Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert
Os violentos raios de eletricidade que atingiram uma duna de areia em Nebraska, EUA, deixaram para trás um arranjo de cristal raramente encontrado na natureza.
Dentro de um pedaço de fulgurito – ou ‘relâmpago fossilizado’ – criado por um poderoso raio de eletricidade atravessando e fundindo a areia, cientistas encontraram um quasicristal, um arranjo de matéria que antes se pensava ser impossível.
Esta descoberta sugere que existem meios de formação previamente desconhecidos para quasicristais, abrindo novos caminhos para sua síntese em laboratório.
“A investigação atual foi projetada para explorar um possível mecanismo diferente inspirado na natureza para gerar quasicristais: descarga elétrica”, escreveu uma equipe de pesquisadores liderada pelo geólogo Luca Bindi, da Universidade de Florença, na Itália, em seu paper.
“A descoberta de um quasicristal em um fulgurito com simetria de 12 dobras raramente observada e uma composição não relatada anteriormente indica que essa abordagem também pode ser promissora em laboratório.”
A maioria dos sólidos cristalinos na natureza, desde o humilde sal de mesa até os diamantes mais duros, segue o mesmo padrão: seus átomos estão arranjados em uma estrutura de treliça que se repete no espaço tridimensional.
Os sólidos que não têm essas estruturas atômicas repetidas – sólidos amorfos como o vidro – geralmente são uma bagunça atômica, uma confusão de átomos misturados sem ordem.
Os quasicristais se destacam, porém – seus átomos são arranjados em um padrão, mas esse padrão não se repete.
Quando a ideia de quasicristais surgiu pela primeira vez na década de 1980, o conceito era considerado impossível. Os sólidos podem ser cristalinos ou amorfos, não esse meio-termo estranho. Mas então os cientistas realmente os encontraram, tanto no ambiente de laboratório quanto na natureza, nas profundezas de meteoritos.
Desde então, os cientistas determinaram que os quasicristais na natureza só podem se formar sob condições extremas, com choque, temperatura e pressão incrivelmente altos.
Impactos de meteoritos em hipervelocidade são um desses cenários; na verdade, por muito tempo, foi o único ambiente em que eles foram encontrados na natureza e, portanto, provavelmente o único lugar em que poderiam ocorrer.
Então Bindi e seu colega, o físico Paul Steinhardt, da Universidade de Princeton, junto com sua equipe, encontraram um quasicristal forjado durante um teste de bomba nuclear em 1945. Embora não sejam exatamente condições “naturais”, a descoberta sugere que pode haver outras configurações nas quais os quasicristais podem se formar.
O relâmpago é uma das forças mais poderosas da natureza, atingindo o solo com extrema velocidade, e pode aquecer o ar que atravessa até 5 vezes a temperatura da superfície do Sol.
E, quando atinge o solo no lugar certo com força suficiente, pode derreter a areia, deixando para trás um fulgurito – um ‘fóssil’ da trajetória que percorreu no solo.
Todos os ingredientes estão lá: choque, temperatura e pressão. Então Bindi, Steinhardt e seus colegas começaram a investigar fulguritos em busca de quasicristais.
Eles obtiveram uma amostra de fulgurito da região de Sandhills de Nebraska, recuperada de um local próximo a uma linha de energia tombada, e a submeteram a microscopia eletrônica de varredura e microscopia eletrônica de transmissão, para determinar sua composição química e estrutura cristalina.
A amostra consistia em areia fundida e vestígios de metal condutor derretido da linha de energia. Dentro dele, os pesquisadores encontraram um quasicristal dodecaédrico (de doze lados) com a composição anteriormente não relatada Mn72,3 Si15,6 Cr9,7 Al1,8 Ni0,6.
Os átomos neste quasicristal formaram um padrão com uma simetria de 12 dobras, dispostos em uma ordem quasicristalina impossível em cristais normais.
Não está claro se o relâmpago ou a linha de energia foram os responsáveis pela eletricidade que criou o fulgurito; no entanto, com base em sua análise, a equipe determinou que a areia deveria ter sido aquecida a pelo menos 1.710 graus Celsius para criar o fulgurito.
Isso, diddrtsm os pesquisadores, dá pistas sobre como os cientistas poderiam criar quasicristais em laboratório. Quasicristais encontrados em um meteorito sugeriram que a síntese de choque poderia ser uma maneira; o relâmpago oferece novas possibilidades.
“A descoberta de um quasicristal dodecagonal formado por um relâmpago ou linha de energia tombada sugere que os experimentos de descarga elétrica podem ser outra abordagem a ser adicionada ao nosso arsenal de métodos de síntese”, escreveram eles em seu paper.
E a descoberta aponta para o que poderia ser anteriormente negligenciado como meios de formação de quasicristais – tanto na Terra quanto fora dela.
“Os resultados apresentados aqui, juntamente com as abundâncias de oligoelementos medidos em quasicristais naturais, abrem a possibilidade de que a descarga elétrica na nebulosa solar primordial possa ter desempenhado um papel fundamental que não apenas responde pelas condições limitadas necessárias, mas também promove a formação de quasicristais”.
A pesquisa foi publicada no PNAS.