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Papo com Paul Zaloom, o Beakman

Paul Zaloom tem muitas histórias para contar. Um mundo de histórias. Formado bonequeiro – manipulador de marionetes, se preferir – nos anos 70, Zaloom é um bem-sucedido satirista político do teatro norte-americano. Contudo o personagem que tornou esse nova iorquino conhecido mundialmente não tem nada a ver com política. Tampouco começou no teatro. Trata-se do maluco e divertido cientista Beakman, estrela da série de televisão O Mundo de Beakman.

Com 91 episódios gravados entre setembro de 1992 e dezembro de 1997, O Mundo de Beakman foi uma das séries infantis mais premiadas da TV dos Estados Unidos. Apenas no Emmy Awards, principal premiação da televisão mundial, recebeu 23 indicações e ganhou três estatuetas. Sucesso que não se restringiu à crítica: o programa caiu no gosto do público; inclusive o adulto. “52% da audiência do programa nos Estados Unidos era composta por adultos”, afirma Zaloom. “Os adultos sabiam que podiam entender a ciência no programa já que era destinado às crianças”.

Por conta de tudo isso, não estranhamente O Mundo de Beakman chegou a ser transmitido em mais de 90 países. Entre os quais, o Brasil – onde, claro, obteve enorme sucesso.

Aos 60 anos, pai de Amanda e avô de duas garotas, Mabel e Sadie, Paul Zaloom continua na ativa. Porém longe das telinhas: no teatro. Inclusive como Beakman. Entre junho e julho do ano passado, Zaloom apresentou-se em dois eventos no Brasil. E aproveitou a estadia para conhecer o Museu de Arte de São Paulo (MASP). “É um lugar incrível e memorável”, relata o ator.

No último dia quatro, Zaloom concedeu uma entrevista com exclusividade ao AstroPT e ao Universo Racionalista. Falou sobre o programa de TV que o consagrou, a carreira como satirista político, a estranha faculdade que frequentou, seu interesse pela ciência e muito mais.

Fato: O jaleco verde e a peruca de Beakman não foram usados durante a entrevista. Mas simpatia e bom papo, duas características marcantes do personagem, estiveram presentes.

O ator Paul Zaloom (foto acima) é o intérprete do cientista Beakman Créditos: Zaloom / Howard Wise.

Universo Racionalista: Pouco antes de vir ao Brasil você disse que tinha interesse em saber por que o Beakman era tão popular por aqui. Encontrou a resposta?

Paul Zaloom: Não, mas continuo perguntando! Suspeito que não foi apenas o conteúdo científico, mas algo sobre o espírito anárquico do programa que realmente agrada às pessoas no Brasil.

Universo Racionalista: Como foi sua estadia em São Paulo? Conheceu algum lugar da cidade?

Paul Zaloom: Eu pude visitar o Museu de Arte de São Paulo (MASP), que é um lugar incrível e memorável. Em particular, gostei dos dois El Grecos, o tremendo (Paul) Cezanne, o alucinante Hieronymus Bosch e uma belíssima exposição de fotografia brasileira.

Universo Racionalista: Quais eram seus principais trabalhos antes da oportunidade de atuar como Beakman?

Paul Zaloom: Tenho feito shows de marionetes para adultos por muitos anos. O conteúdo é principalmente voltado à sátira social e política, com foco na política externa norte-americana, profanação do meio ambiente, e meu próprio papel hipócrita em colaborar com uma sociedade que eu critico tão veementemente.

Universo Racionalista: Vi uma declaração, atribuída a ti, de que você foi o único “louco” a aceitar o papel de Beakman. Procede tal informação? Se sim, por que foi “loucura”?

Paul Zaloom: Penso que não foi exatamente isso que eu disse. O que provavelmente quis dizer foi que eles descobriram o mais louco lunático que poderiam encontrar para interpretar o papel. Ajudou o fato de ser um ator iconoclasta e excêntrico (e único!) para fazer um bom trabalho no papel.

Beakman (Zaloom) entre o Rato Lester (interpretado por Mark Ritts, morto em 2009) e a assistente Phoebe (Senta Moses). Elenco da quarta – e última – temporada da série. Créditos: Divulgação / Sony Pictures Television.

Universo Racionalista: O Mundo de Beakman possui algumas características bastante marcantes, entre as quais, mais de mil efeitos sonoros por episódio e câmeras fixas no estúdio. Como esses padrões técnicos foram definidos? Você participou desse processo?

Paul Zaloom: As câmeras não se moviam de jeito algum. Nada de zoom ou câmeras em grua. Elas ficavam fixas com lentes de ângulo bem amplo e nós ficávamos tão perto delas que praticamente as tocávamos. Ao invés das câmeras se mexendo, nós, apresentadores (Rato Lester, a assistente de laboratório e Beakman), nos movíamos de câmera para câmera, criando um olhar cinético e estranho, que era único para a televisão naquele tempo. O diretor Jay Dubin foi o inventor e o mentor deste olhar.

Universo Racionalista: Há um episódio (“Blood, Beakmania & Dreams”) no qual Lester caiu após tentar sentar em uma cadeira. A Josie (a primeira das três “assistentes de laboratório” do programa) riu bastante. Tudo aquilo me pareceu extremamente natural, não propriamente encenado. Embora vocês seguissem um roteiro, era comum que alguns erros e improvisos fossem ao ar?

