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A teoria da evolução faz sentido. Por que, então, muitas pessoas a rejeitam?

Por Nathalia Gjersoe
Publicado no The Guardian

A teoria da evolução é pobremente compreendida por estudantes e menos compreendida ainda por muitos professores de ciências, o que é perturbador. Embora seja compulsoriamente parte do currículo de ciências da maioria das escolas do Reino Unido e dos Estados Unidos, mais de um quarto das pessoas em ambos esses países rejeitam a evolução por completo ou creem que ela é guiada por um ser supremo.

É fundamental que os cidadãos, eleitores, tenham uma compreensão clara da evolução biológica. A adaptação por seleção natural, o mecanismo primário da evolução, sustenta uma massiva quantidade de interesses sociais, como a resistência de bactérias a antibióticos, os impactos cotidianos da mudança climática e a relação entre os genes e o ambiente. Então por que, a despeito da educação científica formal, a pseudociência do “design inteligente” permanece tão intuitivamente plausível e a evolução tão intuitivamente opaca? E o que podemos fazer quanto a isso?

Psicólogos do desenvolvimento identificaram dois vieses cognitivos em crianças bastante jovens, vieses estes que ajudam a explicar a popularidade de um design inteligente em contraponto à impopularidade de uma evolução ao acaso. O primeiro viés é a crença de que as espécies são definidas por uma qualidade interna que não pode ser mudada (essencialismo psicológico), o segundo trata da opinião de que todas as coisas foram feitas com um propósito específico (teleologia promíscua). Esses vieses interagem com crenças culturais, como a religião, mas também são prevalentes em crianças que cresceram em lares e sociedades seculares. Mais importante, essas crenças se tornam cada vez mais arraigadas com o passar do tempo, o que dificulta cada vez mais a instrução científica conforme as crianças envelhecem.

Definindo essências

Crianças em idade pré-escolar estão comprometidas com a ideia de que membros de uma espécie têm uma “essência” interior inviolável que os torna o que são. As que estão na faixa etária dos quatro anos de idade têm um entendimento básico da herança genética:
um bezerro criado entre suínos ainda soa como uma vaca e não como um porco. As com três anos insistem que um labrador que faz uma cirurgia para se parecer com um rottwieler continua sendo um labrador. E as que têm dois anos predizem que um golfinho respirará ar e não água se for dito, antecipadamente, que golfinhos são mamíferos (como cães) que se parecem com peixes.

O essencialismo psicológico é uma ferramenta de aprendizado poderosa. Frente a todas as evidências visuais em contrário, ele nos permite agrupar facilmente um chihuahua e um dogue alemão na mesma categoria (cachorros). E mesmo que saibamos que essas duas raças de cães compõem a mesma categoria familiar, todo tipo de informação crucial acerca deles já vêm inclusa no pacote: ambos latem, comem carne e gostam de perseguir carteiros.

No entanto, a ideia que espécies estão determinadas por uma essência central imutável contradiz diretamente a teoria da evolução. Uma consequência da adaptação por seleção natural é que as populações dentro de uma espécie gradualmente se adaptam de uma forma para outra, como humanos e outros primatas evoluíram do mesmo ancestral. O essencialismo psicológico é uma das principais razões pelas quais a teoria da evolução é tão amplamente mal compreendida por crianças e adultos.

A função teleológica

Teleologia é a tendência de explicar as coisas em termos de função (ou propósito) em vez de o que as causou. Adultos fazem isso quando falam sobre objetos (“uma cadeira serve para sentar-se”) e membros do corpo (“uma mão serve para manusear coisas”). Crianças têm tendências de enxergar o mundo de maneira teleológica já desde muito novas. Elas explicam até mesmo fenômenos naturais de maneira a salientar seus propósitos – “arbustos existem para que ouriços possam se esconder neles”, “leões existem para que sejam vistos no zoológico”.

As crianças não somente têm explicações teleológicas espontâneas como também as preferem em comparação com explicações detalhadas – que sejam resultado de metodologia científica. Quando questionadas sobre qual seria a melhor explicação para uma pedra ser pontuda, a maioria das crianças abaixo dos 8 anos de idade escolhem a explicação de que as pedras são pontuas para que os animais não sentem nelas, em vez de ser porque são formadas por pedaços de coisas pilhadas ao longo do tempo geológico. A teleologia promíscua também prevalece em crianças independentemente de como é a cosmovisão de seus pais, ou da religião ou cultura na qual estão sendo criados.

