Artigo traduzido de Symmetry Magazine. Autor: Manuel Gnida.
Matéria escura ou matéria não-escura? Essa é a pergunta quando se trata da origem dos intrigantes sinais de raios-X que os cientistas descobriram provenientes do espaço.
Em um artigo teórico publicado na Physical Review Letters, os cientistas têm sugerido uma maneira surpreendentemente simples de encontrar a resposta: através da criação de uma armadilha de velocidade para as partículas enigmáticas.
85% de toda a matéria no universo é escura: ela não emite luz, nem interage muito com a matéria normal que não seja através da gravidade.
A natureza da matéria escura continua a ser um dos maiores mistérios da física moderna. A maioria dos pesquisadores acreditam que a substância invisível é feita de partículas fundamentais, mas até agora ela tem escapado da detecção. Os cientistas esperam provar sua hipótese da partícula é varrer o céu a procura de uma luz energética que surgiria quando partículas de matéria escura se deteriorassem ou quando se aniquilassem no espaço.
Ao longo dos últimos dois anos, vários grupos de analisaram dados de dois satélites de raios-X – XMM-Newton da Agência Espacial Europeia e os observatórios espaciais de raios-X Chandra da NASA – relataram a detecção de raios-X fracos com uma energia bem definida de 3500 elétron-volts (3,5 keV). Os sinais emanam do centro da Via Láctea, de sua galáxia vizinha mais próxima, Andrômeda, e de vários aglomerados de galáxias.
Alguns cientistas acreditam que isso poderia ser um sinal indicador de decaimento de partículas de matéria escura chamadas neutrinos estéreis – irmãos hipotéticos mais pesados dos neutrinos conhecidos produzidos nas reações de fusão no sol, decaimentos radioativos e de outros processos nucleares. No entanto, outros pesquisadores argumentam que poderia haver origens astrofísicas mais banais, como gases quentes.
Pode haver uma maneira simples de distinguir entre as duas possibilidades, sugerem pesquisadores da Ohio State University e do Instituto Kavli de Astrofísica de Partículas e Cosmologia, um instituto conjunto da Universidade de Stanford e do Departamento de Energia do SLAC National Accelerator Laboratory dos Estados Unidos.
Trata-se de olhar mais de perto os desvios Doppler do sinal de raio-X. O efeito Doppler é o deslocamento de um sinal para frequências mais altas ou mais baixas dependendo da velocidade relativa entre a fonte do sinal e seu observador. É usado, por exemplo, em radares na estrada pela polícia, mas também pode ajudar os astrofísicos “capturarem” as partículas de matéria escura.
“Em média, a matéria escura se move de forma diferente do gás”, diz o co-autor Ranjan Laha do KIPAC. “A matéria escura tem movimento aleatório, enquanto o gás gira com as galáxias ao qual está confinado. Ao medir o efeito Doppler em direções diferentes, podemos, em princípio, dizer se um sinal – raios-X ou qualquer outra frequência – decorre do decaimento partículas de matéria escura ou não”.
Os pesquisadores sequer sabem se o sinal foi causado pelo próprio instrumento de observação porque assim o efeito Doppler seria zero para todas as direções
Embora seja uma abordagem promissora, ele ainda não pode ser aplicada para os 3,5-keV de raios-X, porque os desvios Doppler relacionados são muito pequenos. Os instrumentos atuais não têm resolução de energia suficiente para a análise e/ou não funcionam na gama de energia certa.
No entanto, esta situação pode mudar muito em breve com o ASTRO-H, satélite de raios-X da Agência de Exploração Aeroespacial do Japão, cujo lançamento está previsto para o início deste ano. Como os pesquisadores mostram em seu artigo, ele terá as especificações corretas para dar o veredicto sobre a linha de raios-X misteriosa. A matéria escura terá a melhor vista de sua velocidade.