Por Diwakar Davar
Publicado no The Conversation
O efeito de um medicamento ou o impacto de um tratamento como a quimioterapia não depende apenas do seu corpo. O sucesso de um determinado medicamento também depende dos trilhões de bactérias em seu intestino.
Os 100 trilhões de bactérias que vivem no trato digestivo humano – conhecido como microbioma do intestino humano – nos ajudam a extrair nutrientes dos alimentos, aumentar a resposta imunológica e modular os efeitos das drogas.
Pesquisas recentes, incluindo a minha, relacionaram o microbioma intestinal a estados aparentemente desconectados, variando da resposta a tratamentos de câncer à obesidade e uma série de doenças neurológicas, incluindo Alzheimer, mal de Parkinson, depressão, esquizofrenia e autismo.
O que está por trás dessas observações aparentemente discretas é a ideia unificadora de que a microbiota intestinal envia sinais além do intestino e que esses sinais têm amplos efeitos em uma grande faixa de tecidos-alvo.
Eu sou um oncologista cuja pesquisa envolve o desenvolvimento de novas terapias para o melanoma. Para avaliar se a alteração do microbioma poderia beneficiar pacientes com câncer, meus colegas e eu avaliamos a transferência de matéria fecal de pacientes com melanoma que responderam bem à imunoterapia para aqueles pacientes nos quais a imunoterapia falhou.
Recentemente publicados na revista Science, nossos resultados revelam que esse tratamento ajudou a reduzir os tumores de pacientes com melanoma avançado quando outras terapias não funcionaram.
O que conecta o câncer e as bactérias intestinais?
A microbiota intestinal tem sido associada ao sucesso e ao fracasso de vários tratamentos contra o câncer, incluindo quimioterapia e imunoterapia com medicamentos inibidores do ponto de controle imunológico, como o nivolumabe e o pembrolizumabe.
Nos estudos mais recentes, as espécies e populações relativas de bactérias intestinais determinaram a probabilidade de um paciente com câncer responder a medicamentos conhecidos como “inibidores do ponto de controle imunológico“.
Esta pesquisa mostrou que as diferenças no microbioma intestinal entre pacientes individuais estavam associadas a vários resultados para esses medicamentos. Mas os mecanismos precisos subjacentes às interações microbioma-imunológicas permanecem obscuros.
Os micróbios fecais podem ajudar os medicamentos a combater o melanoma de difícil tratamento?
Os oncologistas costumam tratar pacientes com melanoma avançado usando imunoterapias direcionadas a proteínas específicas na superfície das células do sistema imunológico conhecidas como PD-1 e CTLA-4. Porém, elas funcionam em um subconjunto de pacientes – 50-70 por cento dos pacientes têm cânceres que pioram apesar do tratamento.
Nenhum tratamento médico foi aprovado para tratar pacientes com melanoma que falharam nas imunoterapias de PD-1.
Para investigar se certos tipos de micróbios poderiam aumentar a eficácia das imunoterapias de PD-1, meus colegas e eu desenvolvemos um estudo no qual coletamos micróbios fecais de pacientes que responderam bem a esta terapia e os administramos a pacientes com câncer que não se beneficiaram das drogas do ponto de controle.
Escolhemos fezes de pacientes que responderam bem à imunoterapia com base no palpite de que teriam maiores quantidades de bactérias envolvidas em ajudar a reduzir o câncer.
Como é difícil identificar uma ou duas espécies de bactérias responsáveis pela resposta benéfica a essas terapias, usamos toda a comunidade bacteriana – daí o transplante de micróbios fecais.
Os receptores do transplante eram pacientes cujo melanoma não responderam à imunoterapia. Tanto os receptores quanto os doadores foram submetidos à triagem de doenças para garantir que nenhum agente infeccioso fosse transmitido durante o transplante.
Após uma biópsia de seus tumores, os pacientes receberam um transplante de micróbios fecais de pacientes que se beneficiaram da imunoterapia junto com um medicamento chamado pembrolizumabe, que foi administrado de forma contínua a cada três semanas.
Meus colegas e eu avaliamos o transplante de micróbios fecais 12 semanas após o tratamento. Os pacientes cujos cânceres diminuíram ou permaneceram do mesmo tamanho após o transplante de micróbios fecais continuaram a receber pembrolizumabe por até dois anos.
Resultados de um novo ensaio clínico
Após esse tratamento de transplante de micróbios fecais, os tumores de seis entre 15 pacientes no estudo diminuíram ou permaneceram os mesmos. O tratamento foi bem tolerado, embora alguns dos pacientes experimentaram efeitos colaterais menores, incluindo fadiga.
Quando analisamos a microbiota intestinal dos pacientes tratados, observamos que os seis pacientes cujos cânceres se estabilizaram ou melhoraram apresentaram aumento do número de bactérias que haviam sido previamente associadas a resposta positiva à imunoterapia.
Meus colegas e eu também analisamos o sangue e os tumores dos que responderam a terapia. Ao fazer isso, observamos que os respondentes tinham níveis mais baixos de células imunológicas adversas, denominadas células mieloides, e níveis mais altos de células imunológicas de memória. Além disso, ao analisar as proteínas no soro do sangue de pacientes tratados, observamos reduções nos níveis das moléculas principais do sistema imunológico associadas à resistência em respondedores.
Esses resultados sugerem que a introdução de certos microrganismos intestinais no cólon de um paciente pode ajudar o paciente a responder a drogas que aumentam a capacidade do sistema imunológico de reconhecer e matar células tumorais.
Em última análise, esperamos ir além dos transplantes de micróbios fecais para culturas específicas de micróbios em cânceres além do melanoma, abrindo caminho para a terapia medicamentosa padronizada baseada em micróbios para tratar tumores resistentes à imunoterapia.