A tão difundida função teleológica não é superada e nem totalmente substituída pela educação científica formal. Sob condições aceleradas, até mesmo adultos com PhDs em disciplinas científicas tendem a ter certo apego às explicações que levam teleologia promíscua (aquela vista já em crianças), como “vacas têm mamilos para que os agricultores possam coletar leite”. O viés do senso comum de acreditar que tudo existe para um propósito deixa o design inteligente intuitivamente atraente.

Podemos superar esses vises cognitivos?

Como então superamos vieses cognitivos tão amplamente difundidos e persistentes? Deb Kelemen e seus colegas, na Boston University, publicaram recentemente uma intervenção promissora e amigavelmente infantil: livros ilustrados sobre seleção natural.

Quando questionados sobre como uma característica muda numa espécie, a maioria das crianças abaixo dos 10 anos de idade responderá com uma explicação teleológica: “a girafa tem um pescoço longo para que consiga alcançar as folhas mais altas”. Com isso em mente, Kelemen apresentou livros ilustrados sobre um animal inventado, chamado “Pilosas”, para crianças na faixa etária dos 5-8 anos. No decorrer da história, as crianças aprenderam que alguns Pilosas têm troncos longos e finos, enquanto outros possuem troncos pequenos e grossos, e que todos os Pilosas comem insetos. Que o clima muda e os insetos se movem no subsolo, e que aqueles Pilosas que têm troncos finos e longos ainda são capazes de alcançar os insetos e capturá-los, mas os de troncos pequenos e grossos não são capazes e então morrem. Apenas os Pilosas com troncos longos e finos sobrevivem e têm filhotes, que herdam as características de seus progenitores – troncos finos e longos. Essa é uma ótima história para crianças pequenas, porque envolve muita coisa que desperta naturalmente seu interesse: a vida, a morte e as razões das coisas serem do jeito que são. Mais do que isso, a evidência sugere que tais histórias podem ajudar a superar os obstáculos cognitivos rumo ao entendimento da adaptação por seleção natural.

Após terem lido a história, todas as crianças receberam uma série de questionamentos sobre um novo animal que eles nunca haviam encontrado antes. Por exemplo, “como poderiam Wilkies, em sua maioria adultos, com pernas curtas há muitos milhões de anos atrás, hoje terem pernas mais longas?” A maioria das crianças entre 5-8 anos no estudo de Kelemen, em vez de apelar a uma teleologia promíscua, explicou essa mudança em termos de adaptação e reprodução. Esse é um padrão contrário a suas respostas antes de terem lido a história.

O que talvez seja ainda mais animador é o fato de que a aprendizagem parece se fixar: quando as mesmas crianças responderam a uma questão similar sobre outro animal não familiar três meses depois, a maioria delas explicou as mudanças ao longo do tempo em termos adaptativos e reprodutivos em vez de teleológicos.

O currículo escolar deveria ser mudado?

No Reino Unido, a teoria da evolução é tipicamente ensinada a estudantes por volta dos 14 aos 15 anos de idade, período em que estão se preparando para o General Certificate of Secondary Education (o equivalente britânico do Exame Nacional do Ensino Médio no Brasil). Em 2015, após o persistente lobbying da Associação Humanista Britânica, a evolução foi incluída no currículo britânico nacional primário pela primeira vez. Agora, de setembro de 2015 adiante, os estudantes terão aulas sobre evolução dos 6 anos de idade até por volta dos 10-11.

Será que continua sendo tarde demais? Kelemen escolheu para o teste crianças na faixa dos 5 aos 8 anos de idade porque nessa idade a teleologia promíscua e o essencialismo psicológico ainda estão desconexos. Ela argumenta que dos 10 anos de idade adiante esses dois atributos se fundem e compõem um quadro teórico coerente, e que, em seguida, vai na contramão das teorias científicas e pode acompanhar o indivíduo até a idade adulta.

Seu livro funciona porque fornece às crianças um quadro explanatório alternativo antes que esse vieses cognitivos se tornem arraigados. Seus achados mostram que mesmo crianças muito novas conseguem entender os mecanismos básicos da seleção natural e também formar analogias para criar novos exemplos. Se parte da razão da noção de que natureza supostamente é um resultado de um desígnio inteligente ser tão popular se deve ao fato dessa concepção soar intuitivamente correta, talvez a solução seja interromper essas intuições ainda mais precocemente. Deveríamos reconsiderar o currículo nacional e começar a ensinar a teoria da evolução ainda mais cedo?

Colaboração de Matheus.

Universo Racionalista

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Fundada em 30 de março de 2012, Universo Racionalista é uma organização em língua portuguesa especializada em divulgação científica e filosófica.