Os organismos transgênicos (OT) sugiram por volta da década de 1970, quando os bioquímicos Cohen e Boyer observaram que era possível retirar um gene de um determinado genoma, através de tesouras moleculares denominadas enzimas de restrição, e inseri-lo em um organismo de espécie diferente (1). O interesse industrial e farmacêutico nessa nova tecnologia cresceu exponencialmente, bem como os investimentos em pesquisa para o desenvolvimento do que a impressa apelidou de Engenharia Genética.
Um dos primeiros organismos transgênicos a surgir foi a bactéria Escherichia coli produtora de insulina para o tratamento de Diabetes Mellitus, resolvendo o problema da rejeição do peptídeo de origem suína, uma vez a insulina provinda da técnica de engenharia era mais similar ao peptídeo humano do que o utilizado no tratamento anterior, além de apresentar menores efeitos colaterais (2).
O bum dos transgênicos alcançou o campo da Agronomia e Agricultura, e a primeira planta a ter seu genoma modificado foi a planta do tabaco, com a inserção de um gene de resistência a antibióticos, na década de 1980 (3). Além disso, o lançamento do projeto Golden Rice prometia acabar com a fome através de um arroz biossintetizador de B-caroteno, entretando, foi fortemente rejeitado por grupos de ativistas por acreditarem que o alimento poderia causar danos ao organismo a longo prazo (4). Todavia, o investimento em OTs aumentou e, com apoio governamental, eles passaram a ser comercializados em diversos países, sendo os mais famosos a soja e o milho.
Entretanto, manifestações contra os OTs vêm sendo cada vez mais frequentes e têm ganhado força nos últimos meses. Várias organizações não governamentais têm se mostrado totalmente contrárias ao plantio de OTs não só de interesse alimentar, como também de interesse para a indústria madereira. Ativistas lançam mão de argumentos relacionados com o potencial dos transgênicos, em destaque aqueles que apresentam resistência a glifosato, em causar diversos tipos de tumores, ao permitir o uso excessivo desse herbicida e seu posterior acúmulo na planta comestível. Entretanto, antes de levantarmos as bandeiras anti-OTs exigindo sua proibição e comercialização, cabe aqui uma importate reflexão: os transgênicos são realmente tão vilões assim?
Vários estudos com plantas geneticamente modificadas para expressar genes de patógenos, anticorpos e biofármacos vêm sendo produzidos em laboratórios experimentais de Biotecnologia em saúde, criando uma nova área da Engenharia Genética: a Agricultura molecular. Modificações desse tipo permitem gerar o que é denominado de vacinas comestíveis.
Essas vacinas comestíveis apresentam dois vieses: produção de pequenas quantidades de antígenos na plataforma vegetal, de modo a apresentá-lo para o sistema imunlógico lentamente, permitindo assim a organização de uma resposta imune contra determinado patógeno e, a produção de anticorpos específicos contra determinados patógenos, de modo a combater uma doença já instalada. Apresentando-se tanto como profiláticas, como terapêuticas, respectivamente. Dengue, Leishmaniose e HIV são algumas das várias patologias que têm sido investigadas como alvo do desenvolvimento de imunizantes em plataformas vegetais.
Contudo, fármacos produzidos a parte de plantas utilizadas como biorreatores não são tão novos assim. As biofábricas, produtoras de proteínas (enzimas, anticorpos e etc) de interesse farmacêutico e industrial, surgiram por volta da década de 1990, sendo que em 2001 biofármacos para Linfoma de Hodking e diarreia dos viajantes, doença causada por E. coli, já passavam por testes clínicos para comprovarem sua eficácia.
A utilização desse tipo de vacina pode vir a resolver alguns problemas que já têm sido superados com ajuda da própria Engenharia Genética, como vacinas de organismos acentuados que podem sofrer reversão para sua patogenicidade e causar doenças. Entretanto, sua ação mais notória talvez seja a capacidade dessas vacinas de contribuir para a melhora da qualidade de vida de paciente com doenças como o HIV, uma vez que esses vírus ataca diretamente o sistema imune, não permitindo que este se organize e produza os anticorpos necessários, o fornecimento destes na plataforma vegetal permite ao corpo neutralizar o vírus e restabelecer sua homeostase imunológica.
De qualquer modo, a utilização de um vegetal geneticamente modificado, neste contexto, nos leva a compreender que há um importante papel dos transgênicos na evolução da biotecnologia em saúde. Seria então mais adequado exigir a proibição dos transgênicos ou uma melhor formulação de leis de biossegurança que assegurem a produção e comercialização de elementos alimentícios compatíveis com a saúde humana?
Referências:
- ALVES, GS. A Biotecnologia dos Transgênicos: Precaução é a palavra de ordem. Holos, ano 20, 2004.
- MOREIRA, P. Insulina: avanços na pesquisa. FIOCRUZ: Fiojovem.
- GUERRANTE, RS. Transgênicos: uma visão estratégia. Interciência, Rio de Janeiro, 2003.
- JOHN, BS. Golden Rice Project shoots itself in the foot — yet again.
Leitura Recomenda:
Ahmad K. Molecular farming: strategies, expression systems and bio-safety considerations. Czech J. Genet. Plant Breed.,50 (1): 1–10, 2014.
Ps. Este texto baseia-se em opiniões próprias da autora sobre um determinado tema, semelhante a um ensaio, buscando um formato mais livre.