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Uma cápsula do tempo de 2.200 anos revela os segredos do condor andino

Os condores andinos são uma das maiores aves voadoras do mundo. Uma população voltou ao mesmo ninho à beira do penhasco, geração após geração, por milhares de anos – Foto: Reprodução: Luis Robayo/AFP/Getty Images Plus

Traduzido por Carlos Germano
Original de Jake Buehler para o Science News

Os condores andinos constroem ninho – e fazem cocô – na mesma gruta no alto dos Andes por mais de 2.000 anos. Esta pilha gigantesca de guano (material orgânico produzido através das fezes) está fornecendo um “retrato” do passado dessas aves, revelando uma surpreendente fidelidade à criação de filhotes.

As análises do depósito mostram que os condores reformularam sua dieta após a colonização europeia das Américas. As aves também abandonaram o local por um milênio, possivelmente graças a séculos de vulcões em erupção, relatam os pesquisadores na Proceedings of the Royal Society B.

“Um material que poderia ser facilmente ignorado ou descartado como lixo pode nos ensinar um pouco sobre como as populações, comunidades e ecossistemas respondem às mudanças ambientais”, diz Rachel Reid, paleoecóloga da Virginia Tech,em Blacksburg, que não participou da pesquisa.

Com uma envergadura de mais de 3 metros e o peso de uma criança, os condores andinos (Vultur gryphus) são as maiores aves de rapina. Encontrados nos Andes da América do Sul e ao longo da costa ocidental do continente, os condores também estão ameaçados de extinção. Restam apenas cerca de 10.000 pássaros, e seus números estão diminuindo.

Os esforços para protegê-los dependem da compreensão de seu comportamento e ecologia. Mas estudar os condores andinos pode ser um desafio: as aves passam a maior parte do tempo voando em áreas montanhosas de difícil acesso, o que as tornam difíceis de capturar e monitorar, diz o paleoecologista Matthew Duda, da Queen’s University, em Kingston, Canadá.

Mas em 2014, os colegas de Duda encontraram um ninho de condor no Parque Nacional Nahuel Huapi, na Argentina, escondido em um penhasco, que se tornou uma fonte valiosa de informações. Os pesquisadores caminharam uma hora desde a estrada mais próxima e desceram de rapel 10 metros ao longo do penhasco, apenas para chegar ao ninho. Ao contrário da maioria dos locais de nidificação de condores, este era protegido da chuva e da neve.

As informações do cocô preservado foram a “oportunidade perfeita para voltarmos no tempo”, diz Duda.

Os pesquisadores esculpiram uma fatia de 25 centímetros de profundidade da pilha de guano. O DNA e as proporções de produtos químicos específicos no cocô indicavam o que os condores comiam ao longo do tempo. Outros produtos químicos, como enxofre e potássio, bem como algas preservadas, revelaram mudanças nas condições ambientais.

A datação química das amostras revelou que as camadas mais antigas do depósito tinham pelo menos 2.200 anos. O fato de os condores estarem usando esse local – para ninho – por tanto tempo foi “extremamente surpreendente”, diz Duda. A maioria das espécies de pássaros retorna à mesma área para criar os filhotes, mas raramente no mesmo ninho – ou nunca. “Se eles usam o mesmo ninho e continuam voltando repetidamente, isso implica que o local onde esses pássaros estão nidificando é uma área super importante de sua ecologia e comportamento”, diz ele.

A taxa de acúmulo de fezes diminuiu drasticamente de 1.650 para 650 anos atrás, caindo de 0,08 cm por ano para 0,003 cm por ano. Essa desaceleração sugere que os condores deixaram o local por um milênio, dizem os pesquisadores. Na mesma época, vulcões próximos passaram por uma saraivada de erupções. Cinzas pesadas que teriam coberto a vegetação da região poderiam ter levado os herbívoros a se afastarem, reduzindo a disponibilidade de carcaças para os condores se alimentarem, suspeitam Duda e seus colegas. As aves podem ter voado para vasculhar pastagens mais verdes e retornado à área depois que os paroxismos vulcânicos cessaram.

Conexões semelhantes entre erupções e declínios nas populações de pássaros foram documentadas em registros de guano, diz Dulcinea Groff, paleoecóloga da Universidade de Wyoming, em Laramie, que não esteve envolvida no novo trabalho. Por exemplo, excrementos antigos relacionaram quedas nas populações de pinguins Gentoo a conflitos vulcânicos.

Há mais de 2.000 anos, os condores-dos-andes (filhote mostrado) frequentam o mesmo ninho na Argentina. Cada geração contribuiu para a formação de um depósito de guano em forma de anel, que oferece aos cientistas uma visão sem precedentes da história ecológica dos condores – Foto: Reprodução / Lorenzo Sympson
Há mais de 2.000 anos, os condores-dos-andes (filhote mostrado) frequentam o mesmo ninho na Argentina. Cada geração contribuiu para a formação de um depósito de guano em forma de anel, que oferece aos cientistas uma visão sem precedentes da história ecológica dos condores – Foto: Reprodução / Lorenzo Sympson

O guano do condor também revela uma grande mudança na dieta, dizem Duda e seus colegas. Antes da colonização europeia da América do Sul, as aves comiam, principalmente, as carcaças de baleias encalhadas e alguns mamíferos nativos como lhamas e guanacos. Mas, nos últimos séculos, as ovelhas e o gado constituiu a maior parte de sua dieta.

E ao contrário dos condores modernos, aqueles que viveram muitos séculos atrás, não tinham níveis elevados de chumbo e mercúrio em seus corpos. Os metais tóxicos podem se acumular em necrófagos (animais que consomem organismos mortos) que comem carcaças com munição de chumbo. Os necrófagos jogam alguns dos metais em seus excrementos, o que pode ser detectado pelos cientistas. A descoberta ajuda a confirmar que a contaminação por metais pesados ​​é um fenômeno recente.

A pesquisa “nos dá uma linha de tempo muito mais longa para entender o que é a variabilidade natural em uma população”, diz Duda. Como este estudo avaliou apenas um ninho, ele e seus colegas planejam colaborar com outros pesquisadores para encontrar ninhos de condor semelhantes.

Enquanto isso, a aparente lealdade dos condores a este local de nidificação muito específico – mesmo potencialmente através de séculos de caos vulcânico – destaca o quão crucial a preservação de tais locais pode ser para sua conservação bem-sucedida, diz Duda.

Carlos Germano

Carlos Germano

carlosgermanorf@gmail.com