Por Matt Williams
Publicado no Universe Today
Daqui a pouco mais de uma década, a NASA planeja enviar astronautas a Marte pela primeira vez. Essa missão se baseará em décadas de exploração robótica e coletará amostras da superfície, retornado-as à Terra para análise.
Dada a imensa distância envolvida, qualquer operação na superfície marciana precisará ser o mais autossuficiente possível, o que significa obter tudo o que puderem localmente.
Isso inclui usar a água local para criar gás oxigênio, água potável e combustível de foguete, o que representa um desafio, considerando que qualquer água líquida provavelmente será salgada.
Felizmente, uma equipe de pesquisadores da Escola de Engenharia McKelvey da Universidade de Washington em St. Louis (WUSTL, nos EUA) criou um novo tipo de sistema de eletrólise que pode converter água salgada em produtos utilizáveis, ao mesmo tempo em que é compacto e leve.
A equipe foi liderada por Vijay Ramani e os professores universitários Roma B. e Raymond H. Wittcoff do Departamento de Energia, Engenharia Ambiental e Química (EECE) da WUSTL. Eles foram acompanhados por Pralay Gayen e Shrihari Sankarasubramanian, dois pesquisadores do Centro de Energia Solar e Armazenamento de Energia (SEES) da WUSTL.
Esse novo instrumento é consistente com o compromisso da NASA com as tecnologias de utilização de recursos in situ (ISRU), que permitirão que as missões futuras sejam menos dependentes de missões de reabastecimento.
Também está de acordo com o compromisso da NASA e de outras agências espaciais de reduzir os custos de lançamento de cargas úteis no espaço, uma vez que é mais eficiente e compacto do que os sistemas de eletrólise atuais.
Os eletrolisadores tradicionais dependem da eletricidade e das células de combustível feitas de um eletrólito para separar compostos químicos e recombiná-los para criar novos.
O rover Perseverance (que chegará a Marte em 18 de fevereiro de 2021) está carregando um experimento conhecido como Mars Oxygen ISRU Experiment (MOXIE), que contará com uma célula eletrolisadora de óxido sólido (SOEC) para coletar gás oxigênio do dióxido de carbono atmosférico (CO2).
Eletrolisadores de água usam um processo semelhante para desassociar quimicamente a água e produzir gás oxigênio (O2) e gás hidrogênio (H2), o último dos quais pode ser usado para criar hidrogênio líquido ou combustível de hidrazina (N2H4).
Infelizmente, esses instrumentos não funcionam com salmouras e são limitados a água purificada e desionizada. A única outra opção é retirar previamente o sal, o que requer a adição de um dessalinizador.
Contando com uma abordagem inovadora, a equipe WUSTL foi capaz de criar o primeiro eletrolisador que pode funcionar com soluções salgadas, que são comuns em Marte. Como Ramani disse em entrevista ao jornal da WUSTL, The Source:
“Nosso novo eletrolisador de salmoura incorpora um ânodo pirocloro, o rutenato de chumbo, desenvolvido por nossa equipe em conjunto com um cátodo de platina sobre carbono. Esses componentes cuidadosamente projetados, juntamente com o uso ideal dos princípios tradicionais de engenharia eletroquímica, proporcionaram esse alto desempenho”.
Salmouras marcianas foram confirmadas nos últimos anos por missões como a Pheonix Mars Lander, que coletou amostras do solo marciano em 2008 e identificou altos níveis de sal após derreter o gelo que continha.
Da mesma forma, a sonda Mars Express da ESA descobriu várias fontes subterrâneas de água que permanecem em estado líquido devido à presença de perclorato de magnésio.
Por essas razões, um sistema que pode funcionar com água salgada (embora não dependa de um instrumento de dessalinização adicional) poderia melhorar significativamente as operações ISRU em Marte e outros destinos.
Como explicou Sankarasubramanian, seu sistema não é apenas adequado para lidar com a água marciana, mas também funciona melhor com ela:
“Paradoxalmente, o perclorato dissolvido na água, as chamadas impurezas, na verdade ajudam o sistema em um ambiente como o de Marte. Eles evitam que a água congele e também melhoram o desempenho do sistema eletrolisador ao diminuir a resistência elétrica”.
Com base em testes anteriores realizados por técnicos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o eletrolisador MOXIE mostrou que poderia produzir até 10 g/hora de gás oxigênio usando 300 Watts de potência.
Em comparação, o instrumento que Ramani e seus colegas desenvolveram era capaz de produzir até 250 g/hora de gás oxigênio usando a mesma quantidade de energia (sem mencionar o gás hidrogênio).
Além disso, o sistema funcionou sob condições simuladas de Marte – pressão de ar muito baixa e temperaturas tão baixas quanto -36 °C – bem como condições semelhantes às da Terra.
“Nosso eletrolisador de salmoura marciano muda radicalmente o cálculo logístico das missões a Marte e outras”, acrescentou Ramani.
“Esta tecnologia é igualmente útil na Terra, onde possibilita ter os oceanos como uma fonte viável de oxigênio e combustível.”
Pralay Gayen, um pesquisador associado de pós-doutorado no grupo de Ramani, acrescentou:
“Tendo demonstrado esses eletrolisadores sob as exigentes condições marcianas, pretendemos também implantá-los em condições muito mais amenas na Terra para utilizar o abastecimento de água salobra ou salgada para produzir hidrogênio e oxigênio, por exemplo, através da eletrólise da água do mar”.
Na Terra, eletrolisadores de água do mar poderiam ser usados a bordo de veículos submersíveis para permitir missões prolongadas em alto mar.
Também poderia permitir uma expansão significativa na indústria de combustíveis alternativos, onde eletrolisadores poderiam criar células de combustível de hidrogênio a partir da água do mar (que dependem de gás hidrogênio e gás oxigênio para gerar eletricidade).
O estudo que descreve suas descobertas, intitulado Fuel and oxygen harvesting from Martian regolithic brine (tradução livre: Coleta de combustível e oxigênio da salmoura regolítica marciana), apareceu recentemente no Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).