Traduzido por Julio Batista
Original de Jake Buehler para o Gizmodo
Cerca de 20 a 40 milhões de anos atrás, os entelodontes – animais imensos, com dentes tortos e semelhantes a porcos – trotavam pela Eurásia e América do Norte. Mas, apesar de suas mandíbulas de 1 metro cravejadas com um número assustador de dentes triangulares, esses pesadelos ambulantes aparentemente tinham uma dieta tipicamente suína.
Novas descobertas, publicadas recentemente na revista Paleogeography, Paleoclimatology, Paleoecology, ajudaram a esclarecer os hábitos alimentares desses estranhos mamíferos extintos e alguns de seus parentes mais próximos, revelando pistas sobre o mundo em mudança que habitavam.
Os pesquisadores agora entendem que mamíferos como baleias e hipopótamos têm um parentesco evolutivo próximo. Mas o registro fóssil mostra que esses grupos já compartilharam o planeta com várias famílias agora extintas, algumas das quais eram muito estranhas. Havia antracoterídeos, que eram como “hipopótamos-salsicha” com cabeças estreitas e esticadas. Havia também aqueles entelodontes com parentescos suínos: porcos de aparência ‘demoníaca’ do tamanho de um búfalo com maçãs do rosto largas e espalhadas, vagando o mundo sobre pernas incrivelmente atléticas.
“Eles têm uma morfologia muito estranha. Eles são como uma combinação de animais diferentes”, disse Florent Rivals, paleoecologista evolutivo do Instituto Catalão de Paleoecologia Humana e Evolução Social na Espanha, citando características de crânios e dentes de entelodontes que se assemelhavam aos de porcos e mamíferos carnívoros.
Entelodontes e antracoterídeos não são bem compreendidos, disse Rivals, particularmente no que diz respeito à sua dieta. Os entelodontes parecem ter muito em comum com os porcos onívoros, por exemplo, mas também foram imaginados como predadores em potencial, rondando as florestas e planícies em busca de animais vulneráveis como uma espécie de urso-pardo. Outras hipóteses sugeriam que os enormes protoporcos estavam entre os maiores necrófagos de seu tempo, possivelmente até se assemelhando ao comportamento das hienas e usando suas mandíbulas para esmagar ossos. A ideia de que esses porquinhos comiam rosbife e tudo que bem quisessem ajudou a criar apelidos como “porco-do-inferno”, e foi até explorada em uma série de documentários sobre a natureza.
Para ajudar a esclarecer o que os entelodontes e antracoterídeos realmente comiam, Rivals e seus colegas examinaram os dentes fossilizados de antracoterídeos e entelodontes que viveram no sul da França há cerca de 30 milhões de anos durante a época do Oligoceno. Os alimentos que os animais comem deixam buracos microscópicos e arranhões na superfície de um dente. Esses padrões de “microdesgaste” podem ajudar os pesquisadores a saber quais alimentos um animal comeu quando estava vivo. Ossos e sementes tendem a deixar caroços, enquanto gramíneas e folhagens geralmente deixam arranhões, explicou Benjamin Burger, paleontólogo da Universidade Estadual de Utah em Vernal, EUA, não envolvido nesta pesquisa.
A equipe comparou os padrões de microdesgaste nos dentes fossilizados com um banco de dados de padrões de outros mamíferos com dietas conhecidas, como javalis, ursos, leões, hipopótamos e cavalos.
Antracoterídeos, por exemplo, pareciam desfrutar de uma dieta de quase tudo à base de plantas, tendo semelhanças com mamíferos que pastam e comem frutas.
Em vez de se agruparem com onívoros carnívoros como os ursos, os padrões dos entelodontes eram mais semelhantes aos vistos nos javalis e queixadas modernos. “Poderíamos descartar [a hipótese do] comportamento carnívoro”, disse Rivals. As criaturas também não pareciam ter o hábito de comer ossos.
Isso significa que os porcos-do-infernos eram todos de boas e não mordiam ninguém? Não necessariamente. Os porcos modernos comem carne se tiverem oportunidade, e os entelodontes provavelmente também faziam isso.
Os entelodontes ainda teriam, sem dúvida, intimidado os animais em seu tempo. Fisicamente, eles eram essencialmente hipopótamos sobre pernas enormes e finas. Marcas em seus crânios sugerem que eles usaram suas mandíbulas em aberturas de 100 graus, ao estilo dos crocodilo modernos, para morder uns aos outros no rosto durante batalhas.
As descobertas sugerem que ambos os animais viveram em um ecossistema diversificado com acesso a muitos tipos diferentes de fontes de alimento, de acordo com Rivals.
Durante o período em que esses dois mamíferos viveram, disse Burger, o mundo estava passando das condições mornas de estufa do Eoceno para condições muito mais frias do Oligoceno. Isso causou extinções e grandes mudanças na composição dos ecossistemas. Ser capaz de comer uma mistura de tudo poderia ter sido uma característica chave de sobrevivência.
“Os antracoterídeos e os entelodontes eram flexíveis o suficiente em sua dieta para serem capazes de viver em um mundo mais frio do início do Oligoceno e se tornarem bem-sucedidos”, disse Burger.
Rivals quer saber se outros entelodontes e antracoterídeos que viveram em outras regiões e períodos de tempo apresentam padrões semelhantes de microdesgaste em seus dentes.
Ele observa que os padrões de microdesgaste nos dão dicas sobre a dieta de um animal antes de morrer, mas como o desgaste antigo é eliminado por alimentos consumidos mais recentemente, é difícil saber o que um animal estava comendo no início de sua vida. Existem assinaturas químicas em fósseis, como isótopos estáveis, que podem revelar ainda mais sobre a dieta desses animais.