Publicado na Phys
“Cristais Temporais” pode soar mais como algo vindo a ficção científica, tendo mais a ver com viagem temporal ou Dr. Who. Estes estranhos materiais – nos quais os átomos e as moléculas estão organizados através do espaço e do tempo – são de fato muito reais, e estão abrindo novas formas de se pensar sobre a natureza da matéria. Eles também podem eventualmente ajudar a proteger informações em aparelhos futurísticos conhecidos como computadores quânticos.
Dois grupos de pesquisadores da Harvard University e da University of Maryland reportaram em 9 de Março no periódico Nature que conseguiram com sucesso criar cristais temporais usando teorias desenvolvidas na Princeton University. A equipe de Harvard incluía cientistas da Princenton que tiveram papéis fundamentais em criar a compreensão teórica que levou à criação dos exóticos cristais.
“Nosso trabalho descobriu a essência física de como cristais temporais funcionam” disse Shivaji Sondhi, um professor de Física da Princeton. “Além disso, a descoberta se apoia em uma série de avanços na Princeton que aborda a questão de como nós entendemos sistemas complexos dentro e fora de equilíbrio, o que é importantíssimo para os físicos explicarem a natureza do dia-a-dia”.
Em 2015, Sondhi e seus colegas incluindo a então graduanda Vedika Khemani, que obteve seu PhD na Princeton em 2016 e agora é uma pesquisadora junior em Harvard, bem como colaboradores Achilleas Lazarides e Roderich Moessner no Max Panck Institute For The Physics of Complex Systems na Alemanha, publicaram as bases teóricas de como cristais temporais – de início considerados impossíveis – poderiam realmente existir. Publicados no periódico Physics Review Letters em Junho de 2016, o artigo iniciou a discussão sobre como criar tais cristais.
Cristais comuns como diamantes, quartzo e gelo são feitos de moléculas que espontaneamente se arranjam em padrões tridimensionais ordenados. Em adição aos padrões que se repetem no espaço, os cristais temporais contém um padrão que se repete ao longo do tempo. Um jeito de fazer isso acontecer é se os átomos do cristal se moverem em um certo ritmo. Se um cristal temporal de gelo existisse, todas as moléculas de água vibrariam à uma frequência idêntica. Além disso, as moléculas fariam isso sem nenhuma interferência do mundo externo.
O conceito de cristais temporais se originou com o físico Frank Wilczek no Massachusetts Institute of Technology. Em 2012, o laureado do prêmio Nobel e ex-membro da Princeton estava pensando sobre as similaridades entre o espaço e o tempo. Em linguagem física, diz-se que cristais “quebram a simetria translacional do espaço” porque os átomos se juntam em padrões rígidos ao invés de serem distribuídos igualmente, como são em líquidos ou gases. Não deveriam, portanto, haver cristais que quebram a simetria temporal?
“Os átomos se movem no tempo, mas ao invés de se moverem em uma forma fluida ou contínua, eles se movem de uma maneira periódica” disse Sondhi. “Era uma ideia interessante”. Também era uma ideia que levou à acalorados debates nos periódicos de Física sobre se esses cristais poderiam ou não existir. A conclusão inicial parecia indicar que não, ao menos não da forma que Wilczek visualizou.
Sondi e Khemani estavam pensando sobre um problema completamente diferente em 2015 quando eles criaram a teoria de como cristais temporais poderiam existir. Eles estavam explorando questões sobre como átomos e moléculas se estabelecem, ou atingem o equilíbrio, para formar estados da matéria como sólido, líquido e gasoso.
Era conhecimento comum entre os físicos que eventualmente todos os sistemas eventualmente se estabelecem, mas trabalhos nas últimas décadas desafiaram essa noção, especificamente dentre átomos em temperaturas muito baixas onde as regras da física quântica se aplicam. Foi percebido que existem sistemas que nunca atingem o equilíbrio por causa de um fenômeno chamado “localização de muitos corpos”, que ocorre devido ao comportamento de muitos átomos em um sistema quântico desordenado que estão influenciando uns aos outros.
