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Os astecas aproveitaram o Sol e uma montanha para alimentar milhões, segundo cientistas

Traduzido por Julio Batista
Original de Carly Cassella para o ScienceAlert

Um novo estudo mostrou como civilizações antigas no centro do México podem ter usado características específicas de sua paisagem acidentada para marcar pontos-chave nas estações, permitindo-lhes planejar o plantio de culturas necessárias para manter uma população próspera de milhões de pessoas viva e bem.

Liderada pelo ecologista de plantas de Riverside, Exequiel Ezcurra, da Universidade da Califórnia, EUA, a pesquisa valida as especulações de que os picos irregulares do horizonte do Monte Tlaloc serviram como uma forma de monitorar o calendário agrícola para combinar as estações conforme a passagem de cada ano solar.

Na primavera, o Vale do México é quente e seco. Com o verão e o início do outono, temos a estação das monções. O ciclo anual de chuva e seca significa que as lavouras devem ser plantadas em épocas muito específicas. Caso contrário, toda a colheita pode ser prejudicada.

“Plantar muito cedo, seguindo uma primeira chuva aleatória, pode ser desastroso se a verdadeira estação chuvosa não continuar”, explicaram Ezcurra e seus colegas pesquisadores.

“Esperar para plantar tarde, após o início claro da estação das monções, pode expor o campo de milho, ou milpa, a uma estação de crescimento excessivamente curta e também colocará a cultura sob competição de ervas daninhas que já germinaram.”

Muitas civilizações usaram indícios nos arredores para marcar como o Sol se move no céu. Por exemplo, o observatório solar mais antigo do mundo é composto por uma linha de 13 torres de pedra, que foram construídas por uma civilização desconhecida no Peru há mais de 2.300 anos.

Quando o Sol nasce ou se põe no espaço entre cada torre, representa a passagem de um determinado período de tempo. O enorme ‘relógio’ é tão preciso que pode prever a hora exata do ano com dois ou três dias de antecedência.

Um projeto semelhante teria sido usado na Bacia do México, sugeriu Ezcurra e sua equipe. Exceto neste caso, os marcadores do Sol não foram construídos. Em vez disso, eles foram simplesmente escolhidos a partir de recursos definidos na paisagem natural.

“Para ajustar seu calendário, os mexicas precisariam saber a posição do Sol em datas específicas do ano solar, uma façanha que só poderia ser realizada marcando o nascer do sol (ou o pôr do sol) em relação a um marco geográfico”, argumentaram os pesquisadores.

A orientação de construções específicas no vale, como o sagrado Templo Mayor da Cidade do México, teria sido projetada especificamente para que o Sol pudesse ser observado de um ponto fixo ao cruzar o horizonte. Outros picos, como o Monte Tepeyac, podem ter fornecido mirantes alternativos.

De pé no topo do Templo Mayor no solstício de inverno, um observador veria o Sol nascer logo atrás da ponta do Monte Tehuicocone. No solstício de verão, desse mesmo ponto de vista, eles veriam o Sol nascer logo atrás do atual sítio arqueológico de Tepetlaoxtoc, que fica a 2.300 metros acima do nível do mar, no sopé de uma cadeia montanhosa chamada Sierra de Patlachique.

Os solstícios também seriam marcados por uma aparente pausa no progresso do Sol ao longo do horizonte, nascendo e se pondo atrás dos mesmos marcos no horizonte por um período de cerca de 10 dias.

Equinócios provavelmente também foram observados do topo do Templo Mayor. Os equinócios de março e setembro, por exemplo, são marcados pelo nascer do sol atrás do pico do Monte Tlaloc.

Ezcurra e sua equipe calcularam que há apenas um dia na primavera e um dia no outono quando o Sol nasce diretamente atrás desta montanha, tornando-a uma forma altamente precisa de cronometragem.

Tomados em conjunto, os alinhamentos – junto com ilustrações e textos encontrados nos antigos códices mexicas – indicam que o Monte Tlaloc serviu como uma ferramenta fundamental para marcar épocas importantes do ano e para ajustes de calendário. Com essa abordagem, o Sol nasceria diretamente atrás do Monte Tlaloc a cada 365 dias e, a cada quatro anos, um dia extra teria que ser contabilizado para manter o calendário preciso.

Três perspectivas fixas do Sol nascendo na Bacia do México. Visto do: (A) Monte Tepeyac, (B) Templo Mayor e (C) a pirâmide de Cuicuilco. Tlamacas (Tm), Monte Tlaloc (Tl), Telapon (Te), Papayo (Pa), Iztaccihuatl (Iz) e Popocatepetl (Po). Tradução da imagem: elevação angular [degrees] (angular elevation [degrees] e relação azimutal [degrees} (azimuthal bearing [degrees).. (Créditos: Ezcurra et al., PNAS, 2022)

Pesquisadores da UCR mostraram que esse dispositivo de cronometragem natural é matematicamente possível, mas se os povos antigos do Vale do México realmente confiavam nessa técnica é incerto.

Alguns registros históricos dos colonos sugerem que o calendário asteca começa em fevereiro, mas também sugerem que importantes rituais e cerimônias sagradas ocorreram na mesma época em que o Sol nascia atrás dos principais marcos do vale.

Durante a parte mais seca do equinócio da primavera, por exemplo, o Sol nasce atrás do Monte Tlaloc, em homenagem ao deus da água e da chuva.

O solstício de verão, por sua vez, é uma celebração do sal e do milho de verão, e ocorre quando o Sol nasce atrás das margens salgadas do Lago Texcoco.

Finalmente, o equinócio de inverno ocorre quando o Sol nasce na borda de uma paisagem conhecida como Iztaccihuatl, que se parece com uma mulher adormecida. Esta época do ano também está associada à feminilidade e às deusas.

Se a posição do Sol em relação ao Monte Tlaloc é tão significativa quanto parece, como pode ter sido usada como marcador para o início do ano?

Os restos de uma estrada elevada, subindo a encosta da montanha, podem conter a resposta. O curioso desta estrada é que é construída em ângulo raso, saindo de um recinto murado retangular como pode ser visto na imagem abaixo.

Os restos da antiga calçada e construção na encosta do Monte Tlaloc. (Créditos: Ben Fiscella Meissner)

Os pesquisadores acham que pode estar intencionalmente desalinhada para que o Sol se ponha exatamente entre as paredes que cercam a estrada, como visto ao olhar para cima.

O dia em que o Sol é enquadrado dessa maneira bonita ocorre em 23 ou 24 de fevereiro, o início do ano solar mexica.

O Sol nascendo entre as paredes de uma antiga calçada no Monte Tlaloc. (Créditos: Ben Fiscella Meissner)

“Esses resultados confirmam que, mesmo sem os instrumentos celestes usados ​​pelos europeus na época de sua chegada… o povo da Bacia do México poderia manter um calendário extremamente preciso que permitiria ajustes de anos bissextos simplesmente usando observações sistemáticas do nascer do sol contra as montanhas orientais da Bacia do México”, concluíram os pesquisadores.

O estudo foi publicado na PNAS.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.