O recrutamento de sujeitos sem diagnĂłstico tornou possĂvel estudar os efeitos potenciais dos ISRS na plasticidade sinĂĄptica sem interferĂȘncia de sintomas clĂnicos ou patologia cerebral. Mais pesquisas sĂŁo necessĂĄrias para descobrir se isso tambĂ©m acontece em pessoas com depressĂŁo e se estĂĄ relacionado Ă melhora clĂnica.
âO atraso na ação terapĂȘutica dos antidepressivos tem sido um enigma para os psiquiatras desde que foram detectados pela primeira vez, hĂĄ mais de 50 anosâ, diz David Nutt, neuropsicofarmacologista do Imperial College, Londres, que nĂŁo esteve envolvido na pesquisa.
âPortanto, esses novos dados em humanos, que usam imagens cerebrais de ponta para demonstrar um aumento nas conexĂ”es cerebrais que se desenvolvem durante o perĂodo em que a depressĂŁo desaparece, sĂŁo muito emocionantesâ.
O estudo foi aceito para publicação em um periĂłdico revisado por pares e apresentado na conferĂȘncia do ColĂ©gio Europeu de Neuropsicofarmacologia.
Traduzido por Mateus Lynniker de ScienceAlert