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Rim de porco para uso clínico é transplantado em paciente humano pela primeira vez na história

Por Tessa Koumoundouros
Publicado na ScienceAlert

Pela segunda vez – e a primeira envolvendo um órgão de uso clínico – um rim de porco geneticamente modificado foi transplantado com sucesso em um corpo humano com morte cerebral, em um exemplo marcante de xenotransplante.

Centenas de milhares de pessoas em todo o mundo estão presas em uma espera agonizante por uma doação de órgãos que salvaria vidas. Mas nunca há órgãos humanos suficientes para todos. Muitas pessoas morrem ou ficam doentes demais para receber um transplante enquanto esperam.

Os rins são os órgãos mais procurados, com mais de 800.000 pessoas vivendo com insuficiência renal nos EUA e apenas cerca de 25.000 transplantes por ano. Pesquisadores de todo o mundo trabalham há muito tempo para encontrar uma solução para esse déficit e se voltaram para órgãos de animais para ver se poderiam resolver esse problema.

Agora, graças a anos de trabalho árduo e graças à doação do corpo do receptor do rim, James Parsons, do Alabama (EUA), e à assistência de sua família, essa esperança está mais próxima da realidade.

“O conceito de poder ter um órgão esperando na prateleira pela pessoa que precisa dele é simplesmente notável e emocionante para essa pessoa”, disse o cirurgião-chefe Jayme Locke, da Universidade do Alabama, Birmingham (UAB). “Sinto-me realmente privilegiado por ser apenas uma pequena parte de um quebra-cabeça realmente grande no qual as pessoas trabalham há muitos anos”.

Foram necessárias décadas de progresso gradual para chegar a esse ponto. Na década de 1960, cirurgiões tentaram xenotransplantes de rins de chimpanzés em 13 pacientes com doença renal em estágio terminal, mas, infelizmente, apesar desses animais serem nossos parentes vivos mais próximos, a maioria dos pacientes desesperados morreu em poucas semanas.

Na década de 1980, os pesquisadores propuseram que os órgãos de porco poderiam ser mais adequados devido ao seu tamanho mais próximo dos órgãos humanos, e os avanços na genética nas últimas décadas aumentaram essa possibilidade, com o transplante de rim de porco no ano passado em um humano com morte cerebral por 54 horas.

Para este fim, a UAB criou um extenso programa em 2015 chamado Revicor, que envolveu instalações dedicadas de xenotransplante e equipes multidisciplinares altamente treinadas para avançar clinicamente nesse processo.

“Para obter a aprovação do FDA, temos que ser capazes de demonstrar a eles que podemos realizar o xenotransplante da mesma maneira segura e viável que fazemos todos os dias quando fazemos um alotransplante”, explicou Locke. “A única coisa diferente é que o rim veio de um porco”.

Enquanto a fisiologia que surge da morte encefálica limita a avaliação da função renal, esse experimento, liderado pela cirurgiã da UAB Paige Porrett, permitiu que os pesquisadores entendessem melhor muitos dos riscos envolvidos nessa operação complicada para ajudá-los a desenvolver os primeiros ensaios clínicos de fase I.

Uma das principais barreiras para xenotransplantes bem-sucedidos é enganar nossos sistemas imunológicos para que aceitem esses tecidos estranhos como nossos.

Trabalhos anteriores em primatas não humanos identificaram moléculas de carboidratos na superfície externa do rim de porco que sinalizariam ‘invasores estranhos’ para nossos corpos. Assim, a equipe modificou geneticamente os porcos para não terem esses antígenos.

Eles também modificaram genes para prevenir coágulos sanguíneos e outras reações imunes conhecidas, e o transplante provou que essas modificações eram suficientes para evitar que um corpo humano rejeitasse o órgão do porco a curto prazo.

Os pesquisadores também confirmaram que o rim de porco poderia suportar pressão arterial mais alta que os rins humanos.

Os vírus são outra ameaça para um transplante bem-sucedido, então Porrett e sua equipe tomaram muitas medidas para mitigar isso. Os porcos doadores foram mantidos o máximo livres de patógenos quanto possível, com verificações a cada três meses para 14 infecções, e no período que antecedeu o transplante o doador foi testado todos os dias.

Nenhum sinal de células de porco ou retrovírus de porco foi encontrado no sangue do receptor e, embora os testes tenham sido limitados a apenas 77 horas no experimento, transplantes de outros tecidos de porco mostraram resultados semelhantes após uma duração muito maior.

Embora o procedimento tenha respondido a muitas perguntas, também destacou quais áreas precisam de mais investigação. Por exemplo, ainda não sabemos se um rim de porco sozinho é capaz de sustentar um adulto humano, ou se seriam necessários dois.

Porrett e colegas também suspeitam que as modificações genéticas alteraram a estrutura e, portanto, a função dos rins, o que exigirá mais testes para descobrir quantas diferenças funcionais também se devem à fisiologia da morte cerebral.

“Todos nós da Revivicor estamos maravilhados com as conquistas históricas”, disse o engenheiro genético da UAB, David Ayares. “Estamos confiantes de que este xenorrim pode vir a ser uma solução para salvar a vida de milhares de pessoas em diálise, sujeita à conclusão bem-sucedida de nossos ensaios clínicos e à obtenção da aprovação da FDA nos próximos anos”.

Embora ainda haja um caminho a percorrer, este estudo também estabeleceu a segurança e a viabilidade do uso de pacientes com morte cerebral como modelo para pesquisa pré-clínica. Para homenagear o destinatário e sua família, os pesquisadores propuseram chamá-lo de “O Modelo Parsons”.

“Avançando, o Modelo Parsons pode ser aproveitado para estudar a segurança e viabilidade de todos os tipos de coisas destinadas a melhorar a condição humana, seja um medicamento ou um novo procedimento cirúrgico”, explicou Locke.

Um pai amante de aventuras, James Parsons era um doador de órgãos que sofreu um grave acidente de bicicleta logo após seu aniversário de 57 anos.

“Jim teria querido salvar o máximo de pessoas que pudesse com sua morte, e se ele soubesse que poderia salvar milhares e milhares de pessoas fazendo isso, não teria hesitado”, disse Julie O’Hara, ex-esposa de Jim. “Nosso sonho é que nenhuma outra pessoa morra esperando por um rim, e sabemos que Jim está muito orgulhoso de que sua morte possa trazer tanta esperança para os outros”.

Esta pesquisa foi publicada no American Journal of Transplantation.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.