Paul Zaloom: Nós tínhamos uma regra: você não está permitido a parar no meio de uma tomada porque algo deu errado. Por quê? Porque muitas vezes os erros eram engraçados. Então nós os incluíamos na versão final do programa.

Universo Racionalista: Você afirma que na sua infância se sentia atraído por ciências naturais e dinâmica (física). Após o programa, outros assuntos, como astronomia, também passaram a causar-lhe interesse?

Paul Zaloom: Sou curioso sobre todos os aspectos do que acontecem em nosso universo. O programa despertou meu interesse em muitos aspectos que a ciência nos proporciona em uma maneira de olhar para a existência.

Universo Racionalista: Você trabalhou com públicos mais jovens em Mundo de Beakman, mas também desempenhou papéis com temas mais sérios, como a política, em obras como Dante’s Inferno. Qual destes gostou mais?

Paul Zaloom: Gosto deles igualmente. Eu amo atuar para as crianças no palco e na televisão, assim como é um grande privilégio atuar para adultos no palco e no cinema.

Universo Racionalista: Ao contrário do que muitos imaginam, O Mundo de Beakman também foi um enorme sucesso entre adultos. Até qual ponto esse resultado pode ter vindo pelo fato de que esses adultos foram crianças refreadas e viram em seu programa algo inovador?

Paul Zaloom: Eu não sei o que você quis dizer com crianças refreadas. De qualquer modo, aqui vai uma resposta: 52% da audiência (do Mundo de Beakman) nos Estados Unidos era composta por adultos. Por quê? Porque os adultos sabiam que podiam entender a ciência no programa já que era destinado às crianças. Nós não podemos nos intimidar pelo que nós entendemos como dificuldade para entender a ciência. Sabemos que um programa infantil poderia deixá-la, ao menos, mais compreensível. Inúmeros adultos me dizem que esse era o motivo pelo qual assistiam o programa, assim como pelo humor esquisito e pelo seu estilo visual estranho.

Nota: Após a resposta, expliquei a Paul o que quis dizer com refreadas: pessoas que durante a infância eram privadas pelos pais, por exemplo, de efetuar experiências científicas, semelhantes às que o próprio Zaloom executava em O Mundo de Beakman. A pergunta seguinte foi baseada nessa observação.

Universo Racionalista: Carl Sagan dizia que “Todas as crianças nascem cientistas, com uma curiosidade inata pelo mundo à sua volta, aplicando um método de tentativa e erro. No entanto, os adultos refreiam essa curiosidade científica inata das crianças. Algumas, poucas, passam pelo sistema de aprendizagem, e continuam entusiasmadas e maravilhadas com o conhecimento científico”. O que pensa sobre essa afirmação?

Paul Zaloom: Penso que é absolutamente verdadeira. E penso que poderíamos facilmente trocar a palavra “cientista” pela palavra “artista”. O problema com nossa educação nos Estados Unidos é o fato dela ser muito focada no que é indicado nos testes e assim por diante. Mas o verdadeiro objetivo da educação é nos ensinar a pensar, tirar conclusões, para criar soluções, ser imaginativo e criativo, intelectualmente corajosos.

Universo Racionalista: Aliás, por falar em crianças, há uma pergunta inevitável… Você era um bom aluno?

Paul Zaloom: Na maior parte do tempo.

Universo Racionalista: Você é graduado “bonequeiro” (manipulador de marionetes) pela Goddard College. Li, entre algumas coisas, que você entregou apenas um trabalho por lá. E que ninguém se preocupava com um cara que praticava tiro no pátio da faculdade. Foi uma faculdade diferente das outras, não é?

Paul Zaloom: A Goddard College certamente foi um lugar bem maluco. Poderia compartilhar algumas histórias contigo, mas suspeito que você não iria acreditar na maioria delas. No entanto, tive uma grande educação porque me deixavam trabalhar com meus próprios objetos, podendo criar uma vertente educacional que resultou no meu aprendizado de manipulação de marionetes e em habilidades para o teatro, tais quais faço uso hoje.

Universo Racionalista: Você já afirmou que poucas vezes foi reconhecido como o intérprete de Beakman nas ruas. Mas quando você coloca jaleco verde e peruca a situação é bem diferente. Pessoas afirmam que seu personagem influenciou até na escolha da profissão delas. Esperava que um programa de televisão tivesse tamanha influência na vida dessas pessoas?

Paul Zaloom: Não, eu sempre fico muito surpreso quando as pessoas dizem que são cientistas por minha causa. Enquanto gravávamos O Mundo de Beakman, não tínhamos a menor ideia que teria esse tipo de impacto. Eu percebi que estávamos ensinando um pouco de ciência e dando ao público umas boas risadas. Nunca me ocorreu que poderíamos influenciar a vida das pessoas. Isso veio como um grande e bastante agradável choque para mim, e eu sou eternamente grato de ter a oportunidade de influenciar as escolhas das pessoas com relação às carreiras que elas iriam escolher.

Rafael Ligeiro

Rafael Ligeiro

Jornalista e publicitário, atua em Comunicação desde 2002. Com mais de 400 artigos sobre diversos segmentos publicados no Brasil e no Exterior, escreve sobre astronomia para os sites AstroPt e Universo Racionalista, além da revista da Associação Brasileira dos Planetarios (ABP), a Planetaria. Fascinado por ciência desde a infância, é fã de documentários como O Universo e Cosmos.