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Sinais de telefonia móvel podem melhorar as previsões meteorológicas

Por Jeff Tollefson
Publicado na Nature

Os meteorologistas há muito tempo têm lutado para conseguir prever tempestades e inundações devido a chuva, mas em breve eles podem fazer grandes progressos graças à propagação do sinal eletromagnético na telefonia móvel. A estratégia se baseia na propriedade física de como água dispersa ou absorve micro-ondas. Em 2006, os pesquisadores demonstraram que poderiam estimar quanta precipitação estava caindo em uma área, comparando as mudanças na intensidade do sinal entre as torres de comunicação[1]. O acesso aos sinais comercias, das empresas de telefonia móvel foi um grande obstáculo pra os pesquisadores, no entanto, a pesquisa conseguiu avançar lentamente. Isso está mudando agora, permitindo experiências em toda a Europa e África.

A tecnologia agora parece pronta para o horário nobre. Isso poderia levar a avisos de inundações e previsões de tempestades mais precisos se os novos dados forem integrados aos modernos modelos de previsão meteorológica. Os proponentes também esperam usar esta abordagem para expandir os serviços meteorológicos modernos nos países em desenvolvimento. A mais nova entrada neste campo é a ClimaCell, uma start-up da cidade de Boston, Massachusetts, que começou suas atividades no último dia 02 de abril. A empresa de 12 pessoas alega que pode integrar dados de sinais de micro-ondas e outras observações meteorológicas para criar previsões de curto prazo mais precisas. Ela diz ser capaz de fornecer previsões de alta resolução com até 3 horas de antecedência e pretende fornecer uma previsão de seis horas nos próximos seis meses. A empresa ainda tem de tornar pública a informação sobre o seu sistema ou publicá-la em revistas com revisão por pares.

A ClimaCell vai começar nos Estados Unidos e outros países desenvolvidos, porém possui planos para se deslocar para países em desenvolvimento, incluindo a Índia ainda este ano.

Os sinais estão em toda a parte, então basicamente queremos cobrir o mundo, diz Shimon Elkabetz, diretor executivo e cofundador da ClimaCell.

Um exemplo de uma previsão de chuva do ClimaCell.

A empresa não é única que pretende usar essa ideia. Ela enfrenta a concorrência de pesquisadores na Europa e em Israel que testaram sistemas em múltiplas escalas, incluindo países e cidades, ao longo dos últimos anos. Os cientistas recentemente formaram um consórcio para avançar a tecnologia usando software em código aberto. Coordenado por Aart Overeem, hidrometeorologista do Instituto Meteorológico Real da Holanda, está buscando cerca de 5 milhões de euros da comissão europeia para criar um protótipo do sistema de monitoramento de chuvas que eventualmente poderia ser criado em toda a Europa e África.

“Há muita evidência de que essa tecnologia funciona, porém ainda precisamos testá-la com grandes conjuntos de dados e redes diferentes em mais regiões”,diz Overeem. Embora o ClimaCell tenha feito declarações ousadas sobre seu programa, Overeem diz que ele não pode rever corretamente a tecnologia da empresa sem acesso a mais dados.

“O fato de uma empresa iniciante e investidores estarem dispostos a colocar dinheiro nessa tecnologia é uma boa notícia, mas acredito que há espaço para todos”,diz Hagit Messer, engenheiro elétrico da Universidade de Tel Aviv, Israel, que liderou o estudo de 2006. Ela faz parte do consórcio de pesquisa liderado por Overeem.

Projetos anteriores de membros do consórcio que testaram a tecnologia tiveram sucesso. Em 2012, por exemplo, Overeem e seus colegas mostraram que a tecnologia poderia ser aplicada a nível nacional usando dados comerciais de microondas nos Países Baixos[2]. E em 2015, o Instituto Meteorológico e Hidrológico da Suécia (SMHI), com sede em Norrköping, lançou em Gotemburgo um protótipo em tempo real do projeto “microweather”. A iniciativa faz cerca de 6 milhões de medidas na cidade todos os dias em parceria com a empresa de telecomunicações Ericsson. O resultado é uma estimativa minuto a minuto da precipitação em um mapa de 500 metros de resolução que engloba a cidade.

Um admirável mundo novo

Jafet Andersson, um hidrologista SMHI, diz que o projeto tem ajudado a avançar a tecnologia.Por exemplo, ele observa que os dados de microondas frequentemente superestimam as chuvas em até 200-300%.Mas a equipe tem trabalhado como corrigir esse viés sem depender de medições de referência de pluviômetros ou radares terrestres. Isto tornará mais fácil estender a tecnologia aos países em desenvolvimento.

“Levará algum tempo, mas estamos no processo de industrializá-lo em uma escala de país, ou mesmo em uma escala global”, afirma Andersson.

Pesquisadores do consórcio implementaram a técnica em países africanos que não têm acesso a radares terrestres e extensas redes de medição de chuva. Uma equipe liderada por Marielle Gosset, hidrologista do Instituto Francês de Pesquisa em Desenvolvimento em Toulouse, demonstrou um sistema de comprovação de conceito em Burkina Faso em 2012[3] e, desde então, se ramificou para outros países, incluindo o Níger.

Trabalhando com a gigante francesa das telecomunicações Orange e com financiamento do Banco Mundial e das Nações Unidas, sua equipe espera expandir-se para Marrocos e começar a usar dados de microondas em tempo real em Camarões este ano.

A tecnologia está atraindo o interesse na África porque os sistemas tradicionais da monitoração do tempo, tais como o radar são demasiados caros, Gosset diz. As previsões meteorológicas baseadas em sinais de microondas dão aos países em desenvolvimento um sistema semelhante, mas por menos dinheiro, diz ela. O acesso a dados comerciais também está ficando mais fácil. Pesquisadores dizem que as empresas de telecomunicações estão começando a ver valor de liberar os dados, e o consórcio planeja criar um repositório central para o processamento da informação. Os cientistas do projeto esperam criar um modelo que permita uma parceria harmoniosa com a indústria.

“Eu acho que esta porta está preste a abrir” diz Andersson.

Referências e leituras

[1] Hagit Messer,Artem Zinevich,Pinhas Alpert. Environmental Monitoring by Wireless Communication Networks.Science  05 May 2006:Vol. 312, Issue 5774, pp. 713 DOI: 10.1126/science.1120034.

[2] Overeem A, Leijnse H, Uijlenhoet R.Country-wide rainfall maps from cellular communication networks.Proc Natl Acad Sci U S A. 2013 Feb 19;110(8):2741-5. doi: 10.1073/pnas.1217961110. Epub 2013 Feb 4.

[3]Doumounia, A., M. Gosset, F. Cazenave, M. Kacou, and F. Zougmore. Rainfall monitoring based on microwave links from cellular telecommunication networks: First results from a West African test bed, Geophys. Res. Lett., (2014),41, 6016–6022, doi:10.1002/2014GL060724.

Alberto Akel

Alberto Akel

Graduado em Geofísica pela Universidade Federal do Pará com experiências em geomagnetismo e aeronomia. É organizador do Pint of Science em Belém e desenvolve atividades de divulgação científica com clube de astronomia do Pará (CAP) e nos sites unidades imaginárias e Eureka Brasil.