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Seta do tempo é comprovada em nível molecular

O Universo em que vivemos possui duas propriedades fundamentais e imutáveis: a seta do tempo e o aumento da entropia. Estas propriedades são tão inerentes ao nosso cotidiano que quase nunca paramos para questioná-las.

A seta do tempo é traduzida pelo transcorrer do tempo, que é sempre unidirecional e irreversível, indo do passado em direção ao futuro – e nunca em sentido contrário. Já a entropia tem a ver com a crescente desorganização do Universo, que nasceu simples, num ponto infinitamente pequeno, quente e denso, e começou a se expandir e se desorganizar a partir do Big Bang, formando nuvens de gás, galáxias, estrelas, planetas e, eventualmente, vida, num caminho sem volta.

As propriedades da seta do tempo e do aumento da entropia já foram testadas e confirmadas pelos físicos em diversos ambientes e situações, mas sempre em circunstâncias macroscópicas. No entanto, a seta do tempo, atrelada ao aumento da entropia, jamais foi verificada num ambiente quântico microscópico, vale dizer, atômico ou subatômico. Até agora. No mundo microscópico, a emergência da irreversibilidade intriga os físicos porque as leis da mecânica quântica não têm uma direção preferencial no tempo, ou seja, não distinguem a seta do tempo do seu reverso, qual seja, o retorno ao passado. Essa aparente incompatibilidade entre uma direção preferencial do tempo e a leis microscópicas da Física tem gerado muitos debates ao longo de décadas e promete gerar muitos mais a partir desta pesquisa.

Um artigo recentemente publicado na revista Physical Review Letters detalha os resultados de um experimento pioneiro realizado por físicos brasileiros, irlandeses e alemães. Eles comprovaram, pela primeira vez, que a seta do tempo e sua relação intrínseca com o aumento da entropia também se manifestam em um sistema quântico isolado. Para isso, eles estudaram o comportamento do spin (propriedade magnética similar ao ímã ou a agulha de uma bússola) do núcleo de um único átomo, no caso, o isótopo carbono 13, numa molécula de clorofórmio.

O experimento foi realizado nos laboratórios do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, e os resultados estão associados à pesquisa realizada no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Informação Quântica (INCT-IQ), apoiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Para verificar a emergência da seta do tempo num ambiente microscópico, os pesquisadores usaram um equipamento chamado Espectrômetro de Ressonância Magnética Nuclear (RMN), como explica um coautor da pesquisa, o físico Roberto Menezes Serra, da Universidade Federal do ABC, em Santo André. Como o sistema quântico tem energia muito pequena, a amostra de spins foi preparada a uma temperatura baixíssima.

Os átomos de carbono 13 foram resfriados a alguns bilionésimos de grau acima do zero absoluto, ou seja, – 273,15 graus Celsius. Nessas condições, os núcleos de carbono foram submetidos a um pulso de radiofrequência, cuja intensidade é modulada no tempo a uma frequência de 125 MHz, similar às ondas das emissoras de rádio FM. “A temperatura do nosso sistema é conhecida como temperatura de spin, e o sistema permanece nesse estado por algumas frações de segundo durante o experimento,” diz Serra.

Quando os spins nucleares resfriados interagem com as ondas de rádio, cuja intensidade aumenta, eles mudam de estado, aumentando sua energia interna. Esse aumento acontece rapidamente, fazendo com que parte da energia absorvida pelos spins se apresente de forma desorganizada, como se os spins “tremessem”.

Uma analogia a esse processo seriam os pistões de um motor a combustão, que se movem quando os gases provenientes da explosão do combustível se expandem no cilindro. Quando o pulso de radiofrequência é desligado, parte da energia absorvida pelos núcleos de carbono (aquela na forma desorganizada) precisa ser dissipada no meio ambiente na forma de calor. Quando isso ocorre, o sistema volta ao estado original, chamado de equilíbrio térmico.

Para revelar a seta do tempo, a estratégia do experimento foi ligar e desligar as ondas de radiofrequência num ritmo alucinante, na ordem dos milésimos de segundo. “Fizemos esse processo tão rápido que não dava tempo para o sistema trocar energia (calor) com o meio ambiente”, diz Serra. Foi nessas condições que os pesquisadores detectaram a produção de entropia em um sistema quântico, ou seja, observaram a origem do aumento da entropia no nível microscópico.

