Por Michelle Starr
Publicado na ScienceAlert
A tumba de uma mulher que viveu e morreu há milhares de anos pode mudar nossa percepção de uma das mais sofisticadas civilizações europeias da Idade do Bronze, a El Argar.
É um dos túmulos mais luxuosos da Idade do Bronze europeia; e, embora a mulher tenha sido enterrada com um homem, a maioria dos tesouros caros da sepultura pertencia a ela, sugerindo que ela tinha um status social muito mais elevado.
Comparando seu túmulo com o de outras mulheres de El Argar, pesquisadores liderados pelo arqueólogo Vicente Lull, da Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha, concluíram que as mulheres dessa cultura poderiam ter desempenhado um papel político mais importante do que sabíamos anteriormente.
A própria sepultura, um grande jarro de cerâmica chamado de sepultura 38, foi descoberta em 2014, no sítio arqueológico La Almoloya, na Península Ibérica, Espanha. Foi encontrado sob o chão do que parecia ser um salão governamental cheio de bancos de um palácio, uma interpretação reforçada pela riqueza do conteúdo da sepultura.
“A falta geral de artefatos no chão [do corredor] H9, combinada com a proeminência estrutural dos bancos, indica que reuniões sociais de até 50 pessoas poderiam ser realizadas neste grande salão”, escreveram os pesquisadores em seu estudo.
“Só podemos especular se essas reuniões eram destinadas à discussão e participação na tomada de decisão coletiva e compartilhada ou, melhor, à transmissão de ordens dentro de uma cadeia de comando hierárquica. O fato dos tesouros da sepultura 38 exceder em muito os de qualquer outra tumba contemporânea em La Almoloya, e em muitos outros sítios, sugere a segunda opção”.
O jarro continha os restos mortais de dois indivíduos – um homem, que morreu entre as idades de 35 e 40, e uma mulher, que morreu entre as idades de 25 e 30 anos. As análises genéticas confirmaram que eles não eram aparentados, mas a datação por radiocarbono mostra que eles morreram ao mesmo tempo ou em um período muito próximo um do outro, por volta de 1730 a.C. Os restos mortais encontrados não muito longe do túmulo eram de um familiar de ambos – a filha deles.
Os ossos do homem mostraram sinais de desgaste consistente com atividade física de longo prazo, talvez passeios a cavalo, e uma lesão traumática cicatrizada na frente de sua cabeça.
Os ossos da mulher mostraram sinais de anomalias congênitas, incluindo uma costela faltando, apenas seis vértebras cervicais e vértebras sacrais fundidas. Marcas em suas costelas podem ter sido feitas por uma infecção pulmonar quando ela morreu.
No entanto, ela parecia ter sido rica. O casal foi enterrado com 29 itens, a maioria dos quais eram feitos de prata, e muitos dos quais pareciam pertencer à mulher – colares, pulseiras em seus braços, uma sovela com cabo revestido de prata e potes de cerâmica revestidos de prata, os dois últimos dos quais teriam exigido muita habilidade em ourivesaria.
O homem não estava sem enfeites: seu braço estava adornado com uma pulseira de cobre; ele usava um colar de sete contas grandes e coloridas; uma adaga com rebites de prata estava ao lado dele; e dois alargadores de ouro provavelmente também eram dele.
Mas foi o que a mulher usava na cabeça que realmente empolgou a equipe de pesquisa: uma tiara de prata, ou diadema, colocada com um disco de prata que se estenderia até a testa ou a ponta do nariz. É semelhante a quatro outros diademas encontrados no século 19 em túmulos de mulheres ricamente decorados.
“A singularidade desses diademas é extraordinária. Eles eram objetos simbólicos feitos para essas mulheres, transformando-as em sujeitos emblemáticos da classe dominante”, disse a arqueóloga Cristina Rihuete-Herrada, da Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha.
“Cada peça é única, comparável a objetos funerários pertencentes à classe dominante de outras regiões, como Bretanha, Wessex e Únětice, ou no Mediterrâneo oriental do século 17 a.C., contemporâneo do nosso túmulo 38”.
A prata na cova tinha um peso combinado de cerca de 230 gramas. É uma quantidade impressionante de riqueza para enterrar: na Babilônia, naquela época, o salário diário de um trabalhador era de cerca de 0,23 a 0,26 gramas de prata. Essas duas pessoas foram enterradas com o valor de 938 dias de salário babilônico.
Análises anteriores haviam proposto que as mulheres enterradas nessas valiosas sepulturas eram soberanas ou esposas de soberanos. Ainda é impossível dizer, mas a equipe de pesquisa acredita que as evidências apontam para a primeira opção.
“Na sociedade argarica, as mulheres das classes dominantes eram enterradas com diademas, enquanto os homens eram enterrados com espada e adaga”, explicaram.
“Os bens funerários enterrados com esses homens eram em menor quantidade e qualidade. Como as espadas representam o instrumento mais eficaz para reforçar as decisões políticas, os homens dominantes de El Argar podem ter desempenhado um papel executivo, ainda que a legitimação ideológica e, talvez, o governo, estava nas mãos de algumas mulheres”.
Como as mulheres exerceram o poder político com frequência ao longo da história, isso seria realmente uma surpresa?
A pesquisa foi publicada na Antiquity.