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Pesquisadores descobrem como o estresse agudo pode fazer o cabelo ficar branco

Karina Toledo
Publicado na Agência FAPESP

Eles costumam surgir de forma tímida lá pela terceira década de vida e, gradualmente, vão conquistando toda a cabeça. Para a maioria das pessoas, somente por volta dos 50 anos de idade torna-se impossível disfarçar os cabelos brancos sem uma visita mensal ao salão.

No entanto, relatos médicos sugerem que o processo de despigmentação capilar – ou canície, no jargão científico – pode ocorrer de modo bem mais acelerado sob condições de estresse intenso e persistente ou depois de um grande trauma. Alguns historiadores especulam que tal fenômeno acometeu a rainha Maria Antonieta quando, no auge da Revolução Francesa (1793), soube que seria levada à guilhotina.

“Há muito se diz que o estresse faz o cabelo ficar branco. Mas, até o momento, essa afirmação não tinha base científica. Comprovamos neste estudo que o fenômeno de fato ocorre e identificamos os mecanismos envolvidos. Além disso, descobrimos uma forma de interromper o processo do branqueamento por estresse”, contou Thiago Mattar Cunha, integrante do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP).

A pesquisa foi conduzida em parceria com um grupo da Harvard University (Estados Unidos) coordenado pela professora de biologia regenerativa Ya-Chieh Hsu. Os resultados acabam de ser divulgados na revista Nature.

Cunha recorre ao termo serendipity para se referir aos achados recém-publicados. A palavra, de origem inglesa, alude a uma situação em que algo muito interessante ou valioso foi descoberto por acaso, de forma inesperada.

“Fazíamos um estudo sobre dor em camundongos da linhagem Black-C57, cuja pelagem é negra. Nesse modelo, administramos uma substância chamada resiniferatoxina para ativar um receptor expresso nas fibras nervosas sensoriais e induzir uma sensação dolorosa intensa”, contou o pesquisador. “Cerca de quatro semanas após a injeção sistêmica da toxina, um aluno de doutorado observou que os animais estavam com os pelos completamente brancos.”

O experimento foi repetido algumas vezes, até que o grupo da USP se convenceu de que o embranquecimento dos fios havia de fato sido causado pela aplicação da substância química extraída da planta Euphorbia resinifera, muito parecida com um cacto.

“Aventamos a hipótese de que a despigmentação dos pelos seria resultado do estresse induzido pela dor. Idealizamos, então, um experimento muito simples para verificar se o fenômeno era dependente da ativação das fibras nervosas simpáticas”, contou Cunha.

Como explicou o pesquisador, o sistema nervoso simpático guarda uma relação íntima com o estresse. Essa divisão do sistema nervoso autônomo – composta por inervações que correm ao lado da medula espinhal – controla as respostas do organismo a situações de perigo iminente. Por meio de uma onda de adrenalina e cortisol, o sistema nervoso simpático faz o coração bater mais rápido, a pressão arterial subir, a respiração acelerar e as pupilas dilatarem, entre outros efeitos sistêmicos que visam preparar o corpo para “lutar ou correr”.

“Depois de injetarmos a resiniferatoxina nos camundongos, tratamos os animais com guanetidina, um anti-hipertensivo capaz de inibir a neurotransmissão pelas fibras simpáticas. Observamos que o processo de embranquecimento capilar foi bloqueado pelo tratamento”, contou Cunha.

Em outro experimento, a neurotransmissão foi interrompida pela remoção cirúrgica das fibras simpáticas dos roedores. Também nesse caso, a despigmentação capilar não ocorreu nas semanas que seguiram o procedimento para indução da dor.

“Esses e outros testes conduzidos em nosso laboratório demonstraram a participação da inervação simpática no processo de embranquecimento do pelo e confirmaram que a dor atua, nesse modelo, como um potente estressor. Contudo, ainda era preciso detalhar os mecanismos envolvidos”, relatou.

Inervação simpática, em magenta, ao redor de células-tronco melanocíticas, em amarelo. Imagem: Hsu Laboratory / Harvard University.

Sincronia

Entre os anos de 2018 e 2019, Cunha passou um período como professor visitante em Harvard com bolsa oferecida pelo programa Capes-Harvard, uma parceria da instituição americana com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Ao conversar com colegas, soube que um grupo local havia feito descobertas semelhantes às de seu grupo na USP, também de forma acidental.

“A professora Hsu me convidou para integrar um projeto dedicado a investigar o fenômeno mais detalhadamente. Ela é uma referência no estudo de processos que controlam a diferenciação das células-tronco da pele”, contou Cunha à Agência FAPESP.

Àquela altura, os pesquisadores já sabiam que o estresse associado à dor, de algum modo, causava nos camundongos o “amadurecimento” precoce das células-tronco melanocíticas existentes dentro do bulbo capilar. São elas as responsáveis pela geração de células produtoras de melanina (melanócitos), pigmento que colore os fios.

