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Um poço de mãos decepadas pode ser os restos de uma terrível cerimônia egípcia antiga

Traduzido por Julio Batista
Original de Rebecca Dyer para o ScienceAlert

Uma dúzia de mãos decepadas encontradas empilhadas no pátio de um antigo palácio egípcio podem ser o resultado de um horrível ritual de “tomada de troféus” por um invasor estrangeiro, de acordo com um novo estudo.

Inscrições e relevos de túmulos e templos egípcios retratam mãos mutiladas ou amputadas já no Império Novo, dos séculos XVI a XI a.C. De acordo com os autores deste novo estudo, esta é a primeira vez que os arqueólogos encontraram e analisaram as mãos amputadas reais.

“Elas pertenciam a pelo menos onze homens e possivelmente uma mulher, o que pode indicar que as mulheres e a guerra não estavam em mundos separados”, escrevem os autores do estudo em seu paper publicado.

A equipe conduziu sua análise sobre o que eles determinaram ser mãos direitas que foram originalmente encontradas em 2011, enterradas em três poços separados no pátio do palácio dos hicsos em Avaris/Tell el-Dab’a, no nordeste do Egito.

Onze mãos direitas foram encontradas enterradas em dois dos poços, L1542 e L1543. (Créditos: Gresky et al., Scientific Reports)

O palácio data da 15ª Dinastia (1640-1530 a.C.), quando os reis hicsos governavam o Baixo e Médio Egito até a cidade de Cusae, hoje conhecida como El Quseyya. Os hicsos eram considerados invasores do Egito e seus reis os primeiros governantes estrangeiros da civilização, embora evidências recentes mostrem que isso pode ter sido mal interpretado.

De acordo com a equipe de pesquisa alemã e austríaca, as mãos decepadas encontradas nas covas vêm de um mínimo de 12 adultos, embora a descoberta de múltiplas mãos e dedos incompletos signifique que podem ter existido até 18 mãos no total.

Liderada pela paleopatóloga Julia Gresky, do Instituto Arqueológico Alemão de Berlim, a equipe primeiro considerou as causas tafonômicas para o posicionamento específico das mãos decepadas. A tafonomia examina corpos e partes do corpo após a morte, avaliando os processos de preservação, decomposição e fossilização.

Embora não seja incomum que partes do corpo se separem ao longo do tempo, despedaçadas violentamente por inundações ou necrófagos, ou gradualmente por intempéries e erosão, os pesquisadores acreditam que as mãos decepadas podem ter sido colocadas deliberadamente.

“Depois de remover todas as partes conectadas ao antebraço, as mãos foram colocadas no chão com os dedos bem abertos, principalmente nos lados palmares”, escreveram os autores.

Uma única mão direita em um dos poços, mostrada em sua superfície palmar com dedos bem abertos. (Créditos: Gresky et al., Scientific Reports)

Os ossos do carpo da linha proximal, um conjunto de 8 pequenos ossos no pulso que conectam as mãos aos antebraços, foram encontrados intactos em 6 das 12 mãos examinadas. Nenhum fragmento de osso do antebraço foi encontrado, levando os pesquisadores a sugerir que as mãos foram deliberadamente amputadas, cortando a ligação articular e depois cortando os tendões que cruzam o pulso.

“Mutilar pessoas sem levar em conta sua sobrevivência geralmente é feito cortando o braço em qualquer posição anatômica”, explicaram Gresky e seus colegas.

“Esse método é mais rápido e fácil, mas deixa uma parte do antebraço presa à mão. Se fosse o caso dessas mãos, as pessoas que as ofereciam, ou os encarregados da cerimônia, preocupavam-se o suficiente com sua apresentação adequada para destacar partes do antebraço”, acrescentaram os autores.

Quando as mãos foram descobertas nos poços, elas ainda eram “macias e flexíveis“, como dizem os pesquisadores, o que indica que as mãos foram enterradas antes do início do rigor mortis ou logo após ele ter passado.

O rigor mortis começa algumas horas após a morte, atinge o pico em 12 a 24 horas e – dependendo de variáveis ​​como umidade, temperatura, idade e condição física do falecido – geralmente desaparece em 1 a 3 dias.

O início também varia para diferentes partes do corpo, e o rigor mortis da mão geralmente começa 6 a 8 horas após a morte. Assim, os cientistas concluíram que os indivíduos provavelmente foram desmembrados durante ou pouco antes de uma cerimônia, com as mãos sendo colocadas na cova assim que o rigor mortis passou.

A localização do Poço L1777 onde uma das mãos analisadas foi encontrada em frente à sala do trono (indicada pela seta azul), e a área do Poço L1542 e L1543 onde as 11 mãos restantes foram encontradas (mostrada pelo círculo vermelho). (Créditos: Gresky et al., Scientific Reports)

De acordo com os pesquisadores, a amputação da mão direita foi praticada no Egito pelos hicsos cerca de 50 a 80 anos antes de ser registrada nos hieróglifos das tumbas.

“Os egípcios adotaram esse costume mais tarde no reinado do rei Amósis, como mostra o relevo de uma pilha de mãos em seu templo em Abidos”, escreveram eles.

Evidência iconográfica de mãos decepadas: inscrição na tumba de Amósis em El-Kab. (Créditos: William Vivian Davies/Oxford/CC-BY-SA)

Uma das questões mais importantes que este estudo se propõe a responder, segundo os autores, é se a mutilação era uma forma de punição ou um troféu por vitórias militares.

“A localização, tratamento e possivelmente o posicionamento das mãos decepadas argumentam contra a hipótese de punição legal como a motivação para esses atos”, argumentaram.

As covas onde as mãos eram enterradas ficavam no grande pátio do palácio, em frente à sala do trono. A equipe acha que o fato de terem sido colocados em um local tão proeminente e visível aos olhos do público é uma prova de quão difundida era essa prática de “tomada de troféus”.

A pesquisa foi publicada na revista Scientific Reports.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.