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Rover detecta assinatura de carbono que sugere fonte de vida passada em Marte

Por Paul Voosen
Publicado na Science

Desde 2012, o rover Curiosity da NASA percorre Marte, perfurando rochas e levando a poeira coletada para um sofisticado laboratório de química a bordo, com o objetivo de descobrir evidências de vida. Hoje, uma equipe de cientistas do rover anunciou um sinal intrigante, que pode ou não ser evidência de vida passada, mas é, no mínimo, surpreendentemente estranho. A equipe descobriu que o carbono preso em um punhado de rochas sondadas pelo rover é dramaticamente enriquecido em isótopos leves de carbono. Na Terra, o sinal seria visto como forte evidência de vida microbiana antiga.

Dado que se trata de Marte, no entanto, pesquisadores estão relutantes em fazer grandes alegações e trabalham duro para levantar explicações alternativas e não biológicas envolvendo luz ultravioleta (UV) e poeira estelar. Mas essas alternativas são, pelo menos, tão absurdas quanto um cenário em que micróbios subterrâneos emitiram o carbono enriquecido como gás metano. A equipe conclui que o estudo “aumenta a plausibilidade” de que os micróbios já existiram no planeta – e ainda podem existir hoje, disse Christopher House, biogeoquímico da Universidade Estadual da Pensilvânia, University Park (EUA), e principal autor do estudo, que foi publicado no Proceedings of the National Academy of Sciences.

Mark Harrison, cientista planetário da Universidade da Califórnia, em Los Angeles (EUA), que não é afiliado à equipe do rover, concorda que o enriquecimento de carbono é uma pista tentadora da vida antiga. Mas, “os autores são adequadamente conservadores”, disse ele, observando que tais assinaturas são debatidas até mesmo na Terra e que explicações não biológicas não podem ser descartadas.

O novo estudo tira proveito de uma visão consagrada pelo tempo: a vida é preguiçosa. O carbono existe em duas formas isotópicas estáveis: carbono-12 “leve”, que compõe a grande maioria do carbono, e carbono-13, que é sobrecarregado por um nêutron extra. Por causa desse nêutron extra, o carbono-13 tende a formar moléculas com ligações um pouco mais fortes. Como resultado, a vida desenvolveu mecanismos que favorecem o carbono-12 mais fácil de dividir, e a maioria das moléculas orgânicas criadas pela vida são enriquecidas em carbono-12. O metano dos arrozais, por exemplo, é enriquecido em carbono leve, em comparação com o metano não biológico das fontes hidrotermais do fundo do mar.

A equipe analisou 24 amostras de rochas diferentes perfuradas durante a jornada do Curiosity pela cratera Gale, que contém os lamitos de um lago antigo. A rocha pulverizada foi aquecida em um forno na parte inferior do rover, que converteu vestígios de carbono presos na rocha em gás metano. O gás foi então sondado por um laser, que revelou a composição isotópica do metano. Os resultados variaram muito, mas em seis locais, a quantidade de carbono-12 para carbono-13 foi mais de 70 partes por mil maior do que um padrão de referência baseado na Terra. “São sinais dramáticos”, disse House. Como os sinais mais fortes vieram de rochas no topo de cumes e outras elevações topográficas na cratera, a equipe acredita que o carbono enriquecido foi de alguma forma depositado fora da atmosfera bilhões de anos atrás, em vez de deixado pelos sedimentos do lago.

Concentrar carbono leve em níveis tão altos pode ter tomado várias etapas. Os pesquisadores preveem a existência passada de micróbios subterrâneos profundos, alimentando-se do carbono leve encontrado no magma marciano e emitindo gás metano. (A atmosfera marciana é pobre em carbono leve, então os pesquisadores a consideram uma matéria-prima microbiana improvável.) Então, outros micróbios na superfície se alimentariam do metano emitido, aumentando ainda mais os níveis de carbono leve e fixando-o no registro fóssil quando morreram.

Ainda assim, o rover não viu vestígios físicos de micróbios antigos, então os pesquisadores dizem que também é possível que micróbios profundos possam ter iniciado o enriquecimento, com a luz UV conduzindo-o pelo resto do caminho. A luz UV pode ter quebrado o metano microbiano, enriquecendo ainda mais seu carbono leve enquanto criava produtos derivados como o formaldeído que eventualmente se depositaria na superfície.

Ou talvez o jovem Sistema Solar, incluindo Marte em formação, tenha passado por uma nuvem interestelar de gás e poeira, o que se acredita acontecer a cada 100 milhões de anos ou mais. O carbono em tal poeira é leve, correspondendo aos níveis vistos pelo Curiosity, a julgar por amostras presas em meteoritos. A nuvem pode ter bloqueado a luz solar e mergulhado Marte em um congelamento profundo, causando glaciação generalizada e impedindo que o carbono leve da chuva de poeira cósmica fosse diluído por outras fontes de carbono. House admite que o cenário requer uma incrível coincidência de eventos, e não há evidência de glaciação na cratera Gale. Mas ele diz que não pode ser descartado.

Mais prosaicamente, alguns estudos sugerem que os raios UV podem gerar o sinal sem a ajuda da biologia. O UV pode reagir com o dióxido de carbono – que compõe 96% da atmosfera marciana – para produzir monóxido de carbono que é enriquecido em carbono-12. Yuichiro Ueno, cientista planetário do Instituto de Tecnologia de Tóquio, disse que confirmou recentemente que o processo pode ocorrer em resultados de laboratório não publicados. “As taxas de isótopos de carbono relatadas são exatamente o que eu esperava”, disse ele.

Ueno disse que Marte em seus primórdios pode ter tido uma atmosfera diferente, talvez rica em hidrogênio, que reagiu com o monóxido de carbono para formar uma série de moléculas orgânicas. Essas acabariam indo parar em solo, depositando a assinatura Curiosity detectada.

Todos esses cenários aconteceriam no passado antigo. Mas o Curiosity também está farejando carbono no ar marciano de hoje. Ele detectou metano, mas em concentrações muito baixas para o rover medir diretamente os níveis de isótopos de carbono. (De maneira confusa, instrumentos sensíveis em órbita não detectam metano). Se carbono leve fosse detectado em uma nuvem mais espessa de metano, isso abriria uma possibilidade ainda mais empolgante, disse House. “Mesmo que estejamos olhando para um processo potencialmente antigo, o metano hoje pode ser da mesma biosfera sustentada até agora”.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.