O trabalho nessa área é uma longa tradição da Princeton. O primeiro conceito de como sistemas quânticos podem ser localizados quando estão desordenados chamadas Localizações de Anderson, advém de um trabalho de Phillip Anderson, um professor da Princeton e laureado do Nobel, em 1958. Esse trabalho se estendeu em 2006 a um sistema de muitos átomos pelo então professor da Princeton Boris Altshuler, colega de pós-doutorado Denis Basko, e Igor Aleiner da Columbia University.
Quando estava em sabática na Max Planck Institute for the Physics of Complex Systems na Alemanha, Sondhi e Khemani perceberam que essas idéias sobre como prevenir que sistemas alcancem o equilíbrio permitiriam a criação de cristais temporais. Um sistema em equilíbrio não pode ser um cristal temporal, mas sistemas desequilibrados podem ser criados ao periodicamente “cutucar” – ou “driving” – um cristal ao incidir um laser sobre seus átomos. Para a surpresa dos pesquisadores, seus cálculos revelaram que estimular periodicamente átomos que se encontravam em fases localizadas de muitos corpos em desequilíbrio faria os átomos se moverem em um ritmo duas vezes mais lento – ou com o dobro do período – que o inicial.
Para explicar, Sondhi comparou o “driving” de sistemas quânticos à apertar periodicamente uma esponja. “Quando você libera a esponja, você espera que ela retorne ao seu formato original. Imagine agora que ela só volta ao seu formato a cada segundo apertão, mesmo que você aplique a mesma força cada vez. É isso que o nosso sistema faz” ele disse.
Pesquisador pós-doutorando da Princeton Curt von Keyserlingk, que contribuiu com trabalho teórico adicional com Khemani e Sondhi, disse “Nós explicamos como sistemas de cristais temporais se travam nas oscilações persistentes que significam uma ruptura espontânea da simetria translacional do tempo.” Trabalhos adicionais por pesquisadores da Microsoft’s Station Q e da University of california-Berkeley levaram à uma posterior compreensão dos cristais temporais.
Como resultado desses estudos teóricos, dois grupos de pesquisadores começou a tentar criar estes cristais temporais em laboratório. A equipe de Harvard, que incluia Khemani em Harvard e von Keyserlingk na Princeton, utilizou um setup experimental que envolvia criar uma rede artificial em um diamante sintético. Uma abordagem diferente na universidade de Maryland utilizou uma cadeia de partículos carregadas chamadas de íons ytterbium. Ambas as equipes publicaram seus trabalhos essa semana na Nature.
Ambos os sistemas demonstraram a emergência de comportamento temporal cristalino, disse Christopher Monroe, físico que liderou a equipe em Maryland. “Apesar de quaisquer aplicações para este trabalho ainda serem um futuro distante, esses experimentos nos ajudam a aprender algo sobre o funcionamento interno desse estado quântico muito complexo”, ele disse.
A pesquisa pode eventualmente levar à ideias sobre como proteger informação em computadores quânticos, que podem ser perturbados por interferência do mundo externo. Localização de muitos corpos pode proteger a informação quântica, de acordo com uma pesquisa publicada em 2013 pela equipe de Princeton. A pesquisa também esclareceu maneiras de proteger fases topológicas da matéria, pesquisa pela qual F. Duncan Haldane, da Princeton, recebeu o Nobel de Física de 2016.
Sandhi disse que o trabalho aborda algumas das questões mais fundamentais sobre a natureza da matéria. “Achava-se que se um sistema não se estabelecer e atingir o equilíbrio, você não poderia realmente dizer que estava em um estado da matéria. É um grande acontecimento quando você consegue dar uma definição de estado da matéria onde a matéria não está em equilíbrio”, ele disse.
Esse cenário fora de equilíbrio permitiu a realização de novas e empolgantes fases da matéria, de acordo com Khemani. “A criação de cristais temporais nos permitiu adicionar uma entrada no catálogo de possíveis ordens do espaço-tempo que anteriormente se julgava impossíveis” Khemani disse.
O artigo “Observation of discrete time-crystalline order in a disordered dipolar many-body system” and “Observation of a discrete time crystal” foram publicados em 9 de Março na Nature.