Traduzido por Julio Batista
Original de Peter Dockrill para o ScienceAlert
As marcas eram desconhecidas: contornos esculpidos que só agora sugerem uma paisagem perdida de muito tempo atrás. No entanto, uma grande e misteriosa laje de pedra recentemente redescoberta na França parece ser o mapa mais antigo conhecido na Europa.
Em um novo estudo, os pesquisadores reexaminaram a laje de Saint-Bélec – uma laje de pedra entalhada e parcialmente quebrada encontrada pela primeira vez em 1900, antes de ser guardada em um castelo e amplamente esquecida por mais de 100 anos.
Só agora os arqueólogos modernos estão reavaliando a laje e aprendendo seu significado – especificamente, que ela poderia de fato representar a mais antiga representação cartográfica de terras conhecidas na Europa.
“Este é provavelmente o mapa mais antigo de um território que foi identificado”, disse o autor principal do estudo, Clément Nicolas, da Universidade de Bournemouth, no Reino Unido, à BBC.
“Existem vários desses mapas esculpidos em pedra em todo o mundo. Geralmente, são apenas interpretações. Mas esta é a primeira vez que um mapa retrata uma área em uma escala específica.”
Não é totalmente compreendido como a laje de Saint-Bélec chegou aos dias de hoje, mas definitivamente tem sido uma jornada estranha.
Em tempos mais recentes, a pedra foi encontrada em 1900 pelo pré-historiador francês Paul du Chatellier, que escavou a laje entalhada de um antigo túmulo na cidade de Leuhan, região da Bretanha e noroeste da França.
Quanto ao significado das esculturas na laje de quase 4 metros de comprimento, du Chatellier não tinha certeza. Ele observou na época que alguns estudiosos interpretaram as marcas como uma representação humana sem forma, ou talvez uma imagem de uma besta – mas também sugeriu que os significados só poderiam ser descobertos em pesquisas futuras.
“Não nos deixemos ser enganados pela fantasia, deixando a tarefa para um Champollion, que talvez se encontre um dia, para lê-la para nós”, escreveu du Chatellier.
Apesar da grande promessa, du Chatellier reservou a laje em sua coleção particular, antes de ser vendida pelos seus filhos ao Museu Francês de Arqueologia Nacional, que a guardou isolada por várias décadas no nicho de um fosso de castelo.
Foi em 2014 que a quase esquecida laje de Saint-Bélec foi finalmente redescoberta, encontrada numa adega do castelo. Alguns anos depois, Nicolas e sua equipe internacional começaram a conduzir a primeira investigação moderna da laje, usando técnicas de análise 3D de alta resolução para registrar e examinar a morfologia e a cronologia da pedra.
Um dos grandes mistérios da laje é o que um mapa como este estava fazendo no cemitério de Saint-Bélec em primeiro lugar. Acredita-se que a tumba em questão remonta ao final da Idade do Bronze (cerca de 1900–1640 a.C.), mas a laje em si é provavelmente mais antiga, talvez tenha sido esculpida no início da Idade do Bronze, possivelmente décadas ou séculos antes, pensam o pesquisadores.
Se eles estiverem certos, isso significa que esta laje antiga com o mapa estava sendo reutilizada como algum rito que era parte do processo de sepultamento, formando uma das paredes do túmulo de pedra, com o lado entalhado voltado para dentro da tumba, o que significa que as marcas não foram expostas aos elementos por milhares de anos, o que ajuda a explicar por que elas permanecem relativamente intactas até hoje.
De acordo com os pesquisadores, as gravuras e temas retratados na forma de mapa esculpidos na superfície da laje fornecem uma correspondência tridimensional (3D) grosseira com a região do rio onde existia o antigo túmulo.
“Um ponto-chave é que os entralhadores parecem ter modificado o relevo original da superfície da laje para criar a desejada forma 3D que se compara à topografia da paisagem circundante”, escrevem os pesquisadores em seu paper, observando que o túmulo de Saint-Bélec tem vista para o vale da região mapeada do rio Odet.
“[Confirmamos] uma boa correspondência entre os entalhes e a topografia, com resultados semelhantes aos dos mapas etnográficos solicitados. Tais correlações dão… uma ideia da escala possível do espaço representado: uma área com cerca de 30 km de comprimento e 21 km de largura.”
O que é menos certo é o que outras temáticas esculpidas na laje podem representar, mas é possível que eles possam refletir a localização dos primeiros assentamentos da Idade do Bronze, outros locais de túmulos, sistemas de campo e trilhas, sugere a equipe.
Nesse caso, pode ser que o mapa refletisse uma espécie de plano organizacional de uso e propriedade da terra de acordo com os governantes políticos e econômicos da cultura primitiva que esculpiu esse objeto.
“Sem dúvida, havia uma justificativa para esculpir esta obra na pedra… que era deixar uma marca”, explicou um dos membros da equipe, o arqueólogo Yvan Pailler, da Universidade da Bretanha Ocidental.
“Fazer uma cartografia assim… está muitas vezes ligada à afirmação de um poder, de uma autoridade sobre um território. Este é o contexto geral de conquistas que ocorre na Idade do Bronze Inferior, momento em que vemos o surgimento de sociedades de alta hierarquia.”
Em tal interpretação, é possível que a laje foi posteriormente lançada na sepultura como uma rejeição subsequente do sistema de poder e propriedade desta elite governante – para ser enterrada por milhares de anos, antes que suas figuras enigmáticas finalmente comunicassem a configuração do terreno mais uma vez.
As descobertas foram publicadas no Bulletin de la Société préhistorique française.