Por Lee Billings
Publicado na Scientific American
Para Yuri Milner, o russo empresário da internet e bilionário filantropo que financia os mais ricos prêmios científicos do mundo e pesquisas de inteligência extraterrestre, o céu não é o limite – nem o sistema solar. Apoiado pelo físico Stephen Hawking e outras figuras influentes, ontem em Nova York Milner anunciou o seu investimento mais ambicioso: US$100 milhões num programa de pesquisa para enviar sondas robóticas para estrelas próximas dentro de uma geração.
“A história humana é um dos grandes saltos“, Milner disse em um comunicado divulgado pouco antes do anúncio. “55 anos atrás, hoje, Yuri Gagarin se tornou o primeiro ser humano no espaço. Hoje, estamos nos preparando para o próximo grande salto – para as estrelas”.
O “Breakthrough Starshot“, o programa que Milner está apoiando, pretende compactar todos os componentes chave de uma sonda robótica – câmeras, sensores, propulsores de manobra e equipamentos de comunicação – em uma minúscula “nanonave”. Elas seriam pequenas o suficiente para serem impulsionadas a enormes velocidades usando outra tecnologia que o programa pretende ajudar a desenvolver, que inclui lasers agrupados ao longo de quilômetros na Terra capazes de irradiar pulsos de laser de 100 gigawatts tão finos quanto átomos através da atmosfera durante alguns minutos até uma hora, e “velas de luz” que serão carregadas por esses feixes até outras estrelas. Cada fóton de luz transmitirá um ligeiro impulso para a vela e sua carga; no vácuo da microgravidade do espaço, a torrente de fótons desencadeada por um laser na faixa do gigawatt iria empurrar rapidamente a nanonave a velocidades relativistas.
“Sem novos métodos de propulsão nós simplesmente não podemos ir muito longe”, disse Hawking durante o anúncio. “A luz é a tecnologia mais pragmática disponível”.
Acomodadas aos milhares dentro de uma nave-mãe lançada na órbita da Terra, cada nanonave iria desdobrar uma vela e utilizar um pulso de laser para acelerar a 20% da velocidade da luz – cerca de 60 mil quilômetros por segundo. Usando um sofisticado sistema óptico adaptativo de espelhos deformáveis para manter cada pulso coerente e afiado contra os efeitos de borrão da atmosfera, a matriz de laser impulsionaria, talvez, uma nanonave por dia. Cada pulso de laser teria tanta potência quanto a produzida por um ônibus espacial entrando em órbita.
A matriz teria que ser construída em um local seco, de grande altitude no Hemisfério Sul, talvez em um pico no Chile, África do Sul ou mesmo Antártica – em algum lugar onde o Breakthrough Starshots possa ficar de olho nos alvos principais: as estrelas gêmeas de Alpha Centauri, que a 4,37 anos-luz de distância compõem o sistema da estrela vizinha mais próxima à nossa. A NASA já enviou cinco naves espaciais em trajetórias que vão além do nosso sistema solar, mas mesmo a mais rápida delas exigiria mais de 30 mil anos para chegar a Alpha Centauri. A nanonave faria esse mesmo caminho interestelar em apenas 20 anos. Com nenhuma ferramenta a bordo para desacelerar, elas iriam coletar rapidamente dados sobre quaisquer planetas do sistema Alpha Centauri e envia-los em um feixe de volta para a Terra antes de mergulhar mais fundo na escuridão interestelar e fora do alcance de comunicação.
“Se essa missão for concretizada, ela vai nos dizer tanto sobre nós mesmos quanto sobre Alpha Centauri”, Milner disse na conferência de imprensa.
O Breakthrough Starshot é o projeto mais recente do Breakthrough Initiatives de Milner, um conjunto multidisciplinar de projetos financiados com fundos privados para abordar questões existenciais sobre a vida no universo. No ano passado, também com Hawking, ele anunciou o investimento de US$ 100 milhões na iniciativa de 10 anos Breakthrough Listen, para buscar em mais de um milhão de estrelas e uma centena de galáxias os sinais de civilizações alienígenas, bem como um acompanhamento de US$ 1 milhão para a iniciativa Breakthrough Message para compor potenciais comunicados cósmicos para transmitir a todos os extraterrestres atentos. Assim como o Breakthrough Starshot, que envolve a maior quantia já dedicada exclusivamente para alcançar o voo interestelar, essas outras iniciativas oferecem mudanças semelhantes para os seus respectivos campos – que devido à sua natureza extremamente especulativa, durante muito tempo definharam no interior do financiamento federal para a ciência.
Grandes planos, pequena nave
Um planejamento sério para o projeto começou há cerca de um ano atrás, quando Milner consultou especialistas para considerar opções para viagens interestelares práticas. Um deles era Avi Loeb, astrofísico da Universidade de Harvard e novo presidente do comitê consultivo da Starshots Breakthrough que tem reputação para a realização do trabalho inovador sobre temas de pesquisa não convencionais.
