Por Michelle Starr
Publicado na ScienceAlert
No coração de uma galáxia a 215 milhões de anos-luz de distância, um flash de luz brilhante irrompeu no vazio do espaço – o último ‘grito de luz’ de uma estrela morrendo ao se aproximar demais e ser rasgada por um buraco negro supermassivo.
É a morte mais próxima de uma estrela que já observamos, permitindo uma visão sem precedentes do violento processo cósmico.
Embora capturar uma morte estelar por um buraco negro seja incomum, os astrônomos já observaram esse processo o suficiente para descobrir as características gerais de como isso acontece. Quando uma estrela se aventura muito perto, a imensa força de maré do buraco negro – o produto de seu campo gravitacional – primeiro se estende e depois puxa a estrela com tanta força que ela se despedaça.
Este evento de pertubação de maré libera um raio de luz brilhante antes que os fragmentos da estrela desintegrada desapareçam no horizonte de eventos do buraco negro. Mas esse raio de luz costuma ser parcialmente obscurecido por uma nuvem de poeira, o que torna difícil estudar os detalhes mais sutis.
O novo evento de pertubação de maré, identificado pela primeira vez em setembro do ano passado e denominado AT2019qiz, agora está ajudando uma equipe liderada pelo astrônomo Matt Nicholl, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, a esclarecer a origem dessa poeira.
“Descobrimos que, quando um buraco negro devora uma estrela, ele pode lançar uma poderosa explosão de material que obstrui nossa visão”, disse a astrônoma Samantha Oates, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.
Os eventos de pertubação de maré estelares são um daqueles fenômenos cósmicos impossíveis de prever – você teria que continuar observando o céu e aguardar a tal explosão reveladora. Foi o que aconteceu com o AT2019qiz, e os astrônomos rapidamente voltaram seus telescópios para uma parte do céu na constelação de Eridanus, e no coração de uma galáxia espiral a 215 milhões de anos-luz de distância.
“Várias pesquisas espaciais descobriram a emissão do novo evento de pertubação de maré muito rapidamente depois que a estrela foi destruída”, disse o astrônomo Thomas Wevers, que estava na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, durante a pesquisa.
“Nós imediatamente apontamos um conjunto de telescópios terrestres e espaciais naquela direção para ver como a luz era produzida”.
Conforme a estrela é despedaçada, alguns dos detritos resultantes se espaguetificam, formando um longo e fino fio de material que alimenta o buraco negro.
Essa luz forte é o resultado das intensas influências gravitacionais e friccionais neste material de acreção. Essas influências aquecem o material a temperaturas tão altas que o evento de pertubação de maré pode ofuscar brevemente a galáxia hospedeira.
Depois desse forte brilho de luz inicial, o evento de pertubação de maré desaparece ao longo de alguns meses. Nicholl e sua equipe observaram e planejaram cuidadosamente o desaparecimento do AT2019qiz em vários comprimentos de onda de luz, incluindo ultravioleta, rádio, óptica e raios-X. Essa foi outra sorte que eles tiveram – os eventos de pertubação de maré brilham principalmente em luz óptica e ultravioleta.
Esta luz permitiu à equipe calcular as massas envolvidas no AT2019qiz.
“As observações mostraram que a estrela tinha aproximadamente a mesma massa que nosso Sol, e que perdeu cerca de metade dela para o buraco negro, que é um milhão de vezes mais massivo que ela”, disse Nicholl.
Entre a rapidez com que a equipe voltou sua atenção para o evento, sua proximidade e o espectro mais amplo do que o normal do qual o observaram, eles também determinaram que a poeira obscurecedora era parte integrante do evento de pertubação de maré, e não um fenômeno separado.
“AT2019qiz é o evento de pertubação de maré mais próximo descoberto até o momento e, portanto, foi incrivelmente bem observado em todo o espectro eletromagnético. Este é o primeiro caso em que vemos evidência direta de vazamento de gás durante o processo de pertubação e acreção que explica tanto a óptica como emissões de rádio que vimos no passado”, disse o astrônomo Edo Berger, do Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica (EUA).
“Até agora, a natureza dessas emissões tem sido fortemente debatida, mas aqui vemos que os dois fenômenos estão conectados por um único processo. Este evento está nos ensinando detalhadamente sobre os processos físicos de acreção e ejeção de massa de buracos negros supermassivos”.
A pesquisa um dos avanços mais recentes no estudo de eventos de pertubação de maré.
No início deste ano, uma equipe confirmou que alguns dos detritos de estrela despedaçadas se transformam em um disco de material que alimenta o buraco negro, como água em um ralo. Um evento de pertubação de maré alguns anos antes revelou que o jato de plasma lançado pelo buraco negro é proporcional a quantidade da estrela que ele devora. E uma estrela que escapou do despedaçamento total mostra que um buraco negro pode racionar sua refeição e alimentar-se de um companheiro em órbita por bilhões de anos.
Mas o AT2019qiz, dizem os pesquisadores, é um caso especial que continuará a ajudar nossas pesquisas para entender esses eventos incríveis.
“Os dados requintados apresentados aqui”, eles escreveram em seu artigo, “farão do AT2019qiz uma pedra de Roseta para interpretar futuras observações de eventos de pertubação de maré na era de grandes amostras que esperamos coletar do Zwicky Transient Facility, do Observatório Rubin e de outras pesquisas novas e contínuas que vamos ter ao longo dos anos”.
A pesquisa foi publicada nos Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.