Flutuações quânticas

O pesquisadores realizaram o mesmo processo modulando as ondas de rádio de forma reversa, diminuindo a energia das ondas de forma muito rápida e, consequentemente, diminuindo a energia do sistema de spins. Analogamente à compressão da mistura ar/combustível em um pistão do motor a combustão.

Eles compararam então o que acontecia com os núcleos de carbono durante o processo de aumento e diminuição da energia das ondas de rádio, detectando uma diferença sutil entre os dois processos. Ora, se as leis que governam os sistemas quânticos isolados são simétricas no tempo esse processo também deveria ser simétrico, não é mesmo? Não foi isso que o time de pesquisadores constatou. De fato, eles detectaram uma leve assimetria durante o processo de aumento e diminuição da energia no núcleo de carbono. Mas de onde surgiu essa assimetria?

“São as flutuações quânticas”, revela Serra. No mundo microscópico do átomo e das partículas atômicas acontecem coisas bizarras. O vácuo, por exemplo, é tudo menos vazio. Nele podem pipocar a partir do nada partículas subatômicas. Elas surgem e desaparecem sem prévio aviso e como que por encanto. São flutuações quânticas.

No caso do experimento, o que se detectou foi um fenômeno semelhante em que as flutuações estão associadas com as chamadas transições entre estados quânticos do spin nuclear. Para ilustrar tal fenômeno imagine que você está parado segurando um pêndulo. Ele se move de um lado para o outro, certo? Agora digamos que você resolveu dar alguns passos em qualquer direção, sempre segurando o pêndulo em movimento. Ele continua se movendo de um lado para o outro, mas podem ocorrer pequenos movimentos laterais imperceptíveis, ou o pêndulo pode “tremer”, em função do seu caminhar.

Essa é uma analogia para as flutuações quânticas nos spins nucleares quando a intensidade das ondas de rádio muda rapidamente. Foi exatamente isso o que foi observado no experimento.

Trocando em miúdos, o time internacional de pesquisadores pôde constatar a emergência da seta do tempo no ambiente quântico, porque eles detectaram no experimento uma assimetria entre um processo e seu reverso. Essa assimetria tem origem nas transições entre os estados quânticos. É dessa forma que a entropia do sistema aumenta. Eis aí o surgimento da seta do tempo no mundo microscópico.

Mas pra quê serve tudo isto? Quais as aplicações práticas de determinar a seta do tempo em nível quântico? “Nosso grupo de pesquisa tem sido pioneiro nos experimentos em Termodinâmica Quântica”, afirma Serra. “Todo esse esforço é para compreender os fenômenos termodinâmicos em escala microscópica e quântica. Do ponto de vista prático queremos entender os limites da nova tecnologia quântica em microescala.”

Esta é uma das fronteiras da ciência atual. Espera-se, no longo prazo, que dela evoluam tecnologias como a dos computadores quânticos, com potencial muitas vezes superior à computação tradicional. Outro dividendo será a criptografia quântica com códigos invioláveis, cuja segurança pode ser garantida pelas leis da mecânica quântica. “Esta é uma das tecnologias que deverão dominar o cenário do século 21”.

Os resultados do experimento foram publicados no artigo Irreversibility and the Arrow of Time in a Quenched Quantum System (doi:http://dx.doi.org/10.1103/PhysRevLett.115.190601) de T. B. Batalhão, R. M. Serra e outros, publicado pela Physical Review Letters disponível em http://journals.aps.org/prl/abstract/10.1103/PhysRevLett.115.190601.

Por Peter Moon em Agência Fapesp

André Bombonato

André Bombonato

Graduado em Engenharia Agronômica pela Universidade do Estado de Minas Gerais. Mestre em Genética, Melhoramento Vegetal e Biotecnologia pelo Instituto Agronômico de Campinas. Atualmente cursa Doutorado em Genética, Melhoramento Vegetal e Biotecnologia pela mesma Instituição. Trabalho especificamente com Melhoramento Genético do Milho e Genética Quantitativa.