Loeb e seus colegas consultores observaram que já aceleramos partículas subatômicas até perto da velocidade da luz em modernos experimentos de física de partículas, e que quanto menor uma nave espacial é, mais provável que possa viajar a uma velocidade extrema. “Retire um iPhone do seu “casco” e sua interface e componentes eletrônicos – incluindo a câmera e o dispositivo de comunicação – irão pesar cerca de um grama”, diz Loeb. “Isso é quase tudo o que você precisa para uma nanonave, e nós praticamente temos tudo isso agora, graças à miniaturização contínua da eletrônica”.
Depois de avaliar e descartar opções de propulsão tão exóticas quanto foguetes alimentados pela aniquilação de antimatéria ou reações de fusão nuclear, os consultores estreitaram suas considerações para velas de luz alimentadas por lasers, um conceito que remonta à década de 1960. Eles se concentraram num recente trabalho de Philip Lubin, físico da Universidade da Califórnia, Santa Barbara, que estava completando um “roteiro” para o desenvolvimento de uma minúscula espaçonave interestelar movida a laser como parte de um estudo modestamente financiado pela NASA. Com pequenos ajustes, esse roteiro ofereceu um modelo teórico para o Starshot Breakthrough, e Lubin é agora um dos principais cientistas do projeto.
“Há dois eixos para o problema do voo interestelar“, diz Lubin. “Coisas como antimatéria ou foguetes de fusão estão no eixo ‘real’. As leis conhecidas da física nos diz que eles são soluções realistas, mesmo que não saibamos como realizá-los. Coisas como propulsores de dobra e buracos de minhoca estão no eixo ‘imaginário’ – eles são o que eu chamaria de soluções de ficção, porque ninguém sabe como fazê-los“. O conceito de propulsão a laser que Lubin detalhou em seu roteiro está lá no alto do eixo “real”, diz ele, porque “é realista e realizável“.
O roteiro de Lubin estabeleceu uma infinidade de obstáculos que qualquer missão interestelar de propulsão a laser teria de superar, tais como conectar muitos lasers menores em uma matriz de escala quilométrica, construir velas leves, finas e fortes o suficiente para suportar os impulsos de escala gigawatt da matriz, bem como persuadir políticos para permitir a construção de um sistema de laser que poderia, em princípio, ser usado como arma. As sondas também vão precisar transmitir observações para a Terra usando lasers de bordo com apenas alguns watts de potência – um problema que pode ser solucionado usando uma gigante matriz terrestre de laser como receptor. Mas o maior obstáculo de todos é uma simples questão de custos: a um preço atual estimado de aproximadamente US$ 10 por watt de potência do laser, a construção e operação da matriz de 100 gigawatt do Breakthrough Starshots hoje pode custar até US$ 1 trilhão.
Apesar do horror que isso soa, os preços de apenas 10 anos atrás o teria tornado cem vezes mais caro. Impulsionado pela demanda de sistemas de telecomunicações de alta velocidade de consumo, bem como projetos relacionados com a defesa, o custo de tecnologias críticas para uma agregado de lasers gigantesco estão diminuindo em cerca de um fator de 2 a cada 18 meses, diz Lubin. Essas taxas exponenciais de mudança sugerem que em 10 anos o custo do watt cairia de US$ 10 para 10 centavos de dólar. “O Breakthrough Starshot está escolhendo as tecnologias de núcleo para uma ampliação maciça, e olhando para o que impede ou permite essa ampliação” Lubin diz. “Se as coisas ficarem na mesma nos próximos 30 anos em termos de custo por watt, estaremos em apuros”.
De acordo com Loeb, no entanto, outro obstáculo é um fenômeno mais sutil e social: o “fator de riso”, ou a tendência que os novos conceitos têm para sofrerem deboches. “Qualquer revolução na ciência ou tecnologia tem uma fase inicial em que as pessoas riem”, diz Loeb. “Às vezes o riso é inspirado por críticas válidas de um argumento, mas também pode ser porque algo parece muito diferente e estranho …. O que é certo é que a comunidade científica dominante que trabalha em pesquisas que supostamente não deveriam nos fazer rir – pesquisas que têm um fator de riso de zero, digamos – continua cometendo grandes erros rindo das coisas erradas”.
“Somos pessoas sérias,” Loeb continua. “Vamos descobrir se esse projeto é realizável ou não, e se não for, vamos admitir isso e seguir em frente”.
Centauri dos sonhos
Seguindo o roteiro ajustado de Lubin, a maioria dos US$ 100 milhões de Milner destina-se a financiar bolsas de pesquisa para desenvolver soluções para cerca de 20 grandes obstáculos técnicos identificados pelo projeto. Essas soluções deverão possibilitar um sistema protótipo que talvez possa ser construído com algumas centenas de milhões de dólares a mais. A menos que as tecnologias em fotônica e eletrônica continuem as suas tendências de queda de custos e desempenho superior, a montagem de um sistema totalmente funcional exigiria um financiamento na mesma escala dos atuais projetos de ciência mundiais de vários milhões de dólares, como o Large Hadron Collider e Telescópio Espacial James Webb – financiamento que Milner por si só não poderia fornecer. Os governos seriam possíveis patrocinadores; bilionários filantropos seriam outros. Junto com Milner e Hawking, o terceiro membro do conselho de administração do Starshots Breakthrough é Mark Zuckerberg, fundador e CEO do Facebook.
