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Pessoas em uma das cidades mais antigas do mundo coloriam os ossos de seus mortos

Por Peter Dockrill
Publicado na ScienceAlert

As extensas ruínas de Çatalhöyük – um vasto e antigo assentamento humano localizado onde hoje conhecemos como Turquia – parecem muito ser precursoras da metrópole moderna de hoje. No entanto, ao longo de 9.000 anos, os tempos certamente mudaram.

Çatalhöyük, muitas vezes descrita como uma das cidades mais antigas do mundo, foi um dos maiores assentamentos neolíticos da Anatólia, abrigando até 8.000 pessoas em seu auge, após sua fundação em aproximadamente 7100 a.C.

Mas enquanto esta cidade extensa do passado compartilha muitas semelhanças com os centros urbanos modernos, contrastes marcantes também são aparentes.

Marca de mão pintada na parede. Créditos: Jason Quinlan / Çatalhöyük Research Project.

Uma das mais óbvias: Çatalhöyük não tinha ruas. As habitações eram construídas lado a lado, de modo que a única maneira de entrar nos edifícios era descer pelo telhado.

Uma vez lá dentro, mesmo que ninguém estivesse por perto, você não estava sozinho. As pessoas de Çatalhöyük enterravam seus mortos dentro de suas casas, debaixo do chão.

“Os adultos eram mais frequentemente colocados em uma posição flexionada, localizada abaixo das plataformas norte e leste da sala central”, explica uma equipe de pesquisadores, liderada pela principal autoral e arqueoantropóloga Eline Schotsmans, da Universidade de Bordeaux, na França, em um novo estudo analisando as práticas funerárias da antiga Çatalhöyük. “Perinatos, neonatos e bebês foram enterrados em locais mais variados dentro da casa”.

A localização do sepultamento não era o único costume incomum para nossos padrões ocidentais modernos. Os esqueletos de Çatalhöyük às vezes eram pintados ritualisticamente antes do enterro, embora muito tenha permanecido desconhecido sobre as especificidades dos pigmentos usados ​​– e o simbolismo de suas cores.

No novo estudo, Schotsmans e colegas pesquisadores examinaram os restos esqueléticos de antigos indivíduos de Çatalhöyük, mais de 800 dos quais foram escavados desde o início dos anos 1990; a equipe também analisou os pigmentos usados ​​neles (ou em itens de sepultamento associados) com um espectrômetro de fluorescência de raios-X.

Detalhe da linha de cinábrio no crânio do indivíduo do sexo masculino. Crédito: Marco Milella.

Em última análise, apenas uma pequena minoria dos mortos de Çatalhöyük (cerca de 6 por cento dos indivíduos estudados aqui) foram tratados diretamente com pigmentos, enquanto 11 por cento apresentavam pigmento em itens enterrados com o falecido, como conchas, tigelas, cestas e objetos de osso pintados.

Os pigmentos aplicados aos restos esqueléticos eram sempre de cor vermelha (geralmente no crânio), sendo o ocre vermelho o pigmento mais comumente usado. Mais homens do que mulheres receberam tratamento direto com pigmento, e os adultos também eram ligeiramente mais propensos do que as crianças a serem pintados.

Pigmentos menos comuns parecem ter refletido a identidade social do falecido, observam os pesquisadores, com o cinábrio (uma forma vermelha de sulfeto de mercúrio) reservado em grande parte para os homens, e pintado diretamente no osso ou absorvido de faixas vermelhas que os homens usavam na cabeça enquanto estavam vivos ou quando enterrados após a morte.

Enquanto isso, os pigmentos azuis e verdes em itens funerários eram limitados apenas a mulheres e crianças.

“Essas cores às vezes têm sido associadas a conceitos de crescimento, fertilidade e maturação, que são abstrações que podem estar relacionadas à transição para a agricultura”, escreveram os pesquisadores, embora apontem que o tamanho limitado da amostra dos corantes encontrados até agora limita nossa capacidade de interpretar as descobertas.

O que está claro, no entanto, é que há algum tipo de ligação entre o número de sepultamentos dentro de uma residência e as camadas de pintura encontradas nas paredes acima do túmulo.

“Isso significa: quando enterravam alguém, também pintavam nas paredes da casa”, disse o pesquisador sênior e antropólogo Marco Milella, da Universidade de Berna, na Suíça.

Pintura geométrica da parede dentro da residência. Créditos: Jason Quinlan / Çatalhöyük Research Project.

Além da questão do pigmento, nem todos em Çatalhöyük foram enterrados da mesma maneira, ou talvez nem sepultados foram. Entre os restos humanos encontrados na cidade antiga, alguns nunca foram perturbados desde os tempos neolíticos, enquanto outros sofreram interferência da atividade neolítica subsequente, com evidências de esqueletos desarticulados ou ossos isolados.

Isso poderia significar que elementos esqueléticos foram desenterrados às vezes na antiga Çatalhöyük, com os ossos de indivíduos falecidos servindo de alguma forma como um papel simbólico na comunidade, antes de serem enterrados novamente.

“Outros indivíduos, como corpos completos ou elementos esqueléticos soltos, permaneceram na comunidade”, escreveram os pesquisadores. “Estes elementos esqueléticos circulantes acabaram por ser depositados em contextos de deposição secundários ou terciários, o que também pode ter sido associado à criação de pinturas arquitetónicas de forma indireta”.

Para que isso serviu, é impossível saber com certeza, mas os pesquisadores dizem que o uso contínuo de restos humanos escavados dentro da comunidade pode ter sido uma maneira de manter viva a memória dessas pessoas, por assim dizer.

“De acordo com antropólogos socioculturais, a memória coletiva é transmitida de geração em geração por meio da repetição de ações passadas e por associação direta de objeto à memória”, explicaram os pesquisadores. “Os sepultamentos intramurais podem ter sido parte de processos de retenção de memória, com cada sepultamento contribuindo para a memória comunitária, mantendo o falecido próximo ao ritmo diário de atividades domésticas repetidas”.

Os resultados foram publicados em Scientific Reports.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.