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Um enigma antigo criado há 2.500 anos agora tem uma solução engenhosa

Traduzido por Julio Batista
Original de Carly Cassella para o ScienceAlert

Milhares de anos atrás, um homem que vivia no que hoje é a Índia escreveu todas as diretrizes gramaticais que regem o sânscrito; uma das primeiras línguas documentadas no mundo antigo.

Seu nome era Pāṇini, e seus 4.000 sutras gramaticais, ou regras, deveriam funcionar como um algoritmo que pode gerar palavras gramaticalmente corretas a partir de uma base e sufixo.

Durante séculos, os linguistas tentaram reconstruir esse ‘mecanismo de linguagem’ usando as milhares de etapas descritas por Pāṇini em seu texto lendário, o Aṣṭādhyāyī. E, no entanto, nunca deu certo como deveria.

Um estudante de doutorado da Universidade de Cambridge, Rishi Rajpopat, acha que finalmente desvendou o antigo enigma, e sua solução é impressionantemente simples. Tudo o que ele faz é mudar a interpretação de uma ‘metaregra’ delineada por Pāṇini, e voila, o mecanismo funciona sozinho quase sem exceções.

A inspiração veio para Rajpopat depois de nove meses se envolvendo no Enigma de Pāṇini para sua tese de mestrado em Cambridge.

“Eu estava quase prestes a desistir, não estava chegando a lugar nenhum”, lembrou ele.

Mas então o supervisor de Rajpopat, um professor de estudos asiáticos e do Oriente Médio na Universidade de Cambridge chamado Vincenzo Vergiani, o lembrou de um importante princípio de solução de problemas: “se a solução for complicada, você provavelmente está errado.”

“Portanto, fechei os livros por um mês e aproveitei o verão, nadando, andando de bicicleta, cozinhando, rezando e meditando”, disse Rajpopat.

“Então, relutantemente, voltei ao trabalho e, em poucos minutos, ao virar as páginas, esses padrões começaram a surgir e tudo começou a fazer sentido.”

Depois de dois anos e meio de trabalho cuidadoso, Rajpopat explicou claramente por que o motor de Pāṇini havia parado anteriormente em uma encruzilhada linguística comum.

Muitas vezes, ao usar as diretrizes gramaticais de Pāṇini, duas regras entrarão em conflito e nunca ficou realmente claro qual regra deve prevalecer.

Rajpopat basicamente resolveu para que lado o interruptor deveria virar.

No passado, outros estudiosos argumentaram que, se duas regras de igual força se enfrentam, aquela listada mais adiante no texto de Pāṇini vence.

Mas Rajpopat acha que esta é uma interpretação incorreta da metaregra de Pāṇini.

Em vez disso, o linguista argumenta que se duas regras estão em desacordo, a regra que se aplica ao lado direito de uma palavra (o sufixo) deve prevalecer sobre as regras que se aplicam ao lado esquerdo de uma palavra (o radical).

Quando Rajpopat testou palavras em sânscrito nesta versão do mecanismo, funcionou – produzindo palavras gramaticalmente corretas quase sem exceções.

A palavra ‘guru’ é um bom exemplo. Na frase ‘jñānaṁ dīyate guruṇā’ (‘o conhecimento é dado pelo guru’), há uma regra de Pāṇini que se aplica à parte à esquerda da palavra guru e outra que se aplica à parte à direita.

Sob a interpretação de Rajpopat, a parte à direita acaba vencendo, e é por isso que o sufixo da palavra muda para ‘guruṇā’, enquanto a raiz da palavra permanece a mesma.

“O estilo de Pāṇini não é totalmente auto-evidente e enfrenta desafios em vários níveis ao tentar desvendar o enigma que é o Aṣṭādhyāyī”, escreveu Rajpopat em sua tese.

“Não é fácil determinar os significados exatos das regras de Pāṇini porque o estilo de sutra no qual elas são compostas é muito conciso e compacto. Muitas informações são frequentemente agrupadas em poucas palavras, tornando assim consideravelmente difícil compreender seu significado exato.”

As palavras em algumas regras, por exemplo, podem às vezes pender para a regra a seguir.

Alguns estudiosos discordam da ideia de chamar as regras de Pāṇini de mecanismo, mas Rajpopat argumenta em sua tese que “Pāṇini pretendia que o Aṣṭādhyāyī fosse interpretado linearmente e como um mecanismo gramatical fechado”.

Seu trabalho mostra que o mecanismo é autossuficiente e pode funcionar com suas próprias metaregras sem a necessidade de estudiosos adicionarem preenchimento para exceções.

“Pāṇini tinha uma mente extraordinária e construiu um mecanismo sem igual na história da humanidade”, disse Rajpopat, cuja tese é intitulada In Pāṇini We Trust: Discovering the Algorithm for Rule Conflict Resolution in the Astādhyāyī’ (Em Pāṇini Confiamos: Descobrindo o Algorítimo para a Resolução do Conflito de Regras no Astādhyāyī’, na tradução livre).

“Ele não esperava que adicionássemos novas ideias às suas regras. Quanto mais mexemos na gramática de Pāṇini, mais ela se complica.”

Há anos, os cientistas tentam criar um programa de computador usando as regras de Pāṇini, mas com pouco sucesso. A descoberta de Rajpopat pode ser a chave para fazer essas tentativas finalmente acontecerem.

O sânscrito é a língua sagrada do hinduísmo e compartilha um parente comum com o latim clássico. Entender como ela é estruturada pode ajudar os especialistas não apenas a ler documentos históricos importantes com mais precisão, mas também revelar perspectivas cruciais sobre os fundamentos da própria linguagem humana.

“Meu aluno Rishi resolveu – ele encontrou uma solução extraordinariamente elegante para um problema que tem deixado os estudiosos perplexos por séculos”, disse Vergiani.

“Esta descoberta revolucionará o estudo do sânscrito em um momento em que o interesse pela língua está aumentando.”

A tese de Rajpapot está disponível online na Universidade de Cambridge.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.