“Quando somos jovens, essas células encontram-se em um estado indiferenciado – como todas as células-tronco. À medida que envelhecemos, vão gradualmente se diferenciando e, quando o processo se completa, param de produzir os melanócitos. Demonstramos, por diversas metodologias, que uma ativação simpática intensa faz com que o processo de diferenciação progrida muito mais rapidamente. Ou seja, em nosso modelo, a dor acelerou o envelhecimento das células-tronco melanocíticas”, explicou Cunha.

“O impacto prejudicial do estresse que descobrimos está além do que eu esperava”, disse Hsu, coordenadora do grupo em Harvard. “Depois de apenas alguns dias, todas as células-tronco melanocíticas foram perdidas. O dano é permanente.”

Segundo os pesquisadores, a descoberta chama atenção para efeitos colaterais negativos de uma resposta evolutiva protetora. “O estresse agudo, particularmente a resposta de luta ou fuga, é tradicionalmente visto como benéfico para a sobrevivência de um animal. Mas, neste caso, o estresse agudo causou o esgotamento permanente das células-tronco”, disse Bing Zhang, pós-doutorando no laboratório de Hsu e primeiro autor do artigo.

Na avaliação de Cunha, é bem provável que outros sistemas do organismo sofram efeitos equiparáveis ao observado no bulbo capilar em uma condição de estresse intenso. “Ainda não sabemos ao certo quais são as implicações. No momento, investigo com outros colaboradores o efeito da ativação simpática em outras subpopulações de células-tronco”, disse.

Expressão gênica alterada

Uma das análises usadas para mapear os mecanismos que promovem a diferenciação das células-tronco melanocíticas foi o sequenciamento de RNA. A tecnologia permite comparar o perfil de expressão dos genes em camundongos que receberam a injeção de resiniferatoxina (e desenvolveram dor, estresse e despigmentação dos pelos) e em animais injetados apenas com placebo.

“Avaliamos quais genes ficam com a expressão mais alterada após a indução do estresse e um deles nos chamou a atenção: o codificador de uma proteína chamada CDK [quinase dependente de ciclina, na sigla em inglês]. É uma enzima que participa da regulação do ciclo celular”, contou Cunha.

Quando os pesquisadores repetiram o procedimento para indução da dor e, ao mesmo tempo, trataram os animais com um inibidor da enzima CDK, observaram que o processo de diferenciação da célula-tronco melanocítica foi prevenido, assim como o embranquecimento dos pelos.

“Esse dado indica que a enzima CDK participa do processo e pode, portanto, ser um alvo terapêutico futuramente. Se algum dia esse alvo vai chegar a ser usado na clínica ainda é cedo para saber, mas vale ser mais bem explorado”, disse Cunha.

Em outro experimento, os pesquisadores demonstraram que, quando ocorre uma ativação robusta do sistema simpático, as fibras que inervam o bulbo capilar liberam noradrenalina – substância precursora da adrenalina – bem perto das células-tronco melanocíticas.

“Mostramos que a célula-tronco melanocítica expressa a proteína ADRB2 [receptor adrenérgico do tipo beta-2], que é ativada por noradrenalina. E descobrimos que quando ocorre a ativação desse receptor pela noradrenalina a célula-tronco se diferencia”, contou o pesquisador.

Para confirmar o achado, os cientistas repetiram o experimento em camundongos geneticamente modificados para não expressar a proteína ADRB2. Como suspeitavam, mesmo com a injeção de resiniferatoxina a pelagem dos animais nocaute para o receptor adrenérgico (nos quais esse gene foi silenciado) não sofreu alteração.

“Em outro teste, injetamos noradrenalina diretamente na pele do camundongo e, em consequência, os pelos ao redor do local da aplicação perderam a cor”, disse Cunha.

Por último, o grupo tratou in vitro uma cultura primária de melanócitos humanos (células produtoras de melanina obtidas diretamente da pele de um voluntário) com noradrenalina, a mesma substância liberada pelas fibras nervosas simpáticas no bulbo capilar. O resultado foi um aumento na expressão da proteína CDK semelhante ao observado nos camundongos.

De acordo com Cunha, ainda não se sabe se os achados da pesquisa terão, no futuro, alguma implicação estética, como o desenvolvimento de um fármaco capaz de impedir o embranquecimento do cabelo associado ao envelhecimento. “É preciso avaliar, por exemplo, se eventuais efeitos colaterais de um inibidor de CDK valeriam o benefício estético”, ponderou.

O artigo Hyperactivation of sympathetic nerves drives depletion of melanocyte stem cells, de Bing Zhang, Sai Ma, Inbal Rachmin, Megan He, Pankaj Baral, Sekyu Choi, William A. Gonçalves, Yulia Shwartz, Eva M. Fast, Yiqun Su, Leonard I. Zon, Aviv Regev, Jason D. Buenrostro, Thiago M. Cunha, Isaac M. Chiu, David E. Fisher e Ya-Chieh Hsu, pode ser lido aqui.

Agência da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

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