“Isto deve ser visto como um esforço coletivo, porque essa é a única maneira que isso pode ser feito”, diz Milner. “Se pudermos fazer isso durante nossas vidas como esperamos, será muito emocionante, mas se não, vamos passá-lo para a próxima geração – não como uma ideia, mas com um roteiro e tecnologia desenvolvida. Nós não estamos a centenas de anos de distância longe disso – estamos a apenas dezenas de anos…. Estes US$ 100 milhões irá servir nos próximos anos para nos concentrar em cada um dos potenciais problemas que encontramos para o projeto, para ver quão longe nós iremos e se iremos encontrar quaisquer obstáculos”.
Além da atual falta de hardware e financiamento em larga escala, mais um item chave está faltando nos planos do Breakthrough Starshots: ainda não há alvos planetários confirmados em Alpha Centauri. Em 2012, uma equipe de astrônomos europeus anunciaram a descoberta de um planeta do tamanho da Terra em uma órbita de três dias em torno de uma das duas estrelas do sistema, mas uma pesquisa mais aprofundada levantou sérias dúvidas quanto essas alegações. De acordo com o presidente do Breakthrough Initiatives Pete Worden, antigo diretor do Ames Research Center da NASA e atual diretor da Starshot Breakthrough, a organização também está planejando uma segunda iniciativa relacionada com a construção de novos instrumentos em terra e talvez até mesmo um pequeno telescópio espacial para procurar e estudar possíveis planetas em Alpha Centauri. Tais instrumentos e telescópios poderiam ser apontados para outras estrelas próximas, revelando alvos adicionais para viagens interestelares. Em última análise, as nanonaves poderiam explorar muitas outras estrelas, mudando o que fazemos e sabemos em escalas galáticas.
Além de tornar o voo interestelar prático uma realidade, diz Worden, o projeto Starshot também poderia ser aplicado mais perto de casa. O agregado de lasers poderia ser útil para detectar e caracterizar asteroides potencialmente ameaçadores próximos da Terra, e seus muitos espelhos deformáveis poderiam ser reaproveitados para fazer a matriz de um telescópio enorme para recolher a luz das estrelas em vez de criar feixes de laser. Os lasers também poderiam impulsionar nanonaves para rápidos voos rasantes em todos os planetas do sistema solar, enviaria sondas a Marte em poucas horas ou a Plutão em dias por algumas centenas de milhares de dólares por feixe.
“Uma vez que lançarmos essas coisas e capturarmos imagens em close-up de um planeta em torno de outra estrela, começaremos a definir a humanidade como um todo e o futuro dela”, diz Worden. “É algo que, se funcionar, mudará a forma como pensamos sobre nós mesmos como espécie e como planeta”.
Atualmente, o planejamento para o Starshot Breakthrough está mudando a forma como os membros da organização Breakthrough Initiatives veem seus outros projetos relacionados, tais como Breakthrough Listen, o esforço para sintonizar transmissões deliberadas ou inadvertidas de civilizações cósmicas. Se nós podemos procurar planetas potencialmente habitáveis em outros sistemas estelares e usar lasers para enviar naves espaciais em miniatura para investigá-los, não há nenhuma razão para supor que nós somos os únicos na Via Láctea fazendo isso. A nave espacial seria essencialmente invisível: uma sonda interestelar com cerca de 1g atravessando a atmosfera superior da Terra a 20% da velocidade da luz liberaria cerca de um quilotons de energia, indistinguível dos deslocamentos de ar produzidos por rochas espaciais que atingem nosso planeta cerca de uma vez por ano. A luz dos lasers para a propulsão de tais sondas pode ser detectada. A maioria dos esforços do Breakthrough Listen busca sinais de extraterrestres tagarelas conversando via ondas de rádio, mas o projeto também financia pesquisas para quaisquer reflexos de luz de laser vindas do espaço interestelar.
No discurso preparado para a conferência de imprensa de terça-feira, Stephen Hawking explicou que seu apoio ao projeto tem mais a ver com sobrevivência do que com ciência. “A Terra é um lugar maravilhoso, mas pode não durar para sempre”, diz Hawking. “Mais cedo ou mais tarde, teremos que olhar para as estrelas. O Breakthrough Starshot é um primeiro passo muito emocionante nessa jornada”.
Loeb concorda. “Em algum momento, teremos que encontrar alternativas a viver na Terra, e como acontece com qualquer grande viagem, isso tem que começar com um primeiro pequeno passo – você não pode simplesmente desistir”, diz ele. “Lembre-se do que Oscar Wilde disse: ‘Estamos todos na sarjeta, mas alguns de nós estão olhando para as estrelas’. Quando eu olho para as estrelas à noite, elas parecem luzes em um veleiro gigante através do espaço. E toda vez eu me faço a mesma pergunta: há outros passageiros neste navio gigante, perto daquelas luzes? Se este projeto se concretizar, gostaríamos de visitá-los e descobrir”.